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Depressão: o que é, como identificar e tratar

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Jairo Bouer Publicado em 27/09/2020, às 06h00

Você tem sentido uma tristeza constante e um aperto no peito, mesmo sem ter um motivo concreto para isso? Perdeu o interesse em atividades que antes lhe dava prazer, como jogar bola ou sair com a turma? Perdeu o apetite e não dorme direito, ou, pelo contrário, tem comido ou dormido demais? Falta energia e motivação para tarefas simples, como tomar banho e se vestir?

Claro que todo mundo tem seus dias difíceis, ainda mais depois de sofrer algum tipo de perda. Mas se os sintomas já duram muito tempo e tomam a maior parte do seu dia, é possível que você esteja com depressão. E deve ser avaliado por um profissional de saúde, de preferência o psiquiatra.

Depressão sempre existiu

A depressão não é um problema novo. Já na Grécia Antiga, Hipócrates (considerado o pai da medicina) discorria sobre a melancolia, uma condição que teria origem no acúmulo de bile negra. Ao longo da História, foi encarada como um tipo de possessão demoníaca. Só no século 20 é que a depressão passou a ser considerada uma doença, com critérios diagnósticos bem definidos.

Doença como outra qualquer

Diferente de condições como o diabetes e a hipertensão, que podem ser facilmente identificadas com exames, a depressão e outros transtornos mentais envolvem o nosso humor. Não é algo que aparece num raio-X ou no exame de sangue. Envolve questões subjetivas, culturais e de personalidade – os sintomas nem sempre são iguais para todo mundo. Por tudo isso, é difícil para muita gente entender que depressão é uma doença como qualquer outra e que, se não tratada, pode até matar.

Depressão e suicídio

Além de ser o principal fator de risco para o suicídio, a depressão tem uma relação estreita com outras doenças, como diabetes, problemas do coração e dores crônicas. Quem está deprimido também é mais propenso a desenvolver outros transtornos e ter comportamentos de risco, como o uso de álcool e outras drogas, transar sem camisinha ou se envolver em violência.

Uma em cada cinco pessoas

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que uma em cada cinco pessoas tenha problemas relacionados à depressão em algum momento da vida. Hoje, essa é uma das principais causas de incapacidade. Ou seja: as pessoas perdem dias de trabalho ou de estudo quando estão deprimidas. Isso quando não perdem o emprego ou abandonam a escola.

A OMS também afirma que o Brasil é o país com mais casos de depressão na América Latina e o segundo com maior prevalência nas Américas, só atrás dos EUA. Segundo a organização, 5,8% dos brasileiros sofrem com o transtorno.

Não é fraqueza

Por tudo isso, é fundamental que todo mundo tenha conhecimento sobre a depressão e outros transtornos emocionais. Mesmo quando não causam incapacidade ou mortes, esses quadros podem prejudicar muito a qualidade de vida. E o pior é que muita gente não leva os sintomas a sério, ou, pior, acha que eles são sinais de fraqueza, preguiça ou covardia. Não são. Pode ter certeza.

Conheça os principais sintomas associados à depressão:

– Sensação de tristeza prolongada ou de vazio, como se a vida perdesse suas cores

– Falta de interesse generalizado, até nas atividades que geravam prazer e no sexo

– Agressividade ou mau humor crônico

– Baixa autoestima, sensação de ser um peso para os outros ou sentimento de culpa

– Pessimismo, sensação de que não há solução para o mundo ou para os problemas

– Falta de energia, cansaço excessivo, perda de concentração e memória, falta de iniciativa;

– Agitação ou lentificação psicomotora (movimentos e pensamentos ficam mais lentos)

– Insônia ou sonolência excessiva

– Falta ou excesso de apetite

– Mal-estar físico, como dores, fraqueza ou sintomas digestivos

– Pensamentos sobre morte ou ideias de suicídio (nem sempre presentes)

Os manuais de diagnóstico sugerem que esses sintomas devam estar presentes a maior parte do dia, por no mínimo duas semanas. Claro que uma pessoa de luto pode passar mais tempo com o humor deprimido, mas se os sintomas não melhoram depois de algum tempo, é provável que a depressão tenha se instalado.

Doença multifatorial

Tudo indica que não haja um único fator determinante para a depressão, mas vários. Os principais são: genética, eventos estressantes (como luto, desemprego, discriminação, violência, conflitos familiares etc), determinadas doenças (como câncer ou disfunções hormonais), exposição a substâncias (como álcool, drogas, tratamentos médicos ou até exposição a certos agrotóxicos).

O transtorno pode aparecer em qualquer fase da vida, inclusive na infância, porém é mais frequente na juventude e entre idosos. Também é mais frequente nas mulheres do que nos homens, o que pode ser explicado por questões hormonais ou sociais. Por outro lado, elas são mais propensas que eles a buscar ajuda.

Tipos de depressão

– Transtorno depressivo maior: também chamado de depressão maior, unipolar ou clássica, tem como principais características a perda de interesse em atividades que eram prazerosas, apatia, perda de apetite e de peso, desânimo, desesperança, falta de energia, insônia ou sonolência excessiva, perda ou descontrole do apetite, lentidão psicomotora, sensação de luto, falta de reatividade do humor (a pessoa não reage nem a uma boa notícia), problemas de concentração, baixa autoestima, pensamentos sobre morte ou suicídio.

– Depressão atípica: recebe esse nome porque tem algumas características diferentes da depressão clássica, o que não significa que seja mais rara. Nesse tipo de depressão, existe a reatividade do humor, ou seja: a pessoa pode ficar contente quando algo de bom acontece, por exemplo. Outros sintomas comuns são o aumento do apetite (e ganho de peso), a tendência a dormir mais do que o normal, sensações de peso no corpo (principalmente nos ombros e nas costas) e uma sensibilidade exagerada à rejeição e críticas.

– Depressão persistente: a classificação se refere a todo quadro depressivo que dura mais do que dois anos. Os sintomas podem ser mais severos, como no transtorno depressivo maior crônico, mas também há casos em que são mais leves e acompanham a pessoa desde a adolescência (é o que os médicos costumavam chamar de distimia).

– Depressão sazonal: mais comum em países com inverno rigoroso, é a depressão que surge apenas nas épocas em que a exposição à luz solar diminui. Costuma envolver sono excessivo, aumento do apetite e tendência ao isolamento. O uso de caixas de luz pode ser muito útil nesses casos.

– Depressão secundária: é aquela que surge como consequência de doenças ou tratamentos médicos, como em casos de câncer ou dor.

– Depressão perinatal ou pós-parto: quadros depressivos durante e após a gravidez podem ter ligação com mudanças hormonais e aspectos psicológicos. Não confundir com o famoso “baby blues”, o estado de melancolia que muitas mulheres têm após o parto e que melhora sozinho em poucas semanas. Vale lembrar que o transtorno também pode trazer prejuízos para a criança.

– Transtorno disfórico pré-menstrual: quando os sintomas de depressão, ansiedade, mau humor, irritação intensa surgem de uma a duas semanas antes do período menstrual. É uma condição mais severa que a famosa TPM (tensão pré-menstrual) e pode comprometer o trabalho, os relacionamentos e a qualidade de vida da mulher.

– Depressão psicótica: quadro grave em que os sintomas depressivos acompanham delírios (a pessoa acredita fortemente em algo que não é verdade, como achar que tem algum superpoder ou que está sendo perseguida) e/ou alucinações (ter visões que não correspondem à realidade, ouvir vozes imaginárias, sentir cheiros que não existem ou picadas na pele, por exemplo). Pode surgir em pacientes com depressão maior (unipolar) ou bipolar.

– Depressão bipolar: é a que afeta pessoas com transtorno afetivo bipolar, em que existe a a alternância entre episódios depressivos (que podem durar semanas ou meses), e de mania ou hipomania (fases em que a pessoa fica eufórica ou irritável, “acelerada”, impulsiva, com ideias de grandeza e pode se envolver em comportamentos de risco). A depressão bipolar costuma ser grave e envolve risco maior de suicídio. O paciente com o transtorno nunca deve tomar antidepressivos isoladamente, pois esses medicamentos podem aumentar o risco de mania ou hipomania.

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Como tratar?

A dupla remédio e terapia costuma ser a forma mais eficaz de tratamento. Casos mais leves, no entanto, podem se resolver apenas com a terapia, que pode ser realizada por psicólogos ou pelo próprio psiquiatra.

É importante ressaltar que as drogas levam algumas semanas para fazer efeito, e nessa fase, é preciso que o paciente seja acompanhado de perto. Os medicamentos nunca devem ser interrompidos abruptamente – isso pode ser perigoso. Medidas comportamentais, como atividade física, gerenciamento do estresse e até dieta saudável também são primordiais para a recuperação.

Não existe “pílula da felicidade”

Antidepressivos estão bem longe de ser “pílulas da felicidade”, como muitos jornais e revistas estamparam na época em que foram lançados os primeiros inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), como a fluoxetina (Prozac). A chegada dos medicamentos foi comemorada porque o perfil de efeitos colaterais era bem melhor que o de gerações anteriores, o que não significa que as drogas mais recentes são melhores ou livres de efeitos indesejados. Depois do Prozac, várias outras opções surgiram, com mecanismos de ação diferentes. Mas nenhum deles, é bom deixar claro, é capaz de produzir sensações de euforia ou relaxamento. Tampouco ninguém muda de personalidade por causa dos remédios. Quando a depressão é controlada, o paciente apenas volta a ser ele mesmo, uma pessoa que sorri ou chora quando tem motivos para isso.

A depressão é um transtorno complexo, que não pode ser explicado apenas como “falta de serotonina”, ou de algum outro neurotransmissor. Uma parcela considerável de pacientes, inclusive, não responde a nenhuma classe de antidepressivos, portanto ainda há muito a ser descoberto sobre a biologia dos transtornos emocionais. Há novas substâncias em estudo para casos de depressão resistente, que incluem até doses mínimas de alguns compostos que hoje são usados como drogas de abuso, como a quetamina. Terapias baseadas em estimulação cerebral também são outro campo em desenvolvimento. Quanto mais opções existirem, melhores serão as chances de ajudar quem precisa de ajuda. Mas é bem provável que a tal “pílula da felicidade”, capaz de resolver todo o sofrimento humano, não venha a existir nunca.

Uma questão importante, quando se pensa no tratamento com antidepressivos, é que não adianta tomar o remédio todos os dias e não fazer mais nada. A associação com a psicoterapia sempre apresenta melhores resultados por isto: enquanto a química ajuda a aliviar os sintomas, o paciente, com ajuda do terapeuta, aprende a identificar suas fontes de sofrimento e buscar formas mais saudáveis de lidar com emoções negativas. Mudar o estilo de vida também pode ser essencial para vencer a depressão e a ansiedade e, mais importante ainda, manter a saúde mental. Também não adianta uma pessoa trabalhar das 8h às 21h, trocar emails de trabalho enquanto janta e achar que vai ter um sono tranquilo à meia-noite.

Onde buscar ajuda?

Quem acha que está deprimido ou identifica o transtorno em alguém próximo deve procurar um médico ou psiquiatra. Quem não possui recursos para isso deve buscar os ambulatórios especializados nos hospitais públicos, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou uma unidade básica de saúde (UBS), que fará o encaminhamento.

E lembre-se: o Centro de Valorização da Vida (CVV) atende todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, chat e-mail, 24 horas por dia, todos os dias da semana. A ligação para o CVV, por meio do número 188, é gratuita a partir de qualquer telefone fixo ou celular.

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