
Redação Publicado em 21/11/2025, às 10h00
Um estudo aponta uma possível ligação entre o consumo de refrigerantes e o transtorno depressivo maior, condição que afeta quase 6% da população adulta no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.
A pesquisa, publicada na revista JAMA Psychiatry, identificou uma bactéria específica que pode participar dessa relação, oferecendo uma nova perspectiva sobre como escolhas alimentares podem influenciar a saúde mental.
O intestino humano abriga trilhões de microrganismos, ou seja, um microbioma. Esse ecossistema interno se comunica com o cérebro por meio de uma rede complexa de sinais, chamada de eixo intestino-cérebro.
A composição das bactérias presentes no intestino pode influenciar o humor, o comportamento e o funcionamento cerebral. Por isso, pesquisadores têm investigado como fatores externos, como a alimentação, podem afetar a saúde mental alterando primeiro o ambiente intestinal.
Pesquisas anteriores já associaram o consumo de refrigerantes a diversos efeitos negativos na saúde física. Além disso, outros estudos mostraram que o microbioma de pessoas com depressão pode ser diferente daquele encontrado em indivíduos sem o transtorno.
Em experimentos com animais, por exemplo, a transferência de microrganismos intestinais de pacientes depressivos para roedores levou esses animais a apresentar comportamentos semelhantes aos da depressão e da ansiedade.
Diante dessas pistas, uma equipe de pesquisadores de Marburg, Münster e Frankfurt, na Alemanha, decidiu unir essas linhas de investigação. O objetivo era descobrir se existe um vínculo direto entre o consumo de refrigerantes e o diagnóstico de depressão, e se o microbioma intestinal poderia explicar essa relação.
O estudo utilizou dados de 932 participantes, dos quais 405 tinham diagnóstico clínico de transtorno depressivo maior e 527 eram indivíduos saudáveis. Os grupos tinham perfis semelhantes de idade e sexo.
Os hábitos alimentares foram avaliados por meio de um questionário detalhado sobre frequência de consumo de alimentos e bebidas, incluindo refrigerantes, ao longo do último ano. Eles também responderam a um questionário sobre sintomas depressivos, e parte dos integrantes teve amostras de fezes coletadas para análise do microbioma intestinal.
A primeira etapa da pesquisa investigou a relação direta entre consumo de refrigerantes e depressão. Os resultados mostraram que maior ingestão dessas bebidas estava associada ao diagnóstico de transtorno depressivo maior, especialmente entre mulheres. Nas participantes do sexo feminino, a relação foi clara, enquanto entre os homens não houve efeito significativo.
O mesmo padrão apareceu quando os pesquisadores analisaram a gravidade dos sintomas. No total da amostra, mais refrigerante estava ligado a sintomas mais intensos. Porém, ao separar por sexo, a associação continuou forte apenas entre as mulheres. Por isso, as análises do microbioma foram conduzidas somente com elas.
Segundo a autora principal, Sharmili Thanarajah, do Hospital Universitário de Frankfurt e do Instituto Max Planck de Pesquisa do Metabolismo, os dados sugerem que a relação entre refrigerantes e sintomas depressivos pode ocorrer por meio da influência do microbioma.
Estudos anteriores já haviam identificado os gêneros bacterianos Eggerthella e Hungatella como possivelmente relacionados ao transtorno depressivo. A equipe analisou então se havia ligação entre a ingestão de refrigerantes e a quantidade dessas bactérias.
Entre as mulheres, maior consumo de refrigerantes se associou à maior abundância de Eggerthella, mas não houve relação com Hungatella. A análise também mostrou que a ingestão mais elevada dessas bebidas estava ligada a menor diversidade microbiana total.
Com esses resultados, os cientistas realizaram uma análise de mediação para testar um modelo proposto: o consumo de refrigerantes aumentaria a presença de Eggerthella, que por sua vez influenciaria o risco e a gravidade da depressão. O modelo foi confirmado entre as participantes do sexo feminino: a presença de Eggerthella explicou uma pequena, mas estatisticamente significativa parte do efeito total, cerca de 3,8 % no diagnóstico e 5,0 % na gravidade dos sintomas.
Os pesquisadores observam que bebidas açucaradas podem desequilibrar o microbioma intestinal, favorecendo o crescimento de determinadas bactérias. Como o microbioma é influenciado pela alimentação, ele pode se tornar um alvo para estratégias terapêuticas. Pequenas mudanças no consumo diário podem ter impacto relevante, especialmente considerando o uso tão comum dos refrigerantes.
Apesar disso, o estudo tem limitações importantes. Por ser observacional, ele não pode provar que o consumo de refrigerantes causa depressão. É possível, por exemplo, que pessoas com depressão consumam mais açúcar devido à alimentação emocional. Além disso, a parte do efeito explicada pelo microbioma foi modesta, o que exige novas pesquisas para confirmação. Por fim, é preciso investigar por que os efeitos observados parecem específicos para mulheres, o que pode envolver fatores hormonais ou biológicos próprios do sexo feminino.
Mesmo com essas ressalvas, o estudo reforça a ideia de que a alimentação é um fator importante e modificável na saúde mental. Há potencial para que estratégias nutricionais direcionadas ao microbioma, como o uso de probióticos, contribuam para aliviar sintomas depressivos no futuro. A pesquisa também sugere que políticas públicas voltadas para a redução do consumo de refrigerantes podem trazer benefícios não apenas para o corpo, mas também para o bem-estar emocional.
Fonte: PsyPost