Estudo descreve o poder do “efeito Rumpelstiltskin”, termo com origem nos contos de fadas
Redação Publicado em 16/09/2025, às 10h00
Receber um diagnóstico de um psicólogo ou psiquiatra pode, muitas vezes, representar um ponto de virada na história de uma pessoa. Para muitos pacientes, simplesmente ouvir o nome de uma condição já pode trazer alívio imediato, mesmo antes do início de qualquer tratamento.
Um interessante artigo de revisão publicado no periódico BJPsych Bulletin explora esse fenômeno, propondo que o ato de diagnosticar, por si só, pode ser terapêutico. Os autores chamam isso de “efeito Rumpelstiltskin”, uma palavra em alemão que faz referência aos contos de fadas.
Segundo pesquisadores das universidades Case Western Reserve e James Madison, nos EUA, a comunidade médica tem, em grande parte, negligenciado esse aspecto do diagnóstico como uma intervenção distinta e potencialmente significativa.
A revisão, coassinada pelo psiquiatra Awais Aftab e pelo professor de filosofia e religião Alan Levinovitz, baseia-se em relatos clínicos, folclore e pesquisas científicas emergentes para enquadrar o diagnóstico não apenas como um rótulo, mas como um evento psicológico transformador.
Embora clínicos observem regularmente os efeitos psicológicos do diagnóstico, esse fenômeno específico não havia recebido um nome na literatura científica. Os autores defendem que reconhecer e definir esse fenômeno permite que pesquisadores e profissionais compreendam melhor suas implicações, tanto positivas quanto negativas.
Para ilustrar o poder do diagnóstico, os autores descrevem um caso hipotético: um acadêmico bem-sucedido, que por muito tempo enfrentou desatenção e autocrítica, finalmente recebe na vida adulta o diagnóstico de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).
O diagnóstico reformula uma vida inteira de sensação de culpa e vergonha internalizada, oferecendo uma nova narrativa e desbloqueando uma sensação de paz. Esse tipo de reação, observam os autores, é comum em contextos psiquiátricos e médicos, mas ainda é algo pouco estudado.
O termo “efeito Rumpelstiltskin” vem do conto de fadas em que uma jovem é libertada de um pacto mágico apenas depois de descobrir o nome da criatura misteriosa que a ajudou.
Os autores destacam que essa ideia de que dar nome a algo concede poder sobre ele aparece em várias culturas ao redor do mundo. De antigos exorcismos à prática psiquiátrica moderna, nomear uma "força oculta" muitas vezes é visto como um passo em direção ao controle ou à cura.
Na medicina, o ato de nomear uma condição frequentemente muda a forma como a pessoa enxerga suas próprias experiências. Os autores sugerem que o diagnóstico desempenha várias funções sobrepostas:
- fornece uma lente clínica por meio da qual experiências antes confusas ou estigmatizadas podem ser reinterpretadas;
- resolve ambiguidades ao organizar sintomas dispersos em uma narrativa coerente;
- pode criar um senso de conexão ao ligar pacientes a grupos de apoio ou comunidades de pessoas com o mesmo diagnóstico;
- e ainda pode evocar efeitos psicológicos semelhantes aos do placebo, como alívio, esperança e expectativa de cuidado.
Evidências de revisões recentes apoiam essa visão. Uma, segundo os autores, constatou que rótulos diagnósticos frequentemente ajudam as pessoas a se sentirem validadas e fortalecidas, além de favorecer a comunicação e o planejamento futuro.
Outra revisão, focada em jovens, mostrou que rótulos psiquiátricos ajudaram a reduzir a autoculpa e a aumentar a aceitação social. Em ambos os casos, o diagnóstico não apenas descreveu sintomas — ele mudou a forma como esses sintomas eram vivenciados e compreendidos.
Estudos experimentais sugerem que até o estilo com que um diagnóstico é comunicado pode influenciar os resultados. Por exemplo, pacientes com sintomas médicos inexplicáveis relataram maior melhora quando o médico forneceu um rótulo claro e expressou confiança na recuperação, mesmo sem tratamento específico.
Esses achados sugerem que a linguagem e o ritual do diagnóstico podem ter peso psicológico, funcionando como uma espécie de intervenção em si.
Os autores propõem vários mecanismos que poderiam explicar o efeito Rumpelstiltskin. Um deles é o que a filósofa Miranda Fricker chama de “avanço hermenêutico” – um momento em que alguém ganha acesso a um conceito que o ajuda a dar sentido a uma experiência que antes não era possível exprimir.
Por exemplo, entender as próprias dificuldades emocionais após o nascimento do filho como “depressão pós-parto”, em vez de “fracasso pessoal”, pode mudar tanto como a pessoa se sente quanto como os outros respondem a ela.
Outro caminho que pode explicar o fenômeno envolve associações aprendidas. Em muitos contextos culturais, receber um diagnóstico é logo seguido de cuidado e apoio. Com o tempo, essa associação entre nomear e curar pode condicionar as pessoas a sentirem alívio com o diagnóstico, mesmo se não houver tratamento em seguida.
O ato de diagnosticar também funciona como um ritual culturalmente sancionado, em geral realizado por uma figura de autoridade em um ambiente carregado de expectativas de cuidado.
Por fim, os autores mencionam o conceito de rotulação afetiva, que se refere aos benefícios emocionais de colocar sentimentos em palavras.
Nessa visão, o diagnóstico funciona não apenas como uma classificação médica, mas também como uma ferramenta psicológica de regulação emocional. Nomear o que se está vivendo pode reduzir o sofrimento simplesmente por torná-lo mais manejável e menos misterioso.
Embora a revisão destaque o potencial terapêutico do diagnóstico, os autores alertam que nomear nem sempre é benéfico. Um diagnóstico também pode trazer estigma, medo ou uma sensação de permanência que talvez não corresponda à realidade.
Em alguns casos, pacientes podem adotar o diagnóstico como parte fixa de sua identidade, limitando seu senso de autonomia ou reforçando comportamentos desadaptativos, ou seja, prejudiciais. Outros podem se sentir incompreendidos ou patologizados, especialmente se suas experiências carregarem significados culturais ou espirituais que entrem em conflito com interpretações médicas.
O diagnóstico também pode levar a danos por meio de tratamentos desnecessários ou excesso de medicalização. Algumas pessoas podem ficar desanimadas se o alívio prometido pelo diagnóstico não for seguido por cuidados eficazes. E o estigma social e internalizado pode complicar ainda mais o quadro, ainda mais em contextos psiquiátricos.
Os autores defendem mais pesquisas sistemáticas sobre o efeito Rumpelstiltskin. Eles sugerem que são necessários estudos qualitativos e quantitativos para entender com que frequência esse fenômeno ocorre, quais mecanismos o sustentam e como seus efeitos se comparam a intervenções psicológicas mais conhecidas, como o efeito placebo.
Estudos futuros também poderiam explorar a relação entre diagnóstico e autodiagnóstico, especialmente na era digital, em que comunidades online e conteúdos sobre saúde mental influenciam cada vez mais a forma como as pessoas compreendem suas dificuldades.
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