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Uso de metanfetamina no país cresceu nos últimos dois anos

Nossa enquete mostra que 21% das pessoas já usaram ou conhecem alguém que usou metanfetamina - iStock
Nossa enquete mostra que 21% das pessoas já usaram ou conhecem alguém que usou metanfetamina - iStock

Redação Publicado em 11/03/2022, às 12h00

Na semana passada, um artigo sobre metanfetamina publicado pelo psiquiatra e psicanalista Bruno Branquinho, do Consultório LGBTQIA+, teve forte repercussão nas redes sociais. O texto chamava atenção para o fato de que a realidade enfrentada pelos usuários dessa droga, descrita no seriado Breaking Bad, da Netflix, não é mais algo distante do Brasil. De fato, as mais de 1.100 respostas à enquete adicionada ao material indicam que mais de 21% das pessoas já usaram ou conhecem alguém que já usou a droga. Ainda que não tenha valor estatístico, o resultado impressiona.   

Conforme levantamento obtido com a Polícia Federal, o “cristal” (às vezes chamado de “Cris”, “ice” ou “Tina”, entre outros apelidos) tem sido apreendido há pelo menos 10 anos no país, e, como observa o psiquiatra, ganhou espaço nos últimos dois anos, principalmente no contexto do chemsex, o sexo com influência de drogas psicoativas que atrai alguns homens gays e bissexuais. Estimulante poderoso, a metanfetamina aumenta o prazer, a excitação e a autoconfiança, ao mesmo tempo em que corta a fome e o cansaço, permitindo uma experiência de muitas horas ou até dias. Para esses usuários, essa química ajuda a lidar com a própria sexualidade sem o peso do preconceito, de inibições e inseguranças em relação ao próprio corpo.

Metanfetamina no Brasil

Em 2016, três anos após o último episódio de Breaking Bad, os policiais apreenderam uma quantidade recorde da droga – 470 mil unidades em um ano, quase o mesmo total de ecstasy encontrado naquele ano. Depois disso, os números diminuíram bastante, até 2019, quando nova tendência de aumento é observada. No primeiro ano de pandemia foram apreendidos mais de 129 mil comprimidos (outro formato possível para a metanfetamina), mais que o dobro do que no ano anterior. Em 2021, o total saltou para 154,3 mil.

Para Branquinho, que tem se especializado na saúde mental da população LGBTQIA+, esse aumento recente coincide com o que ele tem presenciado no consultório. Ele acredita que essa presença ainda deve crescer, o que é muito preocupante: a substância tem enorme potencial de gerar dependência, problemas graves de saúde e dívidas, já que a droga é cara. O fato de o problema afetar uma população que já sofre estigma torna tudo ainda mais complicado. Nesta entrevista, ele traz mais informações sobre a droga e seus riscos.

Seu artigo teve muita repercussão e, pelo que vimos, o assunto viralizou no seu Twitter. Você sente que muita gente de fato têm tido contato com a droga? Ou ainda existe um certo descrédito em relação a isso?

Bruno Branquinho - É uma droga que até alguns anos atrás não tinha uma representação importante no Brasil, diferente dos EUA e da Europa. A gente não ouvia falar em metanfetamina por aqui, mesmo entre os profissionais de saúde. Mas, nos últimos cinco anos, e, principalmente, nos últimos dois anos, esse uso cresceu por aqui. Principalmente nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio, e entre homens gays e bissexuais. Então hoje em dia não é difícil ter acesso à metanfetamina em cidades como São Paulo. E eu tenho a impressão que essa presença ainda vai crescer mais ainda, e o consumo também, nos próximos anos.

Poderia explicar um pouco o que é a metanfetamina e seus mecanismos de ação?

A metanfetamina é uma droga sintética, mais comumente fumada ou injetada na veia. Ela é um estimulante do sistema nervoso central e periférico. Faz com que se aumente a produção de neurotransmissores como serotonina, noradrenalina e dopamina entre os neurônios, num lugar que a gente chama de 'fenda sináptica', que é a ligação entre os neurônios. Com isso, a substância produz diversos efeitos: a pessoa sente mais prazer, mais excitação sexual, se sente muito confiante, com um bem-estar muito grande, menos cansada, precisando de menos sono, com menos apetite....E também há efeitos físicos, como aumento da temperatura do corpo, dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea. Em doses mais altas, e a depender de cada indivíduo, a droga pode trazer efeitos mais graves, como gerar um infarto ou acidente vascular cerebral (AVC), a pessoa pode ter alucinações e pode, inclusive, morrer.

Muita gente enxerga a metanfetamina como “aquela droga do seriado Breaking Bad”. Por outro lado, muita gente conhece as anfetaminas e seus derivados por causa dos antigos remédios para emagrecer ou dos tratamentos para TDAH. Poderia explicar um pouco a diferença entre esses fármacos e a droga ilícita?

A metanfetamina em cristal, usada no chemsex, e as anfetaminas utilizadas em remédios para emagrecer e para o TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade) têm semelhanças nas suas estruturas moleculares e até nos efeitos. No entanto, essas anfetaminas usadas em medicações são em doses controladas e, normalmente, menores. Elas têm potência menor que a metanfetamina em cristal, são produzidas por farmacêuticas, que garantem a qualidade do produto. Têm indicações claras para determinadas patologias e são prescritas por médicos, além de terem um potencial de adição [dependência] menor que a metanfetamina em cristal, que tem potência maior, é ilegal, e não se sabe a pureza e qualidade do produto. 

Há alguns anos, houve uma apreensão noticiada no Fantástico de um engenheiro químico que se inspirou em Breaking Bad e até usava o mesmo macacão amarelo do personagem da série para fabricar cristais de metanfetamina num laboratório clandestino. Você acha que, de alguma forma, o seriado acabou despertando o interesse em se experimentar a droga?

O uso e a adição em drogas é um processo muito mais complexo do que isso. Então não acho que é o aparecimento da metanfetamina num seriado que vai levar alguém a usar essa droga ou a produzi-la. Tem questões psicológicas, internas, questões muito mais complexas envolvidas no processo, que podem contribuir para uma pessoa procurar a droga.

Poderia explicar por que essa droga tem apelo para os praticantes do chemsex?

Tem vários motivos pelo qual esses homens utilizam essa droga. O primeiro é o prazer, que é aumentado. Mas também tem uma questão de lidar com a própria sexualidade, que, para as pessoas LGBTQIA+, é mais difícil porque a gente vive num mundo que é muito preconceituoso, e existe o que a gente chama de “homofobia internalizada”. Além disso, para muitos desses homens, a droga ajuda a lidar com inseguranças, e com a preocupação com a imagem corporal (se está dentro do padrão ou não, como já abordei aqui). O estigma de viver com HIV também é um motivo relatado para usar. Por fim, a droga também ajuda esses homens a realizar alguns fetiches e práticas que ainda são tabu, e que, por conta de todo o preconceito, causam vergonha.

Qual seria sua mensagem para quem é exposto à droga, seja na balada ou no contexto do chemsex?

Eu acho que antes de usar qualquer droga é muito importante que se tenha informações sobre essa substância. De onde ela vem, o que produz de efeitos, quais são os riscos que você tem – para que você pese todos os riscos e benefícios e tome a decisão sobre usar ou não. Se você decidir usar, que o faça em um ambiente seguro, com pessoas conhecidas, para minimizar os perigos e os problemas que você pode ter com essa droga. Usar drogas ilícitas é ilegal, por isso não estamos estimulando o uso, mas a gente sabe que isso acaba acontecendo, por isso é preciso que essas pessoas minimizem os riscos que vão correr.

Veja os comentários finais do psiquiatra: 

Saiba mais sobre as consequências do uso de metanfetamina:

A metanfetamina pode ser encontrada na forma de cristal, em pó ou comprimido, podendo ser aspirada, fumada ou diluída para uso injetável. De acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas, nos EUA, a metanfetamina causa danos graves e duradouros no sistema nervoso central, coração, pulmões e outras partes do corpo, como os que você vê a seguir:

- Aumento da temperatura corporal e dos batimentos cardíacos, e há risco de morte por overdose.

- O usuário pode se sentir ansioso e confuso, não conseguir dormir, ter mudanças de humor, paranoias e/ou alucinações e tornar-se violento.

- Com o uso crônico, a aparência da pessoa pode mudar drasticamente. Sua pele pode ficar opaca e podem aparecer feridas e espinhas difíceis de curar. Ela também pode ter a boca seca e dentes manchados ou quebrados.

- O usuário de metanfetamina tem maior risco de contrair HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), já que a droga aumenta a probabilidade de se envolver em comportamentos de risco, como sexo sem proteção.