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Neurocientista explica como o medo funciona

Todo mundo fica com medo; ele é uma faceta inevitável da experiência humana - iStock
Todo mundo fica com medo; ele é uma faceta inevitável da experiência humana - iStock

Redação Publicado em 03/11/2021, às 13h00

A resposta ao medo nos mantêm vivos. É primordial e devemos respeitá-la. Ao mesmo tempo, pode ser desagradável e interferir no funcionamento do dia a dia das pessoas. No entanto, paradoxalmente, o medo também é a fonte de uma descarga de adrenalina altamente agradável. O medo inspira cineastas, designers de montanhas-russas, psicólogos, neurocientistas e muitos outros. É uma emoção humana fascinante e multifacetada.

Todo mundo fica com medo; o medo é uma faceta inevitável da experiência humana. As pessoas geralmente o consideram uma emoção desagradável, mas algumas fazem o possível para desencadeá-lo – por exemplo, saltando de paraquedas ou assistindo a filmes de terror. Ele é justificável, por exemplo, ao ouvir passos quando você sabe que é o único em casa, é um motivo válido para ficar apavorado.

Ele também pode ser inapropriado. Por exemplo, podemos experimentar uma onda de terror ao assistir a um filme, embora saibamos que o monstro é um ator maquiado e que o sangue não é real. Muitos indivíduos consideram as fobias a manifestação mais inadequada de medo. Eles podem se prender a praticamente qualquer coisa – aranhas, palhaços, aves ou cachorros – e causar um impacto significativo na vida das pessoas.

Por que ficamos com medo?

No que diz respeito à evolução, o medo é antigo e, até certo ponto, podemos agradecer a ele por nosso sucesso como espécie. Qualquer criatura que não corra e se esconda de animais maiores ou de situações perigosas provavelmente será removida do mundo antes de ter a chance de procriar.

O papel essencial do medo na sobrevivência ajuda a explicar por que às vezes parece um tanto desencorajador. Em outras palavras, faz sentido ficar um pouco nervoso se você for um animal em um ambiente hostil. É melhor correr e se esconder quando sua própria sombra o pega de surpresa do que presumir que a sombra é segura, apenas para ser comido por um urso segundos depois.

O que acontece no corpo?

As pessoas costumam se referir às mudanças fisiológicas que ocorrem quando alguém sente medo como a resposta de “lutar ou fugir”. A frequência respiratória aumenta, a cardíaca segue o exemplo, os vasos sanguíneos periféricos – na pele, por exemplo – se contraem, os vasos sanguíneos centrais ao redor dos órgãos vitais se dilatam para inundá-los com oxigênio e nutrientes, e os músculos são bombeados com sangue, prontos para reagir.

Os músculos – incluindo aqueles na base de cada cabelo – também ficam mais tensos, causando a piloereção, que é coloquialmente chamada de arrepios. Quando o cabelo de um humano fica em pé, isso faz pouca diferença em sua aparência, mas para os animais mais peludos, isso os faz parecer maiores e mais formidáveis. Já viu um gato arrepiado?

Metabolicamente, os níveis de glicose no sangue aumentam, fornecendo um estoque imediato de energia se houver necessidade de ação. Da mesma forma, os níveis de cálcio e glóbulos brancos na corrente sanguínea aumentam.

Disparando a resposta

A resposta de lutar ou fugir começa na amígdala, que é um feixe de neurônios em forma de amêndoa que faz parte do sistema límbico. Ela desempenha um papel importante no processamento das emoções, incluindo o medo. A amígdala é capaz de desencadear atividade no hipotálamo, que ativa a glândula pituitária, onde o sistema nervoso encontra o sistema endócrino (hormônio). A hipófise secreta, então, o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) no sangue.

Nesse momento, o sistema nervoso simpático – uma divisão do sistema nervoso responsável pela resposta de lutar ou fugir – dá uma cutucada na glândula adrenal, encorajando-a a esguichar uma dose de epinefrina, também conhecida como adrenalina, e outras catecolaminas na corrente sanguínea.

O corpo também libera cortisol em resposta ao ACTH, que provoca o aumento da pressão arterial, do açúcar no sangue e dos glóbulos brancos. O cortisol circulante transforma os ácidos graxos em energia, prontos para serem usados pelos músculos, caso haja necessidade. Hormônios catecolaminas, incluindo epinefrina e norepinefrina, preparam os músculos para uma ação violenta.

Esses hormônios também podem:

  • aumentar a atividade no coração e nos pulmões;
  • reduzir a atividade no estômago e intestinos, o que explica a sensação de “frio na barriga”;
  • inibir a produção de lágrimas e salivação, explicando a boca seca que vem com um susto;
  • dilatar as pupilas;
  • produzir visão em túnel;
  • reduzir a audição.

O hipocampo, que é uma região do cérebro dedicada ao armazenamento da memória, ajuda a controlar a resposta ao medo. Junto com o córtex pré-frontal, que faz parte do cérebro envolvido na tomada de decisões de alto nível, esses centros avaliam a ameaça. Eles nos ajudam a entender se nossa reação ao medo é real e justificada, ou se podemos ter reagido de forma exagerada.

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Experimentamos a onda de medo antes que nossos centros cerebrais mais razoáveis a sufoquem - iStock

Se o hipocampo e o córtex pré-frontal decidirem que a resposta ao medo é exagerada, eles podem desacelerar e diminuir a atividade da amígdala. Isso explica em parte por que as pessoas gostam de assistir a filmes de terror; o sensível “cérebro pensante” pode dominar as partes primitivas da resposta automática ao medo do cérebro. Portanto, experimentamos a onda de medo antes que nossos centros cerebrais mais razoáveis a sufoquem.

Por que congelamos quando estamos com medo?

A ideia de nossos corpos se preparando para lutar ou correr faz sentido do ponto de vista de sobrevivência – mas como o “congelamento” teria alguma utilidade? Um animal que simplesmente fica enraizado no local seria um lanche fácil para um predador, você pode pensar. Quando assustados, a maioria dos animais congela por alguns momentos antes de decidir o que fazer a seguir. Às vezes, ficar imóvel é o melhor plano; por exemplo, se você for um pequeno mamífero ou se estiver bem camuflado, ficar quieto pode salvar sua vida.

Um estudo de 2014 identificou a raiz neurológica da resposta de congelamento. Ela é gerada por diafonia (“cross talk”, interferência) entre a cinzenta periaquedutal (PAG) e o cerebelo. O PAG recebe vários tipos de informações sensoriais sobre ameaças, incluindo fibras de dor. O cerebelo também recebe informações sensoriais, que usa para ajudar a coordenar os movimentos. Os pesquisadores descobriram um feixe de fibras que conecta uma região do cerebelo, chamada pirâmide, diretamente ao PAG. Mensagens que passam por esses caminhos fazem com que o animal congele de medo.

Os autores do estudo esperam que suas descobertas possam um dia ajudar a projetar maneiras de tratar pessoas com transtornos de ansiedade e fobias que podem ficar paralisadas de medo.

A questão das fobias

Os profissionais médicos classificam as fobias como um transtorno de ansiedade. Como mencionado anteriormente, as fobias costumam ser um medo irracional e hiperativo de algo que, na maioria das vezes, não pode causar danos. Eles podem se prender a praticamente qualquer coisa e causar um impacto significativo na vida das pessoas.

Não há razão direta para o desenvolvimento de uma fobia; tanto os genes quanto o meio ambiente podem estar envolvidos. Às vezes, a origem pode ser relativamente fácil de entender: uma pessoa que testemunha alguém caindo de uma ponte pode mais tarde desenvolver uma fobia de pontes, por exemplo.

Em geral, entretanto, a origem de uma fobia é difícil de desvendar – afinal, a maioria das pessoas que testemunham alguém caindo de uma ponte não desenvolve uma fobia de pontes, então há mais nisso do que uma simples experiência. Embora ainda haja muitas perguntas sem resposta, os cientistas descobriram alguns dos eventos neurais que sustentam as fobias.

Dada a nossa compreensão do envolvimento da amígdala na resposta ao medo, não é surpreendente que haja uma ligação entre fobias e atividade intensificada nessa região. Um estudo também descobriu que havia uma desconexão entre a amígdala e o córtex pré-frontal, o que normalmente ajuda um indivíduo a ignorar ou minimizar a resposta ao medo.

Além do medo sentido quando alguém com fobia encontra seu inimigo, esses indivíduos também estão em um estado elevado de excitação; eles sempre esperam ver seu gatilho, mesmo em situações em que não é particularmente provável que apareça. Alguns pesquisadores argumentam que essa expectativa vívida e assustadora desempenha um papel significativo no aumento da resposta de medo quando uma pessoa se depara com seu objeto fóbico.

Outro estudo explorou esse fenômeno em pessoas com aracnofobia. Ele descobriu que se os cientistas dissessem a esses indivíduos que eles poderiam encontrar uma aranha, a atividade em seus cérebros seria diferente daquela dos participantes de controle sem fobia. Especificamente, a atividade no córtex pré-frontal lateral, pré-cúneo (região no lóbulo parietal) e córtex visual foi comparativamente menor.

Os autores afirmam que essas regiões cerebrais são fundamentais para a regulação das emoções; elas ajudam a nos manter equilibrados. Uma redução em sua atividade sugere uma capacidade reduzida de conter as emoções de medo.

Frequentemente, um indivíduo com fobia estará bem ciente de que sua resposta ao objeto que teme é irracional. A atividade mais fraca nessas áreas do cérebro ajuda a explicar por que isso acontece. As partes do cérebro responsáveis por manter a cabeça fria e avaliar a situação são silenciadas, permitindo assim que mais regiões emocionais participem.

Fonte: Tim Newman, neurocientista pela Universidade de Manchester, Inglaterra / MedicalNewsToday

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