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Estudo alerta para o risco do uso prolongado de melatonina

O estudo associou o uso prolongado de melatonina e o risco de insuficiência cardíaca - iStock
O estudo associou o uso prolongado de melatonina e o risco de insuficiência cardíaca - iStock

Um estudo preliminar mostra que adultos com insônia crônica que usaram melatonina por um ano ou mais foram mais propensos a desenvolver insuficiência cardíaca. As descobertas foram apresentadas no evento anual da American Heart Association, a associação americana para o estudo do coração.

A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal. Ele é responsável por regular os ciclos de sono e vigília, e sua liberação costuma aumentar quando escurece. Versões sintéticas desse hormônio têm sido usados há muitos anos sem necessidade de receita em diversos países.

A insuficiência cardíaca ocorre quando o coração não consegue bombear sangue rico em oxigênio suficiente para os órgãos do corpo para que eles funcionem adequadamente, sendo que essa é uma condição comum nos EUA e no mundo todo.

Estudo com mais de 130 mil pessoas

O estudo incluiu 130.828 adultos (idade média de 55,7 anos; 61,4% mulheres) diagnosticados com insônia. Ao todo, 65.414 participantes receberam prescrição de melatonina pelo menos uma vez e relataram tomá-la por pelo menos um ano.

Os pesquisadores dividiram os participantes em dois grupos com base em seus registros médicos. Aqueles que tomaram melatonina por pelo menos um ano foram classificados no "grupo da melatonina", enquanto os indivíduos sem registro de uso do suplemento foram colocados no "grupo sem melatonina".

Os participantes foram excluídos se já tivessem sido diagnosticados com insuficiência cardíaca ou se lhes tivessem sido prescritos outros tipos de soníferos, como benzodiazepínicos.

Os grupos de melatonina e de controlo foram pareados por idade, sexo, raça/etnia, doenças cardíacas e do sistema nervoso, medicamentos para doenças cardíacas e do sistema nervoso, pressão arterial e índice de massa corporal. Os registros médicos foram analisados por um período de cinco anos.

Principais resultados

  • Entre adultos com insônia, aqueles cujos registros eletrônicos de saúde indicavam o uso prolongado de melatonina (12 meses ou mais) apresentaram uma probabilidade cerca de 90% maior de desenvolver insuficiência cardíaca ao longo de 5 anos, em comparação com não usuários semelhantes (4,6% vs. 2,7%, respectivamente).
  • Um resultado semelhante (82% maior) foi observado quando os pesquisadores analisaram pessoas que tiveram pelo menos duas prescrições de melatonina preenchidas com um intervalo mínimo de 90 dias. 
  • Uma análise secundária ainda revelou que os participantes que tomavam melatonina apresentaram uma probabilidade quase 3,5 vezes maior de serem hospitalizados por insuficiência cardíaca em comparação com aqueles que não tomavam melatonina (19,0% vs. 6,6%, respectivamente).
  • Além disso, os participantes do grupo que tomava melatonina apresentaram uma probabilidade quase duas vezes maior de morrer por qualquer causa do que aqueles do grupo que não tomava melatonina (7,8% vs. 4,3%, respectivamente) ao longo do período de 5 anos.

Limitações

De acordo com os autores do trabalho, da Universidade do Estado de Nova York, o estudo possui diversas limitações, como o fato de não estabelecer uma relação entre causa e efeito. Eles também admitem que a própria insônia, bem como condições associadas ao sintoma, como depressão e ansiedade, também estão relacionados ao risco cardíaco.

De qualquer forma, eles acreditam que se os resultados forem confirmados, eles poderão afetar a forma como os médicos têm aconselhado seus pacientes com dificuldades para pegar no sono.

“Embora a pesquisa não estabeleça uma relação de causa e efeito direta, levanta um alerta e sugere que o uso a longo prazo do suplemento pode estar ligado a problemas cardíacos subjacentes”, comenta o médico Paulo Reis, otorrinolaringologista especialista em Medicina do Sono e coordenador científico do grupo Bonviv Brasil.

“Embora a pesquisa observe uma associação, não é possível afirmar que a melatonina cause diretamente os problemas cardíacos”, ressalta.

Melatonina e saúde cardiovascular

O médico acrescenta que alguns estudos anteriores indicaram potenciais efeitos benéficos da melatonina para a saúde cardiovascular, como a redução da pressão arterial noturna em certos pacientes e a proteção do coração contra danos isquêmicos, ou seja, por bloqueios na circulação sanguínea.

“A discrepância nos resultados destaca a necessidade de mais estudos para entender o real impacto da melatonina no coração a longo prazo. Fatores como a dosagem, a formulação (liberação controlada ou rápida) e a condição de saúde do paciente podem influenciar os efeitos”, acredita.

Melatonina e mudança de fuso horário

O uso a curto prazo da melatonina, como para ajustar o ciclo de sono em viagens, geralmente é considerado seguro para a maioria das pessoas, de acordo com o especialista.

“No entanto, a segurança a longo prazo, especialmente em altas doses, ainda está sob investigação”, explica. Assim, a melatonina não deve ser considerada inofensiva ou um substituto para a orientação médica. Se você tem insônia, um profissional de saúde pode ajudar a identificar a causa e recomendar o melhor tratamento.

“Manter uma boa higiene do sono, como evitar telas antes de dormir e estabelecer uma rotina regular de sono, aumenta sua própria produção de melatonina e pode ser mais eficaz e seguro do que o uso crônico de suplementos”, conclui o médico.

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin