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Esqueça a ideia de “combater o estresse”, ensina especialista

Para muita gente, a sobrecarga no fim do ano chega a colocar a saúde em risco - iStock
Para muita gente, a sobrecarga no fim do ano chega a colocar a saúde em risco - iStock

Todo fim de ano é aquela loucura, com festas de confraternização, dinheiro gasto com presentes e “caixinhas”, provas na escola, tempo perdido no trânsito e trabalho extra para compensar o que vai deixar de ser feito nas Festas. Para muita gente, a sobrecarga pode ser tão grande que coloca em risco a saúde e o bem-estar.

Além de toda a pressão para cumprir todas as tarefas, existe ainda a preocupação em evitar o estresse. Então antes que você perca a paciência com mais essa exigência, saiba logo que isso é impossível. O estresse é um mecanismo de defesa excelente, que coloca nosso corpo em um modo capaz de nos salvar numa situação de perigo.

Como o estresse funciona

A cirurgiã Safia Debar, especialista em manejo do estresse na Mayo Clinic Healthcare, em Londres, conta em detalhes o que acontece quando percebemos uma ameaça:

  • O sistema nervoso simpático gera a produção do cortisol, o “hormônio do estresse”.
  • Os pensamentos passam a ficar negativos, conforme você vivencia ou prevê que algo de ruim pode acontecer.
  • Você entra num estado de hiperatenção, direcionada para o que está acontecendo.
  • O coração, pulmões e músculos se preparam para você lutar ou correr. A frequência cardíaca, a pressão arterial e a respiração aumentam, para que as células recebam mais oxigênio. O açúcar no sangue também sobe, para que você tenha energia para agir.
  • Os músculos ficam tensos, e o sistemas digestivo e reprodutivo se desaceleram, pois essas funções são menos importantes naquele momento.
  • O sistema imunológico se concentra no combate a invasores, como vírus ou células de câncer, e passa para o modo inflamatório, aumentando a produção de substâncias chamadas citocinas, que ajustam esse processo.

Tudo bem que todas essas reações parecem mais adequadas para lidar com predadores de outras espécies, como era comum nos tempos das cavernas, do que com boletos. Mas a médica deixa claro que a visão de que é preciso “controlar sua mente e evitar o estresse” não é a abordagem ideal:

“É um mecanismo de defesa, se formos contra isso, vamos apenas criar mais inflamação”, declara.

Depois da tempestade...

“O que precisamos é mudar nosso relacionamento com o estresse”, ensina. E como fazer isso? Prestando mais atenção ao que acontece depois dessas reações iniciais de “luta, fuga ou congelamento”. Depois que a ameaça vai embora, o natural é que o corpo entre num estado de relaxamento, e os batimentos cardíacos, a pressão, a respiração e os níveis de insulina voltam todos ao normal.

Em outras palavras, é preciso trabalhar melhor os períodos de recuperação após os períodos de tensão. “Se você se estressa e, depois, se acalma, significa que você completou o ciclo”, explica a especialista. Nesse caso, você não terá nenhum dano, e sua resiliência tende a aumentar. Da próxima vez que tiver uma experiência ameaçadora, você vai se lembrar que, depois de um tempo, a tensão cede.

O problema é que muita gente se estressa demais, repetidamente, e perde a capacidade de vivenciar esse período de recuperação. É o chamado estresse crônico, que aumenta o risco de diversas doenças, além de fazer as pessoas se envolverem em comportamentos pouco saudáveis, como abusar de certas substâncias e alimentos calóricos, ruminar pensamentos negativos etc.

Primeiro passo: ganhar consciência

Safia recomenda que, em primeiro lugar, as pessoas se conscientizem sobre o que estão sentindo. Entrem em contato, mesmo, com todas essas emoções e o que as deflagra. E parem para pensar, também, em como se sentem quando estão relaxadas. Fazer uma lista com tudo isso é uma boa ideia. “Uma vez que você se conscientize, você passa a estar no comando”, diz.

Uma questão importante, segundo ela, é o sono e o descanso. Assim, se você sabe que vai dormir menos por causa das festas de fim de ano, é preciso se programar para também descansar mais, por exemplo. Se conversar com alguém que você ama ou tomar um pouco de sol são atitudes que ajudam a repor sua bateria, é preciso investir mais nesses recursos. “O que mais ajuda é aquilo que você consegue fazer”, ressalta a médica.

Safia explica que seu trabalho com pacientes estressados é holístico, e ela costuma incluir um check-up completo, para olhar hormônios, alimentação, microbioma e outros aspectos da saúde física também. As recomendações para se recuperar melhor dos períodos de tensão, além de dormir melhor, incluem técnicas de respiração e meditação. “Mas quando as pessoas estão em burnout é difícil até começar”, comenta. Em outras palavras, se você perdeu o comando sobre seus níveis de estresse, é importante buscar ajuda profissional.

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin