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Cuidados com objetos que o pet pode levar à boca: veterinária explica

Corpo estranho linear são linhas que, ao serem ingeridas, acabam ficando presas, às vezes chegando ao estômago - iStock
Corpo estranho linear são linhas que, ao serem ingeridas, acabam ficando presas, às vezes chegando ao estômago - iStock

Cármen Guaresemin Publicado em 07/03/2022, às 14h00

Toda pessoa que convive com animais de estimação já levou um susto ao vê-los com algo improvável na boca. Ou se assustou mais ainda ao achar que o bicho estava estranho ou doente e, ao levá-lo ao médico-veterinário, descobriu que o problema é algo que ele não deveria, mas comeu. Quem assistiu ao filme Marley e Eu, ou tem um desses em casa, sabe bem o que é isso.

Sim, às vezes basta esperar a natureza fazer a parte dela e o pet expelir aquilo naturalmente pelas fezes ou vômitos. Porém, nem sempre isso ocorre. Muitas vezes, após fazer exames, como ultrassom e raio-X, uma cirurgia é necessária para a retirada daquele “objeto estranho”.

Alguns animais ficam completamente loucos com a decoração de Natal, por exemplo. O que se pode entender ao pensarmos no brilho e nos sons dos itens típicos dessa época. No entanto, é difícil imaginar a atração que objetos como plásticos, fitas, fitilhos, elástico e palha de aço possam exercer sobre eles, mas é comum que comam essas coisas.

Em grupos de redes sociais que reúnem pessoas que gostam e têm animais é comum conferir depoimentos que chamam a atenção. Uma pessoa, por exemplo, comentou que a gata dela começou a ficar estranha e a passar mal. Ela não fazia ideia do que poderia ter acontecido. Infelizmente, a felina veio a óbito. A tutora, então, descobriu que o que havia feito mal à gata foi a tinta usada para pintar as paredes da casa.

“Sim, a tinta e outros produtos usados para a pintura e reforma de casas podem causar intoxicações e, caso o animal não seja diagnosticado e socorrido a tempo, podem levar ao óbito”, afirma Bianca Bennati, médica-veterinária na SPet, que fica junto à Cobasi São Bernardo Faria Lima.

Cheiro forte

Ela explica que isso pode ocorrer tanto pela ingestão acidental dos produtos quanto pelo motivo mais comum, o forte cheiro. “Os animais têm um nariz muito mais ‘potente’ que o nosso, sentem muito mais o cheiro dos produtos e, assim, podem ter intoxicações. Alguns itens até vêm com a informação para não serem usados perto de pets, ou avisando que o animal precisa ficar longe do ambiente por algumas horas. Por isso a importância de ler antes as instruções de uso, sempre”, enfatiza Bianca.

O mesmo vale para dedetização – aliás, ninguém deve ficar no ambiente, nem os humanos – e também na hora de limpar a casa. Mas muitos se perguntam se isso acontece com todos os animais, ou com aqueles mais sensíveis.

“Todos os animais são sensíveis a cheiros fortes, alguns podem apresentar alergias, mas isso varia de animal para animal. Entre os produtos de uso geral para limpeza, a água sanitária (cândida) e o desinfetante são os mais perigosos. Eles podem causar queimaduras se ingeridos ou por contato. Mas se deve ter cuidado com todos: álcool, cera de polir chão, lustra móveis, removedor de uso geral etc.”, aconselha Bianca.

Ela enfatiza que todo produto de limpeza, se ingerido, pode causar uma intoxicação ou queimadura, devido à química do produto. Aqueles mais abrasivos também podem causar queimaduras de contato nas patinhas e abdômen, por exemplo, por isso devemos retirar os animais do ambiente durante aplicação.

Confira:

Cirurgia necessária

Outro caso mostrado nas redes sociais foi o de uma moça cuja gata estava estranha há vários dias. Depois de alguns exames que não apontavam nada, decidiram fazer um ultrassom que mostrou um corpo estranho no estômago dela. Foi necessária uma cirurgia. E o que foi encontrado? Aqueles fios de plástico de vassouras. A tutora até comentou que tinha flagrado a gata tentando comer isso tempos atrás, mas que tirava o objeto de perto da felina. Porém, a bichana provavelmente estava fazendo isso há meses, sem que ninguém notasse.

Bianca admite que é extremamente comum isso ocorrer com cachorros, mas também se vê alguns casos com gatos: a ingestão de qualquer coisa que não seja um alimento ou tenha a função de ajudar na digestão (como as graminhas), o famoso “corpo estranho”.

“O problema da ingestão desses objetos é que eles precisam sair do organismo, em alguns casos o animal acaba vomitando e defecando, sem causar prejuízos. Nesses exemplos, o proprietário pode considerar que ambos, o animal e ele, tiveram sorte e evitaram maiores problemas. O corpo estranho pode ficar por meses ou anos no organismo, causando sérios prejuízos ao animal e até mesmo levando ao óbito. Lembrando que qualquer objeto afiado e/ou cortante, pode gerar uma lesão em algum órgão interno levando à morte”, adverte a médica-veterinária.

Animais engolirem agulhas também é algo muito comum. Eles veem a linha e começam a engolir e, junto dela, na ponta, vem a agulha. “Esses casos são mais comuns em gatos, chamamos de corpo estranho linear. São linhas que, ao serem ingeridas, acabam ficando presas, às vezes embaixo da língua, ou em alguma parte do estômago/intestino, causando lesões graves e até mesmo perfurações. Por serem materiais de costura é comum encontrarmos agulhas em uma das extremidades da linha. Já peguei casos em que a agulha estava presa no céu da boca do gato, o que foi muita sorte para o animal, que não teve nenhuma lesão grave”.

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O tédio está ligado à ingestão de objetos, é importante que o tutor estimule o animal com brinquedos feitos para ele - iStock

Bianca conta que pouco tempo atrás atendeu um animal que teve um quadro de intoxicação por conta do cheiro de silicone. A proprietária foi passar uns dias na praia e aproveitou para fazer pequenos reparos no apartamento, o animal apresentou muito desconforto e até vômito. “Isto fez com que a tutora voltasse correndo para São Paulo para o pet passar em consulta comigo. Assim que chegou, o animal já apresentou melhora só de ter saído do ambiente com o cheiro forte. Nós não notamos como o cheiro pode ser bem irritante para os animais, mas, como falei antes, eles têm o olfato mais sensível e podem sofrer bem mais que uma pessoa com rinite, por exemplo”.

Reformas e pinturas

Outro caso que a veterinária presenciou foi quando trabalhava em um hospital veterinário e, durante uma reforma no local, foi usada uma tinta mais adequada para animais, em cuja embalagem o fabricante afirmava ser sem cheiro, para evitar qualquer problema. “Durante a reforma, foram pintando os ambientes aos poucos e isolando os animais para evitar qualquer desconforto. Realmente, nenhum dos pacientes ou internados apresentou piora ou qualquer sintoma, mas o mascote do hospital quase faleceu. Felizmente, o quadro foi revertido a tempo e, na pintura seguinte, ele passou uns dias na casa de uma cuidadora para não correr riscos”, conta.

Os cães não precisam ser hiperativos como era Marley, o cachorro do filme, para comer tudo. Bianca lembra que é muito comum eles apresentarem esse comportamento até mesmo por tédio, por ficarem em casa trancados sendo pouco estimulados. O animal acaba procurando o que fazer e, às vezes, engolindo algo que não devia. É mais comum em filhotes por não terem uma boa noção do que é para ser comido ou não, mas pode acontecer em adultos, inclusive idosos mais “atentados”.

Já em gatos, a ingestão de corpo estranho em si não é tão comum, geralmente ingerem o já citado corpo estranho linear, podendo ser elástico de dinheiro, cabelo e linhas no geral.

Lâmpadas e pregos

Bianca cita casos mais bizarros que aconteceram com ela: “Já atendi, mais de uma vez, cachorros que comeram lâmpada fluorescente. Acho curioso porque realmente é uma coisa que o tutor nunca iria pensar, mas, sim, já atendi três casos de lâmpada fluorescentes, sendo dois da raça Border Colie e um cão SRD. Outro caso foi de um bichinho de pelúcia que ficou no estômago do animal por três dias e, após o ultrassom, confirmamos a localização. Ele foi retirado por endoscopia, o animal foi para casa no mesmo dia como se nada tivesse acontecido”, conta surpresa.

Como, além de veterinária, ela também tem pets, Bianca se lembra de dois casos pessoais: “Um cachorro filhote comeu um prego e eu só descobri porque o deixei cair acidentalmente no chão. Corri para a emergência para poder fazer um raio-X. Durante o exame, enquanto eu estava preocupada com diafragma e coluna, na verdade apareceu um prego no estômago. E o meu cachorro não apresentou nenhum sintoma de corpo estranho”.

Porém, devido à queda, o filhote não podia ser operado, pelo risco de uma lesão no pulmão. Assim, ele ficou em observação por 48 horas, repetindo o raio-X a cada 8 horas para avaliar a localização do prego, que permaneceu no estômago dele por dois dias. A cirurgia foi marcada para o terceiro dia de internação pela manhã, porém, para alívio de todos os envolvidos, o cãozinho, durante a madrugada, expeliu o prego pelas fezes, evitando a cirurgia. Muita sorte do peludinho.

“Outro caso foi com o meu gato. Quando fiquei bem doente e, em consequência disso, meu cabelo caiu muito, eu fiquei quase careca. Varria e aspirava a casa todo o dia, mas meu cabelo era muito comprido e volumoso. Meu gato comeu tantos fios que acabou fazendo um corpo estranho linear. Acabei raspando a cabeça por causa dele”, confessa.

Bianca acrescenta casos bem interessantes de colegas também: “Uma atendeu um cachorro que engoliu uma agulha e essa acabou perfurando o estômago e indo parar no fígado e lá se alojando. Outra pegou o caso de um cão que ficou com um corpo estranho por mais de um ano, apresentando vômito. E teve um colega que pegou o caso de um Buldogue que comeu uma pilha; este, infelizmente, faleceu porque a pilha acabou se rompendo dentro do estômago dele”.

Acidentes acontecem, e mesmo tomando todos os cuidados sempre existem riscos. Bianca aconselha que o tutor deve evitar ao máximo, para não facilitar, o acesso dos pets aos produtos de limpeza e objetos muito pequenos que podem ser engolidos.

“Como podemos ligar o tédio à ingestão desses corpos, é importante que o tutor estimule o animal comprando brinquedos próprios para eles, para evitar que brinquem com o que não se deve”, finaliza a médica-veterinária.

Fonte: Bianca Bennati é formada em Medicina Veterinária pela Unisa, especializada em nefrologia e urologia de cães e gatos. Atua como veterinária na clínica SPet junto a Cobasi São Bernardo do Campo.

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