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Veterinária: por que a saúde mental desses profissionais é tão afetada?

Saúde mental dos médicos-veterinários é um problema sério, que envolve burnout, depressão e fadiga por compaixão - iStock
Saúde mental dos médicos-veterinários é um problema sério, que envolve burnout, depressão e fadiga por compaixão - iStock

Cármen Guaresemin Publicado em 25/03/2022, às 12h00

Apesar de termos evoluído muito em vários aspectos, especialmente no campo da medicina, alguns temas continuam cercados de preconceito. A saúde mental é um deles. E se o assunto for suicídio, o tabu é ainda maior. O número de pesquisas sobre o tema no Brasil não é grande, mas se sabe que profissionais de algumas áreas, como a da saúde, estão entre os que mais tiram a própria vida. No caso dos médicos-veterinários, por exemplo, a atenção precisa ser redobrada, pois pesquisas internacionais revelam que a taxa de suicídio é 3,5 vezes mais alta entre eles do que entre o resto da população em geral.

As causas apontadas para esse fenômeno são, principalmente, a síndrome de burnout e a fadiga por compaixão. A primeira compreende o esgotamento emocional crônico por sobrecarga de trabalho e passou a ser reconhecida este ano como doença ocupacional pela OMS. Já a segunda é uma síndrome que causa exaustão física e emocional em decorrência do custo empático de lidar com o sofrimento alheio.

Pensando em criar uma rede de informação, ajuda e proteção, um grupo de veterinários e psicólogos criou a Ekôa Vet - Associação em Prol da Saúde Mental na Medicina-Veterinária que, por enquanto, está disponível no Instagram, mas em breve ganhará um site e terá parcerias não só com outras associações de saúde, mas também com empresas que se interessem em apoiar a iniciativa.

A Ekôa Vet nasceu em agosto de 2021, em plena pandemia. O nome da associação “tem base no vocabulário tupi-guarani, em que ekôa significa morada, ou seja, um lugar confortável e seguro para os profissionais da área de medicina veterinária, uma vez que um dos nossos propósitos é oferecer acolhimento para esse público”.

Para a veterinária e professora da Univeritas, Andréa Barboza, sócia- fundadora da Ekôa Vet, infelizmente não há dados fidedignos sobre o assunto no Brasil:

Sabemos de pesquisas nos Estados Unidos que mostram que a saúde mental dos médicos-veterinários é um problema sério, que envolve burnout, depressão e fadiga por compaixão”.

Ela conta que desde que criaram o perfil no Instagram, muitos profissionais da área veterinária têm escrito e entrado em contato: “Em março deste ano, a Ekoa Vet lançou no perfil a campanha #medvetvocênãoestásó com o objetivo de mostrar aos médicos-veterinários que eles não estão sozinhos nas suas dificuldades e que há quem se preocupe com eles, além de abrir um canal para conversarmos sobre a saúde mental na profissão. Essa campanha foi visualizada por 170 mil contas e foi compartilhada por quase 4 mil pessoas”, conta Andréa.

E nem sempre são médicos-veterinários que entram em contato: “Uma recepcionista de uma clínica veterinária nos escreveu contando que só estava conseguindo trabalhar medicada. As pessoas estão começando a falar mais sobre o assunto”, diz ela.

Andréa afirma que não perdeu nenhum amigo mais próximo, mas que soube de casos de suicídio entre veterinários. “Sei de muitos adoecidos, com estresse, ansiedade, burnout. As condições de nossa profissão nos impõem produzir muito, fazer plantão... e somos desvalorizados”, desabafa. “Há uma sensação de impotência quando o tutor não faz o tratamento, não segue o que indicamos, seja por falta de condições financeiras ou por não dar importância. Você não é Deus, não vai salvar a todos. Eles vão morrer antes de nós e ficará a frustração de não ter conseguido salvá-los”, completa.

A visão das psicólogas

A seguir, as psicólogas e sócias-fundadoras da Ekôa Vet, Caroline Cisnero e Camilla Eckert, contam um pouco como vai a saúde mental dos médicos-veterinários:

Segundo uma pesquisa americana, a taxa de suicídio é 3,5 vezes mais alta entre médicos-veterinários do que entre o resto da população em geral. Por aqui é semelhante?

O Brasil possui uma escassez de dados, pesquisas e estudos sobre suicídio de uma forma ampla. Com a falta desses dados, é complicado traçar as estatísticas das taxas de suicídios entre médicos-veterinários no país e, atualmente, são quase inexistentes as publicações sobre essa temática, em específico aqui. Existem fenômenos e eventos semelhantes na atuação da medicina veterinária em diversos países. Entretanto, é de extrema importância levar em consideração fatores sociais e culturais de cada nação e, aqui no Brasil, a partir da nossa prática e experiência, notamos o quão alarmante é a questão da saúde mental entre esses profissionais. Por isso, é necessário que, cada vez mais, pesquisas e discussões sobre o tema sejam abordadas para conseguirmos mensurar e identificar as peculiaridades desse fenômeno no país.

Por que isso ocorre?

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Entre os fatores que levam à piora da saúde mental dos profissionais estão a sobrecarga no trabalho e a eutanásia - iStock

A rotina do médico-veterinário pode possuir diversas dificuldades, como, por exemplo, comunicação de más notícias, desafios da relação médico-tutor, o procedimento da eutanásia, a sobrecarga de trabalho, luto, conflitos interpessoais entre a equipe e desvalorização da profissão. Esses fatores somados podem resultar no estresse laboral, podendo prejudicar assim a saúde física e a mental. É importante ressaltar que cada caso é particular em situações que envolvem o fenômeno do suicídio, tendo suas próprias características e sendo multifatorial.

Ansiedade, depressão e muitas horas de trabalho pesam?
Para aqueles profissionais que já apresentam comportamentos ansiosos ou depressivos é indispensável que se mantenham em acompanhamento psicológico, pois a carga de trabalho pode influenciar nesses quadros. Para aqueles profissionais que não possuem queixas, é extremamente necessária a prevenção, a partir de diversas estratégias como psicoterapia, atividades de autocuidado, lazer, imposição de limites etc.

Muitos casos de burnout?
A síndrome de burnout está diretamente relacionada ao ambiente de trabalho que desencadeia estados de sofrimento psíquico do indivíduo. Essa síndrome é frequentemente encontrada em profissionais da saúde e com os médicos-veterinários não seria diferente. Dentro da prática veterinária, ainda existe um fator que pode potencializar os sintomas dessa síndrome: o procedimento da eutanásia. A identificação dos sintomas do burnout muitas vezes passa despercebida pelo profissional, o que pode prejudicar cada vez mais suas condições emocionais e físicas. Quanto antes a pessoa buscar ajuda, mais rápida será a intervenção.

A relação com os tutores dos animais também pesa? Como?
Sim. Atualmente, é muito comum escutar os tutores se referindo ao animal de companhia como “meu bebê, meu filho”, evidenciando o papel do pet como membro da família que tem sua devida importância. Os pets possuem nomes, camas próprias, ganham festas de aniversário, andam em carrinho de bebê etc. Com essas mudanças na relação humano-pet, as influências em cima do papel do médico-veterinário também sofreram alterações. Dessa forma, ele também passa a assumir um novo papel na vida dessas famílias multiespécie. Essas novas demandas exigem novos repertórios do profissional, pois lidar com a expectativa, pressão e cobrança dos tutores pode ser um desafio.

Como surgiu a ideia de se criar a Ekôa Vet?
Foi criada com o propósito de ser uma rede de apoio e direcionamentos, sempre buscando acolher e informar sobre temas referentes à dura realidade tão pouco vista dos médicos-veterinários no Brasil. A nossa equipe sabe da importância e necessidade do olhar da psicologia para a medicina-veterinária e da escassez de intervenções e pesquisas no que se refere à saúde mental dos profissionais envolvidos. Dessa forma, o grupo, que é composto por psicólogas e médicos-veterinários, se reuniu com esse propósito em comum.

Qual o objetivo da Ekôa?
Oferecer informações sobre saúde mental e acolhimento aos estudantes e profissionais de medicina-veterinária brasileira. Pela Ekôa Vet estaremos realizando encaminhamentos para psicólogos cadastrados no nosso projeto daqueles que buscarem por atendimento psicológico. Juntamente a isso, vamos realizar eventos sobre a temática e divulgaremos estudos e trabalhos científicos que estão sendo desenvolvidos tanto no Brasil quanto no mundo.

Como tem sito a experiência?
A experiência tem sido gratificante com a resposta e engajamento do nosso público-alvo com o projeto. Esperamos poder alcançar mais pessoas e conscientizar sobre a questão de saúde mental na medicina-veterinária.

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