
Redação Publicado em 04/11/2025, às 10h00
Um estudo publicado no periódico Archives of Sexual Behavior fornece um relato detalhado sobre as experiências de mulheres com orgasmos que ocorrem durante o exercício físico, o chamado popularmente “core orgasmo”.
Por meio de entrevistas em profundidade, os pesquisadores descobriram que essas experiências frequentemente começam na infância, são sentidas como uma sensação profunda e interna, e podem ser integradas à vida sexual da pessoa.
A pesquisa foi conduzida por uma equipe do Centro de Promoção de Saúde Sexual da Universidade de Indiana, nos EUA, e liderada pela pesquisadora Debby Herbenick, especializada em sexualidade.
O trabalho se baseia em mais de uma década de pesquisas que desafiam o entendimento comum do orgasmo como um evento estritamente sexual.
Até pouco tempo, o fenômeno era mais um tema de curiosidade popular.A literatura médica e as primeiras pesquisas sobre sexualidade, como os famosos relatórios Kinsey, contavam com menções ocasionais de orgasmos durante atividades não sexuais. No entanto, essas observações eram limitadas, e permanecia uma lacuna científica entre o burburinho popular e as evidências empíricas.
Essa linha de investigação começou com um estudo pioneiro em 2011. Os pesquisadores realizaram uma pesquisa anônima pela internet com 530 mulheres que haviam experimentado orgasmo ou prazer sexual durante o exercício. Foi um trabalho exploratório, que buscou identificar quais exercícios estavam mais associados a essas experiências e como as mulheres as descreviam.
Os resultados dessa primeira pesquisa estabeleceram uma compreensão básica. Entre as mulheres que relataram orgasmos induzidos por exercício, as atividades mais comuns foram exercícios abdominais, escalada em cordas ou postes e levantamento de peso. Uma grande parte dessas mulheres relatou sentir constrangimento com a experiência, especialmente ao se exercitar em público.
Os dados também mostraram que pensamentos ou fantasias sexuais raramente estavam associados a esses orgasmos, sugerindo que a experiência era principalmente fisiológica, e não psicológica em sua origem. Para as mulheres que sentiram prazer sexual sem atingir o orgasmo, as atividades mais citadas foram pedalar, spinning, exercícios abdominais e musculação.
Mais adiante, a equipe realizou um estudo de acompanhamento com dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Comportamento Sexual de 2014, com mais de 2.000 adolescentes e adultos dos EUA, incluindo homens. Os resultados, publicados em 2021, indicaram que cerca de 9% dos entrevistados relataram ter experimentado um orgasmo durante o exercício pelo menos uma vez na vida. Não houve diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres na prevalência.
No entanto, os pesquisadores observaram uma diferença de gênero na idade da primeira experiência: as mulheres relataram uma média de cerca de 23 anos, enquanto os homens relataram 17 anos.
Os tipos de exercícios associados à primeira experiência foram consistentes com os achados de 2011: exercícios abdominais, escalada e levantamento de peso para ambos os gêneros. A análise também identificou uma associação entre ter um orgasmo induzido por exercício e ter orgasmos durante o sono, mas não com orgasmos em relações sexuais recentes com parceiro.
O estudo mais recente passou de pesquisas quantitativas para entrevistas qualitativas a fim de capturar as experiências vividas em profundidade. A equipe realizou entrevistas semiestruturadas com 21 mulheres, entre 19 e 68 anos, que tinham histórico de orgasmos induzidos por exercício.
As entrevistas ocorreram em um ambiente com colchonetes e cadeira romana, permitindo que as participantes demonstrassem, caso se sentissem confortáveis, os movimentos específicos que levavam às suas experiências. Esse método possibilitou uma exploração detalhada de suas histórias pessoais, sensações físicas e respostas emocionais.
Um achado importante foi que a primeira experiência de excitação ou orgasmo induzido por exercício frequentemente ocorria na infância ou adolescência precoce. Muitas mulheres lembraram ter sentido essas sensações aos 5 ou 6 anos de idade, ao subir em postes no parquinho, fazer ginástica ou abdominais nas aulas de educação física.
Na época, elas muitas vezes se sentiam confusas, com várias participantes descrevendo a sensação inicial como uma vontade de urinar. Elas não tinham um referencial para entender o que acontecia em seus corpos, mas reconheciam que a sensação era prazerosa e, em alguns casos, tentavam reproduzi-la.
As participantes frequentemente descreveram um momento de “revelação”, que geralmente ocorria mais tarde, na adolescência ou idade adulta, quando adquiriam mais conhecimento sexual por meio de amigos, mídia ou experiências próprias. Nesse momento, conectavam as sensações da infância ao conceito de excitação e orgasmo. Uma mulher relatou que, ao beijar alguém pela primeira vez, percebeu: “É a mesma sensação, que estranho.” Esse reconhecimento ajudou-as a compreender uma experiência corporal antiga e, às vezes, desconcertante.
As entrevistas forneceram descrições detalhadas de como o orgasmo induzido por exercício é sentido fisicamente. Muitas mulheres o caracterizaram como uma sensação profunda e interna, originada no abdômen inferior, entre o umbigo e a pelve, em contraste com os orgasmos de estimulação clitoriana direta, descritos como mais externos.
Algumas relataram uma progressão de sensações, começando com um calor ou formigamento no “core” que aumentava e se irradiava para baixo. A experiência era frequentemente previsível, com as mulheres aprendendo que o orgasmo ocorreria após certo número de repetições de um exercício, como depois de 50 abdominais ou durante a terceira série de barras.
As respostas emocionais eram complexas e mudavam ao longo do tempo. Vergonha e constrangimento eram comuns, especialmente quando os orgasmos ocorriam em locais públicos, como academias ou aulas coletivas. Algumas participantes se preocupavam com o fato de os outros perceberem suas expressões faciais ou sons.
Muitas desenvolveram estratégias para disfarçar a experiência, como manter uma expressão séria, ou evitá-la, escolhendo outros exercícios. Essas reações estavam, às vezes, enraizadas em tabus culturais ou familiares sobre sexualidade, o que fazia com que vivenciar um orgasmo em um contexto não sexual e público parecesse inadequado ou “errado”.
Apesar desses sentimentos negativos, muitas mulheres passaram a aceitar e até apreciar sua capacidade de atingir orgasmos através do exercício. Algumas viam isso como motivação extra para treinar, algo como “um bônus no fim das 100 repetições”.
Outras descreveram como uma experiência empoderadora, que lhes dava sensação de controle sobre o próprio prazer, independente de um parceiro. Uma delas explicou que, se não recebia a atenção desejada do marido, o exercício era outra forma de obter o alívio e relaxamento proporcionados por um orgasmo.
Um achado significativo foi que algumas mulheres integraram o conhecimento sobre os orgasmos induzidos por exercício à sua vida sexual. Depois de aprender quais contrações musculares produziam prazer durante o treino, conseguiram aplicar movimentos semelhantes durante o sexo com parceiro.
Uma participante explicou que podia tensionar os músculos abdominais para alcançar orgasmos mais fortes ou rápidos, às vezes sincronizando com o parceiro. Para algumas, o exercício passou a ser uma forma de masturbação ou preliminar, e, para uma delas, era o único meio de atingir o orgasmo até recentemente.
Esses estudos têm algumas limitações. A pesquisa inicial usou uma amostra de conveniência, o que impede estimar a prevalência real. O novo estudo qualitativo envolveu um pequeno número de participantes, majoritariamente jovens, brancas e residentes nos Estados Unidos, o que pode não refletir a experiência de populações mais diversas. Pesquisas futuras devem explorar essas vivências entre homens, pessoas de gêneros diversos, indivíduos de diferentes origens culturais e adultos mais velhos.
Uma direção importante para pesquisas futuras é compreender o mecanismo fisiológico por trás dos orgasmos induzidos por exercício. Ainda não se sabe ao certo como as contrações musculares durante certos exercícios desencadeiam uma resposta orgástica. Por isso os autores sugerem que é preciso investigar melhor como isso acontece, inclusive com exames de neuroimagem.