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Saúde LGBTQIA+: somos todos iguais?

A população LGBTQIA+ apresenta dificuldades de acesso à saúde e vivências de experiências específicas - Reprodução
A população LGBTQIA+ apresenta dificuldades de acesso à saúde e vivências de experiências específicas - Reprodução

*Equipe Consultório LGBTQIA+ Publicado em 28/06/2021, às 17h46

Dia 28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. E não poderia haver outra data mais apropriada para recomeçar uma coluna de saúde voltada para esse público, agora no site do Jairo Bouer. Somos 4 médiques: Bruno Branquinho (psiquiatra), Patrícia Carvalho (ginecologista e obstetra), Pedro Campana (infectologista) e Vinícius Lacerda (cirurgião digestivo). Iremos,  juntos com outros colegas profissionais de saúde, trazer semanalmente um texto sobre a saúde do público LGBTQIA+.

E já sabemos que muitas pessoas, conservadoras e retrógradas, vão se incomodar com este espaço. Os críticos vão usar da frase que tanto ouvimos:  "Mas afinal, não somos todos iguais?"

A resposta é não. E é isso que precisamos entender quando falamos de diversidade. A diversidade presume e valoriza a diferença, a variedade, as características e especificidades de cada indivíduo e grupo. Quando falamos de saúde, e do processo de adoecimento, é necessário considerar todos os aspectos biopsicossociais na realidade do paciente. Manter o discurso de “somos todos iguais” é ignorar o fato de que a população LGBTQIA+ apresenta dificuldades de acesso à saúde e vivências de experiências específicas, contribuindo para que essas pessoas continuem marginalizadas e negligenciadas.

Pessoas com vagina

E falando sobre diversidade, seus direitos e vivências, logo chegamos à ideia de liberdade. Liberdade essa que vem sendo reivindicada há décadas pelo movimento feminista, o qual cruza e abre espaço para a grandeza do movimento LGBTQIA+! E nessa intersecção, se faz presente a luta por direitos reprodutivos, por cuidados específicos em prevenção de ISTs e doenças crônicas, por acesso a informações de qualidade que permitam escolhas e saúde integral. 

Queremos falar sobre transição de gênero, gestação e parto em todos os tipos de família, aleitamento para pessoas não gestantes, cuidados em prevenção e escolhas, normalização de nossos corpos, relações e tudo que tem a ver com nossa existência.

Sexo anal 

Um outro assunto bastante negligenciado entre pacientes LGBTQIA+ é a prática do sexo anal. Óbvio que qualquer pessoa que possua um ânus pode praticar o sexo anal receptivo, seja ela homo ou hetero, cis ou trans, pansexual ou não-binária. Acontece que, por ser uma prática muito associada a homens gays cis e mulheres trans, e estigmatizada como fator de risco para infecções sexualmente transmissíveis como HIV, sífilis e hepatites, o sexo anal por muito tempo foi ignorado e até mesmo condenado por médicos e outros profissionais de saúde, bem como no meio científico e acadêmico.

É importante reforçar que é possível, sim, praticar o sexo anal de forma segura e saudável, desde que sejam seguidas certas orientações e cuidados, como o uso de lubrificantes, lavagem retal (chuca) de forma consciente e métodos de prevenção combinada a ISTs.

Essas pessoas, ao procurarem atendimento médico para demandas relacionadas a prática do sexo anal, como a anodispareunia (dor e desconforto durante a penetração no ânus), doenças orificiais como hemorroidas, fissuras e fístulas, bem como ISTs da região como o HPV, herpes, sífilis entre outros, não são bem acolhidas e muitas vezes deixam de procurar atendimento devido a más experiências nos serviços de saúde. 

Já passou da hora de despatologizar o sexo anal e deixar de considerá-lo como fator de risco para esta ou aquela doença. Vamos propor medidas para que ele seja feito de forma prazerosa e sem danos à saúde de quem pratica.

HIV  e outras ISTs

Despatologizar as práticas sexuais é um caminho, também, para desmistificar e desestigmatizar doenças como HIV e outras ISTs. É sabido, dentro da infectologia, que grande parte da responsabilidade pelo adoecimento de pessoas que vivem com HIV é a falta de informação, preconceito, estigma e marginalização. Temos, atualmente, uma epidemia de aids concentrada na população negra, jovem e homossexual no Brasil.

Faltam ações afirmativas para essa população, bem como meios de comunicação que consigam dialogar com a comunidade LBTQIA+. Por isso, acreditamos ser de tamanha importância nosso espaço nesta coluna. 

Saúde mental 

Justamente por todo o preconceito e violências sofridas durante toda a vida, as pessoas LGBTQIA+ acabam não só tendo menos direitos e acesso à saúde, mas também sofrem com um impacto em sua saúde mental, apresentando maiores níveis de estresse psicológico e prevalências mais altas de alguns transtornos mentais em relação à população cis e heterossexual.

Queremos trazer à discussão temas conhecidos da população em geral como depressão e transtornos de ansiedade, mas não apenas eles. O objetivo é também trazer à tona assuntos que muitas vezes não são falados ou mesmo conhecidos pela maior parte das pessoas, como o sexo sob influência de substâncias psicoativas, também conhecido como chemsex. Chega de tabu quando falamos de sexualidade e de saúde mental!

Da margem para o centro 

Em todas as oportunidades, falaremos sobre educação em saúde, prevenção de infecções, tratamentos e novidades em saúde voltadas para o público LGBTQIA+. Nosso objetivo é trazer informação baseada em ciência e nas demandas que nosso público trouxer, de maneira simples, educativa e esclarecedora. 

Sabendo que o princípio da informação leva à autonomia e autonomia anda ao lado da liberdade, teremos um espaço onde todes, que um dia se sentiram à margem, voltem ao centro.

Quanto mais luz colocarmos sobre nossa vida e história, mais livres seremos.

* Bruno Branquinho (homem gay cis); Patrícia Carvalho (mulher lésbica cis); Pedro Campana (homem gay cis); Vinícius Lacerda (homem gay cis); edição: Alexandre Putti (homem gay cis).

Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo