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Como os detalhes da memória desaparecem com o tempo?

Memórias não são cópias exatas do passado e lembrar é um processo de reconstrução - iStock
Memórias não são cópias exatas do passado e lembrar é um processo de reconstrução - iStock

Redação Publicado em 28/05/2021, às 19h30

Quais informações são mantidas em uma memória com o passar do tempo e quais partes são perdidas? Essas perguntas levaram a muitas teorias científicas ao longo dos anos e, agora, uma equipe de pesquisadores das Universidades de Glasgow e Birmingham (Reino Unido) pode fornecer algumas respostas. 

O estudo – publicado na revista Nature Communications – demonstra que as memórias se tornam menos vibrantes e detalhadas ao longo do tempo, com apenas a sua essência eventualmente preservada. Além disso, esse fenômeno é potencializado quando nos lembramos frequentemente de nossas experiências recentes. 

Para os pesquisadores, as descobertas podem ter implicações em diversas áreas, incluindo a natureza das memórias no transtorno de estresse pós-traumático, o questionamento repetido de depoimentos de testemunhas oculares e, até mesmo, a melhores práticas de estudo para provas e exames. 

Lembranças mudam com o tempo

Embora as memórias não sejam cópias exatas do passado – o ato de lembrar é entendido como um processo altamente reconstrutivo – os especialistas sugerem que o conteúdo de uma lembrança pode mudar cada vez que a trazemos de volta à mente. 

Para a pesquisa, a equipe desenvolveu uma tarefa computadorizada simples que mede a rapidez com que as pessoas podem recuperar certas características de memórias visuais. Todos os participantes aprenderam pares de palavras-imagem. 

Mais tarde, eles foram solicitados a lembrar os diferentes elementos. Por exemplo, os pesquisadores pediram que cada um indicasse, o mais rápido possível, se a imagem era colorida ou em preto e branco (detalhe perceptivo), ou se mostrava um objeto animado ou inanimado (detalhe semântico). 

Esses testes, sondando a qualidade das memórias visuais, aconteceram imediatamente após o aprendizado e novamente depois de dois dias. Os padrões de tempo de reação mostraram que os participantes eram mais rápidos em lembrar elementos semânticos significativos do que os mais superficiais.

Detalhes superficiais são esquecidos

Segundo os pesquisadores, muitas teorias da memória defendem que, com o tempo, e à medida que as pessoas recontam suas histórias, elas tendem a esquecer os detalhes superficiais, mas manter o conteúdo significativo e semântico de um evento. 

Um exemplo é a memória de um jantar pré-pandemia de Covid-19. Provavelmente, a pessoa não irá se lembrar da decoração da mesa ou da cor da camisa do garçom, mas poderá recordar o que ela pediu ou qual assunto foi debatido durante a refeição. 

Para os autores, a mudança das memórias de acordo com o tempo e o uso é algo bom e adaptativo. Até porque o ideal é que as lembranças retenham informações que podem ser úteis no futuro, quando a pessoa se deparar com situações semelhantes. 

Confira:

Repetição também ajuda

A equipe descobriu ainda que o viés em relação ao conteúdo da memória semântica torna-se significativamente mais forte com o passar do tempo e com a repetição das lembranças. Quando os participantes voltaram ao laboratório para mais testes – dois dias depois – eles foram mais lentos em responder às perguntas perceptivas detalhadas, mas mostraram memória preservada para o conteúdo semântico das imagens. 

Entretanto, a mudança de memórias mais ricas em detalhes para aquelas mais conceituais foi muito menos acentuada em um grupo que visualizou repetidamente as imagens, em vez de serem solicitados a trazê-las de volta à mente.

De acordo com os pesquisadores, o estudo tem implicações para analisar a natureza das memórias tanto na saúde, como na doença. Ele fornece uma ferramenta para estudar, por exemplo, o transtorno de estresse pós-traumático, no qual os pacientes, muitas vezes, sofrem de memórias intrusivas e traumáticas, e tendem a generalizar demais essas experiências para situações novas.