A metanfetamina chegou ao Brasil e isso é muito preocupante

Há algumas semanas, convidei alguns amigos para jantar na minha casa e o papo era sobre chemsex, especificamente sobre o uso de metanfetamina nessa prática (sim, esse assunto me preocupa tanto que ele aparece frequentemente em conversas fora do ambiente de trabalho).

No papo, me chocou perceber que, apesar de terem lido meus textos e conviverem comigo, eles não tinham a real ideia do quanto essa droga está presente nos ambientes e de seus efeitos devastadores.

Até pouco tempo atrás, falar de metanfetamina era algo que estava longe da realidade do brasileiro. A substância era vista como algo distante, presente apenas na ficção, em séries como Breaking Bad. Não é mais o caso. MESMO.

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Nos grandes centros urbanos brasileiros, a droga está muito presente, com seu uso sendo basicamente ligado ao sexo, e já é um problema entre homens gays e bis (já escrevi num texto anterior o motivo do chemsex estar mais presente nessa população).

Hoje, se você entrar em qualquer app de encontros entre homens, como Grindr, Scruff, Hornet, entre outros, é comum encontrar pessoas com emojis característicos que indicam o uso da droga. E se você é um homem gay ou bi ou tem contato com eles, é grande a chance de você conhecer alguém que usou ou usa metanfetamina.

O que é a metanfetamina?

A metanfetamina (também conhecida como “crystal”, “Tina”, “Cris”) é uma droga sintética com ação estimulante sobre o sistema nervoso central e periférico.

É mais comumente utilizada por duas vias: na forma de cristal, sendo fumada em um cachimbo, ou diluída em água, sendo injetada com uma seringa na veia da pessoa. À prática de uso intravenoso da metanfetamina dá-se o nome de slam.

A metanfetamina proporciona um estado de euforia a quem a usa. As pessoas relatam uma sensação de bem-estar muito grande, diferente de tudo que já sentiram. No contexto sexual, há um aumento do prazer sentido, uma sensação de desinibição e também um prolongamento do tempo que a pessoa consegue ter relações sexuais, fazendo com que muitas vezes o indivíduo transe por dois, três dias seguidos, com múltiplos parceiros e sem tabus para novas práticas sexuais.

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E qual o problema então?

São diversos os problemas gerados pelo uso da metanfetamina. Como toda droga, não há doses seguras para seu consumo, além é claro de seu uso ser ilegal no Brasil.

Os homens que me procuram no consultório têm diversas queixas, todas relacionadas ao efeito devastador que o uso da droga tem sobre suas vidas.

O que começa como um uso eventual, torna-se frequente e logo esses homens só conseguem fazer sexo sob o efeito da metanfetamina. O sexo sem a droga torna-se chato, sem graça, e cria-se uma dependência emocional relacionada à substância, seja para sentir o prazer imenso que ela proporciona ou pra conseguir se desinibir e realizar os fetiches e fantasias proporcionado por ela.

Com encontros sexuais que duram dias, são frequentes os casos de homens que ficam sob efeito da metanfetamina durante o fim de semana inteiro e só param na segunda-feira, quando têm que voltar ao trabalho. Dessa forma, abdicam de sua vida social, de relações de amizade, amorosas e familiares, para viverem o tempo fora do trabalho em função do uso da droga. E, com o passar do tempo, e o aumento do consumo, o trabalho começa também a ficar prejudicado, gerando faltas, perda de prazos e, muitas vezes, demissões.

Além disso, a metanfetamina ainda é uma droga muito cara no Brasil. Portanto, à medida que o vício evolui, esses homens passam a gastar muito dinheiro, chegando a acabar com suas economias e contrair dívidas.

Em termos de saúde, é evidente que também há consequências graves. Com encontros sexuais mais frequentes, com duração prolongada e múltiplos parceiros, aumentam as chances de contrair uma infecção sexualmente transmissível (IST). A saúde desses homens vai se deteriorando, pois passam muitos dias sem dormir, comer e se hidratar direito, além de não tomarem seus remédios de uso contínuo e serem expostos, em algumas oportunidades, a situações de violência, com furtos e agressões.

Para além da saúde física, a saúde mental também sofre muitos danos. Com suas relações abaladas, muitas vezes apresentam quadros depressivos e ansiosos associados, com sentimentos de tristeza, culpa e vergonha da situação vivida.

Você já usou ou conhece alguém que tenha usado metanfetamina?

• Sim
• Não

O que fazer?

É algo que eu não sei a resposta. A questão com as drogas é sempre complexa, e mais ainda quando está relacionada à sexualidade e a uma minoria estigmatizada.

O intuito desse texto não é propor soluções imediatas, pois eu não as tenho, mas sim trazer à luz algo grave que está acontecendo sob nossos narizes para que possamos começar a pensar atitudes antes que a situação piore e se estenda a mais pessoas ainda.

Isso é um problema de saúde pública. Não só por afetar uma parcela da população, que tem direitos como todos, mas também porque, com a popularização da droga no país, mais e mais pessoas serão afetadas e seu uso será ampliado, passando também para contextos não sexuais e para outros grupos populacionais.

A metanfetamina chegou trazendo muitos problemas e, infelizmente, não se trata de mais um seriado americano.

*Bruno Branquinho é psiquiatra