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Evitar pensamentos negativos ajuda ou atrapalha a saúde mental?

Será que as pessoas precisam processar todos os pensamentos que surgem diante de situações difíceis? - iStock
Será que as pessoas precisam processar todos os pensamentos que surgem diante de situações difíceis? - iStock

Suprimir pensamentos negativos faz bem ou mal para a saúde mental? Será que as pessoas realmente precisam processar todos os pensamentos que surgem diante das situações difíceis que vivenciam?

Uma pesquisa indica que, ao contrário do que diz a sabedoria popular, pode ser benéfico tentar suprimir alguns pensamentos indesejados. O experimento testou os efeitos de um treino online para ajudar nessa tarefa, e concluiu que os benefícios sobre a saúde mental duraram pelo menos três meses. As descobertas foram publicadas na revista Science Advances.

Participantes de 16 países

Pesquisadores da Unidade de Ciências Cognitivas e Cérebro do Conselho de Pesquisa Médica (MRC), no Reino Unido, recrutaram 120 participantes de 16 países para participar do experimento. Foram coletados dados sobre sua saúde mental, e foram incluídos participantes com e sem histórico de transtornos mentais.

Os participantes foram solicitados a listar 20 "medos e preocupações" negativos que poderiam ocorrer nos próximos dois anos e que os preocupavam no momento, bem como 20 "esperanças e sonhos" positivos e 36 eventos neutros. Eles foram, então, instruídos a atribuir a cada um deles uma palavra os lembrasse do evento e um detalhe-chave no cenário imaginado.

Eles passaram por 20 minutos de treinamento na supressão de pensamentos por videoconferência, durante os quais os participantes foram confrontados com sua palavra por 4 segundos. Dos participantes, 61 estavam no grupo de supressão e foram instruídos a primeiro imaginar o evento e depois suprimir quaisquer pensamentos sobre ele. Enquanto isso, 59 participantes no grupo neutro foram instruídos a imaginar vividamente o evento. Os participantes foram orientados a fazer isso 12 vezes por dia durante três dias.

Os pesquisadores, então, mediram se os pensamentos tinham sido bem guardados e avaliaram o bem-estar mental dos participantes após o treinamento. Em seguida, acompanharam os participantes até três meses depois.

Imediatamente após o treinamento de supressão, os participantes que foram instruídos a suprimir pensamentos indesejados se lembraram com menos frequência e menos vividamente o detalhe-chave do evento que os preocupava. Isso não foi o caso para todos os participantes.

No entanto, dos 61 participantes que foram instruídos a suprimir pensamentos indesejados, seis relataram um aumento na vivacidade do pensamento indesejado após o treinamento.

No acompanhamento de três meses, os pesquisadores descobriram que os participantes que haviam sido instruídos a suprimir pensamentos tinham menor capacidade de lembrar detalhes ao pensar no evento que os preocupava.

Pessoas com sintomas no início do estudo e que foram instruídas a suprimir pensamentos negaativos mostraram uma melhora maior em sua saúde mental três meses depois.

As pontuações dos índices de saúde mental dos participantes com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) que suprimiram esses pensamentos aumentaram quase 10%, em comparação com uma queda de 1% entre aqueles que não o fizeram. Esses índices de saúde mental incluíam tanto impactos negativos (por exemplo, ansiedade, depressão, preocupação) quanto impactos positivos (por exemplo, efeito positivo no bem-estar).

Suprimir ou não suprimir?

A forma como as pessoas lidam com pensamentos angustiantes e se isso pode ser alterado têm sido foco de debate há mais de um século.

Sigmund Freud popularizou o conceito de que nossas motivações e comportamentos são influenciados por pensamentos inconscientes. Ele propôs que a psicanálise poderia ajudar as pessoas tornando-as conscientes deles, e a ideia de que confrontar pensamentos perturbadores era bom para o bem-estar mental se tornou popular.

O fato de ser ou não possível suprimir pensamentos é algo explorado há mais de 30 anos pelo pesquisador Daniel Wegner, um psicólogo social da Universidade de Harvard. Em seus famosos experimentos do urso branco, ele descobriu que as pessoas que foram instruídas a evitar pensar em um urso branco por cinco minutos eram mais propensas a pensar nele depois do que aquelas que foram instruídas a pensar nele pelo mesmo período de tempo.

Ele propôs que suprimir conscientemente pensamentos desencadeia um processo que faz com que o pensamento ocorra com mais frequência e que as pessoas que desejam evitar pensamentos indesejados devem considerar distração, terapias de exposição que visam dar à pessoa um senso de controle sobre seus medos ou terapias mindfulness, que promovem a capacidade de aceitar pensamentos indesejados de forma neutra.

Outro pesquisador, Michael Anderson, cientista sênior e líder de programa no Cambridge Neuroscience, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, concentrou-se em realizar pesquisas mostrando que suprimir a recuperação de memórias indesejadas pode reduzir a frequência da memória.

Em 2014, ele publicou pesquisa mostrando que suprimir memórias pode inibir seu efeito na consciência de uma pessoa e na capacidade de recordá-las, desafiando a suposição de que memórias suprimidas permanecem intactas ao longo do tempo. Foi com base nisso que o treinamento online usado na pesquisa foi desenvolvido.

Vale destacar que os resultados do estudo podem não ser generalizáveis, já que a amostra era pequena. A equipe agora planeja realizar estudos maiores.

A discussão sobre o tema ainda está longe de terminar, mas uma coisa é certa: se você costuma ruminar pensamentos negativos com frequência, não tenha vergonha de buscar ajuda de um profissional de saúde mental. 

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin