Redação Publicado em 05/08/2025, às 10h00
Comer compulsivamente, especialmente alimentos ricos em gordura e açúcar, pode mudar nosso cérebro e comportamento, levando à busca compulsiva por comida e a uma maior probabilidade de comer em excesso — em vez de comer menos — em momentos de estresse.
Esse padrão alimentar também pode contribuir para problemas de saúde física a longo prazo, segundo uma nova revisão de estudos com animais.
A autora principal do estudo, a pesquisadora Simone Rehn, da Universidade de Tecnologia de Sydney, na Austrália, explica que a mania de beliscar em frente à TV ou ao computador é diferente de ter um transtorno conhecido como "comer compulsivo":
A compulsão alimentar é frequentemente mal compreendida como apenas comer demais ou beliscar enquanto se assiste TV. No entanto, é um transtorno de saúde mental reconhecido que afeta milhões de pessoas no mundo todo.”
“No transtorno de compulsão alimentar, a pessoa consome uma grande quantidade de comida — geralmente rica em gordura e açúcar — em um curto período de tempo, e depois se sente muito mal e culpada por isso. Ela sente que não consegue parar, que perdeu o controle, o que causa um sofrimento psicológico significativo.”
A equipe de pesquisa analisou quase 200 estudos científicos sobre os efeitos de padrões alimentares semelhantes à compulsão em animais, para identificar os impactos comportamentais e fisiológicos. O artigo foi publicado recentemente na revista Neuroscience and Biobehavioural Reviews.
Modelos com animais são usados para estudar a compulsão alimentar porque é difícil determinar causas em estudos com humanos. Os animais são treinados a comer compulsivamente ao terem acesso a alimentos ricos em gordura e açúcar apenas por curtos períodos de tempo.
“Se você der a um animal, como um rato, acesso livre a alimentos gordurosos e açucarados, ele vai comer durante o dia inteiro — e isso não é compulsão. Mas se ele só tiver acesso por uma hora, ele aprende a aproveitar esse tempo ao máximo e comer compulsivamente”, explicou Rehn.
O estudo constatou que os padrões alimentares compulsivos aumentam a motivação para buscar alimentos ricos em gordura e açúcar, mesmo que o prazer em comê-los não aumente.
“Isso sugere uma dissociação entre ‘querer’ e ‘gostar’. A comida se torna mais atraente, mas não necessariamente mais prazerosa. Isso pode ajudar a explicar por que as pessoas continuam comendo compulsivamente mesmo quando já não sentem prazer — e por que parar é tão difícil,” afirmou o pesquisador Mike Kendig, coautor da publicação.
A revisão também apontou que animais com histórico de compulsão alimentar eram mais propensos a manter comportamentos de busca por comida, mesmo sob estresse — que normalmente reduz o apetite. Isso parece acontecer porque a resposta do corpo ao estresse fica atenuada após o consumo prolongado de alimentos ricos em gordura e açúcar, algo também observado em pessoas com transtorno de compulsão alimentar.
“Ansiedade e estresse costumam estar associados à compulsão alimentar. Uma teoria é que pessoas ansiosas usam a comida para aliviar essa ansiedade, mas há poucas evidências disso em animais. Na verdade, as evidências com animais sugerem que a compulsão alimentar pode aumentar a chance de que você coma ainda mais na próxima vez que estiver estressado.”
Embora a maioria dos estudos com animais não tenha demonstrado ganho de peso com esse padrão de compulsão, ainda assim foram observadas consequências metabólicas — como maior massa de gordura, níveis elevados de triglicerídeos e alterações nos hormônios que regulam o apetite — de forma semelhante aos estágios iniciais de doenças metabólicas.
Para formuladores de políticas públicas, educadores e pais, os achados levantam preocupações sobre a facilidade de acesso e a forte publicidade desses alimentos, especialmente para os jovens.
“Há um papel para políticas públicas no controle da forma como esses produtos ultraprocessados são promovidos,” afirmou Rehn. “Quanto mais entendemos o impacto deles na nossa saúde, mais urgente se torna lidar com esses efeitos colaterais indesejados.”
“É importante não pensar apenas em como a nossa dieta afeta a saúde física, mas também em como ela pode mudar nosso cérebro e nosso comportamento. Precisamos ter cuidado com as escolhas alimentares,” completou Rehn.
“A boa notícia é que essa pesquisa nos dá poder para tomar decisões conscientes sobre o que e como comemos, a fim de apoiar nossa saúde mental e física. Ao entender como diferentes alimentos influenciam nosso humor, energia e cognição, podemos desenvolver uma relação mais equilibrada com a alimentação.”