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Entenda os efeitos do excesso de álcool no sistema digestivo

O trato digestivo é extenso e envolve diversos órgãos e tecidos, todos eles vulneráveis ao abuso de álcool - Arte/Site Doutor Jairo
O trato digestivo é extenso e envolve diversos órgãos e tecidos, todos eles vulneráveis ao abuso de álcool - Arte/Site Doutor Jairo

Redação Publicado em 09/12/2021, às 10h00

Quais os impactos do excesso de bebida alcoólica para o nosso sistema digestivo? Quem conta, em detalhes, é o cirurgião do aparelho digestivo Vinícius Lacerda, em um papo especial com o psiquiatra Jairo Bouer para o Dose de Responsabilidade Entrevista.

Segundo o especialista, os efeitos começam a partir do momento em que o álcool é ingerido. O trato digestivo é bastante longo e envolve diversos órgãos, como boca, garganta, esôfago, estômago, intestino, pâncreas e fígado. O impacto pode ser direto, pelo contato da substância com as mucosas, ou a longo prazo, com aumento do risco de câncer.

Impactos para o fígado

De uma forma geral, as pessoas associam mais os possíveis danos do álcool ao fígado. E, com razão, já que esse órgão funciona como uma grande usina responsável por processar tudo o que ingerimos e é absorvido pelo intestino. “Caso você ingira alguma substância tóxica, ou em excesso, isso é processado pelo fígado para que seja liberado na corrente sanguínea de uma maneira menos lesiva”, explica. Se entrasse direto no nosso sangue, o álcool teria consequências danosas.

Assim, se a pessoa toma um drinque ou outro, o fígado transforma o álcool que foi ingerido em outras substâncias, que são eliminadas pelo nosso organismo mais tarde. Já quando bebemos em excesso, essa capacidade de processamento é prejudicada. “O excesso, a longo prazo, pode ter consequências, como o acúmulo de gordura no fígado (algo que também pode ser causado pelo consumo excessivo de carboidrato ou gordura alimentar)”, comenta Vinícius. Com o passar do tempo, esse acúmulo pode causar uma inflamação, ou seja, uma hepatite, da mesma forma como alguns vírus. A diferença é que, no caso da hepatite infecciosa, há sintomas visíveis, como olhos amarelados. Já na esteato-hepatite, as alterações iniciais só podem ser identificadas com exames de sangue específicos.

Mais a longo prazo, e com consequências mais graves ainda, é a transformação desse quadro em cirrose – nesse caso, todas as suas funções do fígado começam a falhar, e há alterações na coagulação sanguínea, a pressão do sangue aumenta no trato digestivo, podendo causar sangramentos. E, em último estágio, os danos provocados pelo álcool podem resultar no câncer no fígado. “A gente tem que entender que isso é para quem ingere muito álcool e por muito tempo”, esclarece o cirurgião. Tomar um drinque com os amigos de vez em quando não tem esse efeito.  

Diferentes tipos de câncer

Além do câncer de fígado, o abuso de álcool tem sido relacionado a outros tipos de câncer. Uma das explicações possíveis é que, depois de metabolizado pelo fígado, o organismo produz uma substância chamada de acetaldeído, que é conhecidamente cancerígena. Também há associações do álcool com câncer de boca, garganta, esôfago, ainda mais quando associado ao tabagismo. E tbém de estômago, fígado, pâncreas e intestino grosso, ainda que por influência não só da bebida alcoólica, mas também de hábitos alimentares e outros hábitos de vida.

Boca, garganta, esôfago, estômago e intestino

As consequências de se exagerar não param por aí. Assim como o álcool pode causar alguma irritação nas mucosas que revestem a boca e a garganta, o consumo excessivo pode causar gastrite (uma inflamação), que pode evoluir para úlcera (uma ferida nas paredes internas do estômago). E também pode causar refluxo, que é quando o conteúdo ácido do estômago vai para o esôfago, causando alterações na barreira de proteção da mucosa. Beber demais ainda altera nossa microbiota, as bactérias boas que habitam o nosso intestino e o protegem de doenças. Por isso é que depois de exagerar é comum que a pessoa apresente diarreia ou fezes amolecidas, ainda mais se já tiver um quadro prévio de síndrome do intestino irritável.

Risco de pancreatite

E no pâncreas? Vinícius conta que uma das funções desse órgão é produzir enzimas para digerir os alimentos, e a outra é produzir hormônios que regulam a glicose, o açúcar no sangue. Normalmente as inflamações agudas nesse órgão têm a ver com pedras na vesícula ou causas virais, mas o consumo excessivo pode causar, em situações mais raras, uma pancreatite aguda, quadro muito grave que pode até levar à morte. De forma geral, quando a pessoa ingere álcool em excesso por muito tempo, a consequência mais comum é o desenvolvimento de uma pancreatite crônica. Isso afeta a regulação da glicose, ou seja, pode resultar em diabetes.

Veja outros vídeos da série:

Cuidado redobrado após bariátrica

Os médicos também observam que indivíduos que passaram pela cirurgia bariátrica (para tratar a obesidade) precisam ter um cuidado ainda maior com o consumo de bebida alcoólica. Isso porque a redução do estômago e, principalmente, a eventual redução do intestino pelo procedimento aumenta e acelera a absorção da substância, elevando os riscos de intoxicação alcoólica.

Outro alerta importante, para essas pessoas, é que muitos estudos indicam que, principalmente para quem sofre de compulsão alimentar, as restrições após o procedimento podem estimular uma tendência a exagerar no álcool e outras drogas, por isso Vinícius diz que uma boa avaliação pré-operatória e o acompanhamento no pós-operatório são fundamentais. “É uma mudança importante no comportamento e, muitas vezes, não há um arsenal emocional, ou psíquico, para lidar com ela, por isso é importante o acompanhamento com um profissional de saúde mental”, acrescenta Jairo.

Moderar é a solução

Sem dúvida nenhuma, o consumo excessivo de bebida alcoólica pode fazer mal para a saúde como um todo. Por isso, qualquer pessoa que esteja bebendo demais deve se perguntar o que a levou a esse comportamento e buscar ajuda para lidar melhor com essas questões. Por fim, o cirurgião lembra que existem exames preventivos que não devem ser deixados de lado por quem bebe há muito tempo, como a endoscopia (para checar a saúde do estômago e do esôfago), avaliações da garganta pelo otorrinolaringologista, e a colonoscopia, para verificação da saúde intestinal. “A maioria dos cânceres podem ser curados quando identificados precocemente”, finaliza Vinícius.

Veja a entrevista completa: