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Como evitar que a compulsão por comida vire outro problema

A tendência a substituir um tipo de compulsão por outro não é algo raro - iStock
A tendência a substituir um tipo de compulsão por outro não é algo raro - iStock

Em um episódio recente de podcast, o ator Josh Peck, mais conhecido por seu papel em "Drake & Josh", da Nickelodeon, contou que, aos 17 anos de idade, perdeu uma quantidade enorme de peso e achou que isso resolveria todos os seus problemas. Ao perceber que isso não aconteceu, ele diz ter perdido o controle e passou a usar álcool e drogas.

A tendência a substituir um tipo de compulsão por outro não é algo raro entre obesos que perdem muito peso em pouco tempo. É o que especialistas chamam de transferência de dependência. “É como se o paciente buscasse outra fonte de prazer”, diz a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

“Alguns pacientes com transtornos alimentares podem, ao emagrecer, trocar a compulsão em comida por vícios em drogas, bebidas, jogos, esportes (em excesso), compras e até transtornos com consequências dermatológicas, como cutucar a pele e arrancar fios de cabelo”, acrescenta a endocrinologista Deborah Beranger.

Segundo as médicas, o fenômeno ocorre porque o tratamento da obesidade muitas vezes trata apenas a consequência, mas não a causa do excesso de peso, que pode ser proveniente de um desequilíbrio hormonal e/ou psicológico.

Quando a perda de peso é brusca

A compensação está principalmente associada a pessoas que se submetem a cirurgia para perda de peso, como bypass gástrico ou gastrectomia vertical, porque os procedimentos levam a uma redução drástica da ingestão de alimentos e do peso corporal durante um período de tempo relativamente curto.  "Esses pacientes perdem de maneira muito brusca o prazer da comida e aí buscam de maneira aguda uma recompensa, uma busca de prazer por outras coisas", explica a endocrinologista.

No entanto, as especialistas acreditam que isso também possa acontecer após a perda de peso promovida por medicamentos como a semaglutida (Ozempic e Wegovy) e tirzerpatida (Mounjaro), caso o paciente não seja acompanhado por profissionais de saúde durante o processo. Ela destaca que essas drogas devem ser usadas por longos períodos, pois a obesidade é uma doença crônica. 

“Sempre que as pessoas passam por uma grande mudança em seu corpo, há uma mudança psicológica que corresponde a isso e nem sempre é a mudança positiva que as pessoas imaginam que será”, conta Marcella. Essa também foi a experiência relatada pelo ator americano após se livrar de um quadro de obesidade mórbida ainda jovem.

Como evitar o fenômeno

Para evitar que a transferência da dependência ocorra, é fundamental que transtornos alimentares como a compulsão alimentar seja tratada por uma equipe multidisciplinar, que pode incluir endocrinologista, nutrólogo, nutricionista, psicólogo, psiquiatra e educador físico. A nutróloga acrescenta que, muitas vezes, ansiedade e depressão estão associados à compulsão alimentar.

Deborah Beranger lembra que, para muitos, a comida é uma fonte importante de prazer – em alguns casos até mesmo a única. “Quando comemos nosso cérebro libera substâncias químicas de prazer, e por esse motivo nos sentimos bem. Já foi demonstrado que as drogas e o álcool, por exemplo, desencadeiam respostas de recompensa no cérebro semelhantes às dos alimentos, o que ajuda a explicar por que algumas pessoas se tornam viciadas em substâncias quando não conseguem mais receber satisfação com sua dieta”, declara.

A endocrinologista lembra que após a cirurgia da obesidade a tolerância ao álcool é reduzida, e a intoxicação ocorre mais rapidamente, o que pode aumentar os riscos de dependência.

A transferência após perda rápida e significativa de peso pode acontecer inclusive para pessoas sem histórico prévio de dependência, seja em alimentos, drogas, álcool ou outra substância ou comportamento.

Por tudo isso, é importante trabalhar juntamente com um profissional de saúde mental, de preferência alguém com experiência em transtornos alimentares, antes, durante e depois de sua jornada para a perda de peso. 

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin