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Suas músicas preferidas revelam muito sobre sua personalidade

Extrovertidos tendem a gostar de música contemporânea dançante e alegre, segundo estudo - iStock
Extrovertidos tendem a gostar de música contemporânea dançante e alegre, segundo estudo - iStock

Redação Publicado em 18/02/2022, às 17h07

Diga quais são suas canções preferidas, e eu lhe direi quem você é. Segundo pesquisadores, essa afirmação é verdadeira: traços de personalidade e preferências musicais estão interligados, e essas correlações são válidas em diferentes culturas do mundo ocidental.

Eles descobriram que a música “Shivers”, de Ed Sheeran, pode atrair tanto extrovertidos que vivem no Reino Unido quanto os que vivem na Argentina ou na Índia. E quem tem traços neuróticos são mais propensos a gostar de “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana, seja na Dinamarca, na África do Sul, ou nos EUA.

Já pessoas empáticas e avessas a conflitos com os outros tendem a gostar de músicas como “What's Going On”, de Marvin Gaye, ou “Shallow”, de Lady Gaga e Bradley Cooper. E pessoas abertas a novas experiências têm chances altas de curtirem “Space Oddity”, de David Bowie.

O estudo, publicado no  Journal of Personality and Social Psychology , foi liderado pelo neurocientista e psicólogo David Greenberg, do Centro de Pesquisas sobre Autismo, de Cambridge, e da Universidade Bar-Ilan, em Israel. Foram utilizados questionários respondidos por mais de 356 mil pessoas de mais de 50 países e 6 continentes.

Tipos de personalidade

Em primeiro lugar, é importante compreender que este estudo, assim como muitos outros da área de psicologia social, levou em conta a “teoria dos cinco grandes traços de personalidade”. Ela parte da existência de cinco características consideradas chaves na hora de analisar a personalidade das pessoas. Os "Big Five" (ou "Cinco Grandes" traços de personalidade) são os seguintes:

- Extroversão: pessoas mais extrovertidas são comunicativas, ficam relaxadas e falantes ao lado de pessoas desconhecidas, enquanto indivíduos com baixos níveis de extroversão são mais reservados e ficam tensos na hora interagir com desconhecidos.

- Agradabilidade: quem pontua mais nesse aspecto é respeitoso, empático, afetuoso, mas tem muita dificuldade para discordar ou brigar com os outros. No outro espectro, quem pontua menos é mais fiel às próprias opiniões, mas também é mais frio e insensível.

- Conscienciosidade: pessoas conscienciosas são disciplinadas, organizadas, bons de planejamento e muito confiáveis nesse aspecto, mas se irritam com quem não cumpre regras. Já quem pontua pouco é desorganizado, gosta de espontaneidade e flexibilidade.

- Neuroticismo: níveis altos desse traço se referem a pessoas sensíveis, reativas, intensas e ansiosas. Já pessoas com níveis baixos de neuroticismo são menos emotivas e não se estressam por pouca coisa.

- Abertura a experiências: quem tem altos níveis desse traço é criativo, curioso, sabe pensar “fora da caixa” e adora novidades, enquanto quem tem níveis baixos prefere uma rotina bem estabelecida.

Confira

Estilos musicais avaliados

Para entender os resultados do estudo que liga preferências musicais à personalidade, também é importante conhecer o modelo utilizado pela equipe de pesquisa, chamado de “Music” (cada letra dessa palavra significa um estilo musical, em inglês):

- Meloso ou suave: que tem atributos românticos e tranquilos, como “soft rock”, R&B e gêneros contemporâneos adultos.

- Despretensioso: atributos simples, relaxantes e pouco agressivos, como música country.

- Sofisticado: atributos complexos e dinâmicos, como jazz, ópera, música de vanguarda etc.

- Intenso: atributos de agressividade e distorções, como rock clássico, punk, heavy metal e power pop.

- Contemporâneo: atributos rítmicos, dançantes, eletrônicos e de caráter mais otimista,  como música eletrônica, latina, rap e euro-pop.

Os participantes do estudo foram convidados a participar de dois testes diferentes. Em comum, eles tiveram que responder questões sobre personalidade e o quanto gostavam ou desgostavam de certas melodias inéditas, que refletiam, no total, 23 diferentes gêneros e subgêneros da música ocidental (eles podem ser encontrados no site musicaluniverse.io, em inglês).

Estilo musical x personalidade

Os pesquisadores encontraram, em diferentes partes do mundo, praticamente as mesmas correlações entre extroversão e música contemporânea; agradabilidade e música suave e despretensiosa; abertura a experiências e música suave, contemporânea, intensa e sofisticada.

Eles descobriram que a extroversão, que é definida pela busca de excitação, sociabilidade e emoções positivas, seria positivamente associada a músicas contemporâneas com características otimistas, positivas e dançantes.

Da mesma forma, pessoas mais conscienciosas, ou seja, que gostam de ordem e obediência de regras, rejeitam estilos musicais intensos, caracterizados por agressividade e rebeldia.

Catarse ou melhora de humor

Mas uma descoberta intrigou ainda mais a equipe. Os pesquisadores achavam que pessoas com traços de neuroticismo seguiriam dois caminhos – ou curtiriam músicas tristes, que expressam mais suas sensações frequentes de solidão, ou prefeririam canções bem animadas, justamente para melhorar seu humor.

O resultado, no entanto, foi diferente do previsto: de forma geral, pessoas com esses traços preferem estilos musicais mais intensos, como punk ou heavy metal, o que pode refletir sua angústia interior.

Mas é importante lembrar, segundo o autor principal, que as pessoas usam músicas diferentes para fins diferentes: para tentar se animar ou, pelo contrário, para colocar para fora tudo o que estão sentindo.

Confira: 

Traços, preferências e geolocalização

O estudo também encontrou uma associação mais forte entre alguns traços de personalidade e preferências musicais em certas partes do mundo. Países da América Central e do Sul, por exemplo, aparecem com forte tendência à extroversão e música contemporânea (tipo rap e eletrônico), especialmente o Brasil.

Isso poderia sugerir que os fatores climáticos influenciam as preferências musicais, e que as pessoas acostumadas a climas mais quentes podem ter maior tendência a traços de personalidade que as tornam mais propensas a gostar de música rítmica e dançante.

“Ficamos surpresos com o quanto esses padrões entre música e personalidade se replicaram em todo o mundo”, afirmou Greenberg, que também é músico (claro). “As pessoas podem estar separadas pela localização, idioma e cultura, mas se um introvertido em uma parte do mundo gosta da mesma música que os introvertidos em outro lugar, isso sugere que a música pode ser uma ponte muito poderosa.”

Greenberg, que continua a atuar como saxofonista profissional, tem uma lista de reprodução muito diversificada, típica de pessoas que pontuam alto em abertura a experiências. “Sempre amei jazz e agora também gosto muito de música de diferentes religiões do mundo, o que faz todo o sentido com base em meus traços de personalidade.

Por que as descobertas são importantes?

Por milhares de anos, os humanos usaram a música com diferentes finalidades, como, por exemplo, em rituais religiosos, antes de lutas ou para compartilhar valores em comum. Hoje, é comum as pessoas usarem a música para expressar o que pensam e, justamente, sua personalidade. Portanto os pesquisadores acreditam que há potencial para usar música para tratar de questões sociais importantes.

Greenberg, que mora em Jerusalém, já usa a música como ponte para trabalhar com israelenses e palestinos. Em uma palestra no TEDx, ele dá alguns exemplos de como a música pode unir pessoas e culturas. Greenberg também acredita que as descobertas podem melhorar os serviços de streaming e oferecer suporte a aplicativos de bem-estar, mas isso não é tão fácil quanto parece.

Tema é mais complexo do que parece

Se as pessoas que pontuam alto em neuroticismo, por exemplo, forem alimentadas com músicas mais intensas, será que isso vai ajudar a aliviar a ansiedade delas ou apenas reforçar e perpetuar esses sentimentos negativos? Essas são algumas perguntas que a equipe ainda pretende responder.

Outro ponto que traz complexidade ao tema é o fato de que nossas preferências musicais não são imutáveis. Além disso, ninguém é somente extrovertido, ou somente aberto a experiências – e esses gradientes também podem mudar ao longo da vida.

Os testes têm suas limitações, como levar em conta a resposta subjetiva das pessoas diante de apenas algumas amostras de gêneros. Na prática, um mesmo indivíduo pode achar uma música eletrônica chatíssima e outra, do mesmo gênero, muito legal, até porque a arte traz possibilidades infinitas. Sem contar que todo mundo tem seus próprios preconceitos, que podem se refletir na hora de responder a pesquisas desse tipo – por exemplo, achar que "não pega bem" gostar de música romântica ou assumir que não tem muita empatia

Greenberg acredita que, no futuro, combinar dados de streaming com tecnologias de EEG (eletroencefalograma) portáteis podem trazer uma compreensão mais elaborada sobre nossas preferências e nossas respostas emocionais diante de diferentes músicas. Certamente seria um modo mais imparcial de se fazer essa avaliação. 

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