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Como vai a saúde mental de quem reabilita animais silvestres?

O profissional que trabalha com resgate e reabilitação de animais, mesmo antes da pandemia, lida com temas difíceis - Arte/Site Doutor Jairo
O profissional que trabalha com resgate e reabilitação de animais, mesmo antes da pandemia, lida com temas difíceis - Arte/Site Doutor Jairo

Redação Publicado em 18/02/2022, às 11h00

A saúde mental de todos nós foi colocada em xeque nos últimos dois anos, graças, claro, à pandemia da covid-19. Porém, algumas ocupações, como os profissionais de saúde, foram mais pressionadas do que outras. Outro grupo, menos lembrado, é o dos profissionais que trabalham com resgate e reabilitação de animais. É por isso que o psiquiatra e biólogo Jairo Bouer recebeu esta semana a também bióloga Vanessa Kanaan, atual diretora técnica do Instituto Espaço Silvestre, ONG de Florianópolis com mais de 20 anos de atuação no bem-estar de animais silvestres, em uma live. 

"Nem sempre [o resgate] dá certo; a dificuldade de reabilitar um animal silvestre. E não é infrequente que haja perdas, mortes e que eles tenham de lidar com o luto”, comenta Jairo. Ele também lembrou que o Brasil vive um momento delicado em relação à questão ambiental, com o tema sendo alvo de grupos que não acreditam na necessidade de proteção do meio ambiente e que mina o assunto tentando fazer a questão sair do foco de atenção.

Vanessa brincou que, ao divulgar aos colegas que faria a live, ouviu “Saúde mental? O que é isso?”. Ela confirma que, independente de pandemia, reabilitar animais silvestres no país é algo complexo: “Exige disponibilidade total, sete dias, 24 horas por dia... É difícil desligar a cabeça, porque acompanhamos casos, há emergências. Nunca temos um dia em que todos estão de folga”.

Para ilustrar a complexidade do trabalho, ela comenta que, nos últimos meses, temos acompanhado profissionais de saúde que estiveram na linha de frente no combate ao coronavírus, e que tinham de optar entre qual paciente tratar: “Isso porque lidam com uma espécie. Nós, no ano passado, no Cetas (Centro de Triagem de Animais Silvestres), reabilitamos 250”.

Luto diário

Muitas vezes, é preciso estudar um caso, procurar um amigo mais experiente e ir pela “tentativa e erro”. Vanessa diz que a equipe tem de ser corajosa e se arriscar, sabendo que a decisão pode não dar o resultado desejado. “Às vezes, nem temos recursos. E temos de suportar a culpa da decisão. Se for acertada, legal. Se não for, como profissional, parar e refletir. Mas, como pessoa, enfrentar a culpa. Temos de lidar com o luto diário. Não há um dia em que não perdemos um animal”.

Vanessa diz que muita gente deve achar o trabalho glamouroso e que, realmente, é delicioso resgatar um animal, vê-lo crescer, melhorar e devolvê-lo à natureza. Mas que, por trás desse bicho fofinho, há uma história muito triste.

Outro ponto que ela destaca é que as pessoas da ONG cuidam umas das outras e que a maioria entra nesta área por gostar de animais. No grupo, ela encontra solidariedade, uns dando força para os outros. Vanessa diz que as situações diárias de superação e desafios acabam mexendo com o emocional e mental dos envolvidos, mas que isso é pouco divulgado, por isso, agradece pela live dar luz ao tema. “Os profissionais da área são supercobrados pela população que pede ajuda para resgatar e não enxerga que há pessoas que têm de lidar com tudo isso”.

Confira:

Jairo diz que ficou surpreso ao descobrir que os índices de suicídio entre os veterinários são mais altos do que na população geral. “Há a perda, o luto, o animal doente, tudo parecido com o que ocorre com os médicos. O profissional de saúde de animal silvestre lida com pressão maior, por causa das questões já mencionadas sobre o não entendimento da importância do meio ambiente. Ele menciona que de cada quatro ou cinco animais que chegam à ONG, só 20% a 25% têm sucesso na reabilitação.

Outro ponto é que as pessoas que atuam nesta área não podem se apegar aos animais, algo muito fácil de acontecer:

“Eu trabalho com reabilitação de animais silvestres há quase 20 anos, e meu lema pessoal é ‘ter amor, não ter apego’. O quanto consigo isso na prática é diferente. Quando tem amor, tem felicidade quando o animal volta à natureza. Ou, se não tem condições, ele vai para um instituto legalizado. Somos uma casa de passagem, se começarmos a ter apego, podemos estragar o processo. Já pensou se eles ficarem mansos e não conseguirem se reintroduzir? Seria um ato egoísta”, diz a bióloga.

Vanessa conta que para trabalhar com animais silvestres não se pode perder o encantamento: “Se você perde, não faz sentido estar ali. Já vi gente tendo crise de ansiedade, outros dizem ‘não é para mim’. Tem dias que não tem como não ter raiva de quem fez aquilo para o animal”.

Sobre tratar o silvestre como pet, a bióloga lembra que existem tantos animais domésticos precisando de um lar e carinho. Ela cita já ter recebido papagaio-de-peito-roxo com 25 anos e que foi reabilitado e solto. Tudo depende de cada indivíduo.

“Se você gosta de animais silvestres, seja voluntário em entidades, zôos, ONGs e não o tenha como animal de estimação. Silvestre não é pet... Quando você vê um animal que passou décadas em uma gaiola voando livremente com um bando, entende que aquele animal não foi feito para ficar em uma gaiola”, conta ela, emocionada.

Terminando a live, Vanessa pede que Jairo dê algumas dicas para que os profissionais tentem melhorar a saúde mental. Ele lembra que o que a ONG faz é lindo, e que é preciso entender a importância do trabalho e o lugar que ela tem no mundo. Também aconselha que sejam mais tolerantes e condescendentes com eles mesmos.

E que "tudo bem não estar bem". O psiquiatra lembra a importância de falar o que se está sentindo, nem que seja com amigos, e que é preciso desmistificar os problemas de saúde mental. Terminando, aconselha que todos tenham um tempo para si mesmos e não fiquem tomados pelo que fazem, mesmo que amem o trabalho.

Veja a conversa completa: