Muita gente acredita que somente formas extremas de agressão online podem causar danos significativos aos adolescentes. Mas um estudo sugere uma realidade bem mais preocupante: formas menos visíveis ou indiretas de cyberbullying podem ter efeitos igualmente prejudiciais.
A pesquisa norte-americana se soma ao crescente corpo de estudos que mostram que o cyberbullying deve ser considerado uma Experiência Adversa na Infância (EAI) – uma categoria de trauma infantil ligada a danos emocionais, psicológicos e físicos de longo prazo.
Estatísticas indicam que mais de 30% dos estudantes enfrentam bullying em todo o mundo, e isso é particularmente alarmante na era digital. Esse cenário coincide com uma preocupação crescente com a saúde mental dos adolescentes, que tem se mostrado mais precária nos últimos anos.
O estudo, conduzido pela Universidade Flórida Atlantic em colaboração com a University of Wisconsin–Eau Claire, investigou a relação entre cyberbullying e trauma em uma amostra nacionalmente representativa de 2.697 estudantes com idades entre 13 e 17 anos nos Estados Unidos.
Os pesquisadores analisaram a relação entre a prevalência de 18 tipos diferentes de cyberbullying – incluindo exclusão (ser deixado de fora de um grupo de bate-papo online); personificação (por exemplo, criar perfis falsos em nome de outra pessoa); e comportamentos de perseguição (como ser monitorado mesmo após pedir que o agressor parasse) – e sintomas de TEPT (transtorno do estresse pós-traumático).
O TEPT é uma condição mais associada a eventos traumáticos como doenças graves, desastres, acidentes e violência, entre outros exemplos. Os sintomas mais comuns, e com frequência incapacitantes, são:
- ficar revivendo a situação traumática o tempo todo;
- tendência a evitar tudo que possa fazer lembrar do acontecimento;
- pesadelos constantes;
O estudo também explorou como fatores demográficos como idade, sexo e nível socioeconômico influenciam a gravidade dos impactos psicológicos, identificando quais grupos de jovens podem ser especialmente vulneráveis.
Os resultados, publicados na edição mais recente do periódico BMC Public Health, revelam que o cyberbullying é fortemente associado a uma escala clínica validada de nove itens para diagnosticar o transtorno de estresse pós-traumático.
Um dado especialmente marcante foi que exclusão e rejeição – muitas vezes vistas como menos graves – provocaram tanto trauma quanto ameaças explícitas à integridade física.
Da mesma forma, ser alvo de fofocas ou comentários cruéis na internet teve um impacto emocional comparável ao de ser assediado por características pessoais, como raça ou religião.
“Como nossa pesquisa mostra claramente, o cyberbullying de qualquer forma – seja a exclusão de um grupo de bate-papo ou ameaças diretas – pode levar a traumas significativos em jovens”, disse Sameer Hinduja, autor principal do estudo e professor da Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade Flórida Atlantic.
Ele contou que ele e o coautor do trabalho ficaram surpresos ao descobrir que nenhum tipo específico de cyberbullying causava mais dano do que outro; todos apresentaram risco semelhante de causar trauma.
Isso significa que não podemos nos dar ao luxo de ignorar ou minimizar certos comportamentos como ‘menos sérios’ – ser excluído ou alvo de boatos pode ser tão prejudicial quanto ataques mais explícitos.”
As conclusões desafiam a suposição comum de que apenas os casos mais extremos de cyberbullying levam a danos psicológicos e destacam a importância de compreender as experiências vividas de forma única por cada vítima.
Na prática, o impacto emocional do abuso online – independentemente da forma – pode afetar profundamente o senso de segurança, identidade e bem-estar de um jovem, dependendo de fatores pessoais, contexto situacional e da força do apoio recebido de adultos, instituições e colegas.
Entre as diversas formas de assédio online, as indiretas foram as mais comuns. Mais da metade dos estudantes pesquisados relatou ter sido alvo de comentários maldosos ou boatos, e um número semelhante disse ter sido deliberadamente excluído de conversas em grupo ou mensagens.
De acordo com a pesquisa, quase 9 em cada 10 (87%) vivenciaram pelo menos uma das 18 formas de vitimização, ressaltando a crescente onipresença da agressão digital e sua normalização nas interações juvenis online.
Ao analisarem como o cyberbullying se relaciona ao trauma, os pesquisadores descobriram que meninas e adolescentes mais jovens tinham mais probabilidade de apresentar níveis mais altos de sintomas traumáticos do que meninos ou adolescentes mais velhos.
No entanto, ao considerar a quantidade de cyberbullying que cada estudante havia sofrido, essas diferenças demográficas tornaram-se menos relevantes.
“O que mais importava era a quantidade total de cyberbullying: quanto mais vezes um aluno era alvo, mais sintomas de trauma ele apresentava”, comentou Hinduja. “Na verdade, o cyberbullying sozinho respondeu por uma parte significativa – 32% – das variações nos níveis de trauma entre os estudantes.”
As descobertas do estudo destacam a necessidade de mais pesquisas sobre fatores de proteção, como forte apoio familiar, amizades próximas e resiliência emocional, que podem amortecer os efeitos negativos da vitimização interpessoal nos ambientes online.
Os pesquisadores também enfatizam a importância de entender se esses impactos diminuem com o tempo ou persistem na vida adulta.
“Para realmente proteger os jovens, precisamos adotar uma abordagem informada pelo trauma, que priorize a segurança emocional e psicológica, incorpore técnicas de 'grounding' [ou 'aterramento'], e inclua planos sólidos de intervenção em crises”, concluiu Hinduja.
Segundo o pesquisador, isso exige:
- treinar educadores, conselheiros e adultos que trabalham com jovens para reconhecer sinais de trauma, entender suas causas e responder com empatia;
- criar protocolos de segurança emocional e intervenções de atenção plena cientificamente comprovadas;
- e criar ambientes seguros nos quais os estudantes se sintam apoiados e reconhecidos – e onde até mesmo formas sutis de bullying sejam levadas a sério, dados os possíveis resultados graves que comprometem o bem-estar da juventude.
Referência:
Cyberbullying through the lens of trauma: an empirical examination of US youth. Sameer Hinduja e Justin W. Patchin. BMC Public Health (2025).
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin