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Ansiedade de separação aumentou entre crianças mais velhas na pandemia

A experiência traz angústia e um temor de que os pais irão sumir e não voltar mais - iStock
A experiência traz angústia e um temor de que os pais irão sumir e não voltar mais - iStock

Cármen Guaresemin Publicado em 14/07/2021, às 10h00

A maioria das mães já deve ter vivido esta cena: mal sai de perto da criança e pronto. O bebê abre aquele berreiro. A reação, conhecida como ansiedade de separação, é comum e costuma aparecer por volta dos seis meses da criança. É nesta fase que há a descoberta que ela e a mãe são seres independentes. A experiência traz angústia e um temor de que a mãe vá sumir e não voltar. Esse medo, que pode gerar muito choro e até sintomas físicos, como febre e dores de estômago, costuma passar por volta dos dois anos.

A psicóloga Daniela de Oliveira, integrante do Ambulatório de Medicina e Estilo de Vida do HC - Hospital das Clínicas/USP, afirma que entre os quatro e os sete meses, a criança começa a desenvolver a noção de permanência do objeto, ou seja, que as pessoas e coisas continuam a existir mesmo que ela não esteja vendo. Então, ela entende que quando não está vendo a mãe e o pai, eles foram embora.

Daniela acrescenta que, entre oito e 24 meses, a criança começa a ficar mais "independente" ao engatinhar e caminhar. Começa a explorar mais o mundo à sua volta, isso também aumenta a incerteza e a insegurança. E é nesta segunda fase que a ansiedade de separação é mais comum. A criança fica agitada e mal-humorada quando o pai ou a mãe tentam sair.

“O conceito de tempo ainda não está formado, então as crianças não sabem que o pai e a mãe vão voltar, que ficaram longe por pouco tempo, ou que estão apenas em outro cômodo. Para a criança é indiferente se a mãe está na cozinha, na sala, no banheiro, ela irá chorar por não tê-la por perto”, completa. 

Mais velhas

Porém, como tudo o mais, durante a pandemia do novo coronavírus, esse comportamento tem aparecido também em meninos e meninas mais velhos. Crianças com nove, dez anos, vêm enfrentado dificuldades para se separar dos pais, seja para voltar às aulas presenciais na escola, seja ao vê-los sair para trabalhar. Elas querem ficar grudadas aos adultos até mesmo em um simples passeio ou saída para comprar algo.

A psicóloga Thalita Nobre, do Grupo Prontobaby, notou um aumento neste tipo de comportamento. Para ela, não é difícil de entender o motivo de episódios de ansiedade da separação terem crescido em faixas etárias diferentes das habituais. Isso porque somos seres sociais, ou seja, precisamos do outro: “Na pandemia, as crianças perderam muito contato com amigos e parentes. Isso já gera muita angústia, mas temos ainda outra questão. Não só não podemos estar com o outro da mesma forma de antes, como sabemos que o outro pode morrer, e que isso não é uma fantasia”.

Daniela concorda que a ansiedade, a preocupação e o receio da morte de entes queridos aumentaram com a pandemia, e com as crianças não foi diferente. Elas estão com medo e preocupadas que algo possa acontecer com as pessoas que são seus cuidadores primários. A maneira como os pais podem endereçar essa questão pode influenciar a intensidade e duração do medo. A situação de perigo é real, não apenas uma fantasia da criança, com tantas mortes acontecendo, é natural que pensem nesta possibilidade.

“Ter medo e ficar ansioso com o que está acontecendo é, na verdade, um sinal de sanidade. A maneira como vamos lidar com essas emoções é que podem torná-las um distúrbio ou um desafio. O ideal é que juntos, possamos organizar uma maneira de modular nossas emoções para não ficarmos tomados por elas, podendo dar continuidade a nossas vidas”, afirma Daniela.

Lidando com a morte

E os pequenos têm noção do que é a morte? Thalita explica que dos dois aos sete anos de idade, aproximadamente, a criança percebe a morte como um acontecimento temporário. Como se pudesse ser revertida. Não há ainda uma ideia da morte como finitude. Mesmo porque o conceito de tempo, nesta idade, é bem diferente do adulto. E até mesmo os desenhos infantis podem reforçar essa ideia da morte como algo que pode ser revertido.

“Por volta dos oito anos, a criança começa a compreender a morte de uma maneira mais realista, mas a compreensão concreta da sua própria morte só começa a se desenhar a partir dos nove anos de idade"", conta.

Segundo Thalita, é importante que os pais consigam identificar o que está acontecendo com seus filhos. Uma criança que sempre foi insegura, diz ela, pode ter esta característica intensificada durante a pandemia, e isto é natural. Mas é preciso se preocupar com os casos em que há uma mudança comportamental. Ela cita o exemplo de crianças que sempre foram extrovertidas e independentes e que, agora, têm dificuldades para ficarem sozinhas e demonstram muito desconforto quando estão longe dos pais. "Nestes casos, não se deve dizer a elas que é bobagem o que estão sentindo. É necessário deixar que os filhos digam como estão. Quando se nomeia a angústia, já é uma ajuda para vencê-la.”

Diálogo, sempre

Para Daniela, a primeira maneira de lidar com a situação, com crianças mais velhas, principalmente, é pelo diálogo. Acolher a emoção da criança, dizer que ela tem o direito de sentir o que está sentindo e que juntos vão trabalhar isso.  “Ouvir e respeitar as emoções é importante para nós mesmos e para as crianças. Os pais podem criar estratégias para que a criança se sinta mais segura no tempo que ficarem longe, podendo trabalhar com algum objeto que pertença a eles, por exemplo”. 

Ela lembra que outro fator relevante é o cuidador se manter calmo e consistente, ter um ritual de saída em que possa dizer firme e amorosamente "tchau", dando total atenção à criança no momento, sem se distrair com eletrônicos ou outras tarefas. Também é importante tentar cumprir os horários prometidos à risca, combinar hora de chegada ou quanto tempo ficará fora.

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Os animais de estimação podem trazer muitos benefícios às crianças, especialmente nesta fase de isolamento - iStock

E voltar à escola, deixaria as crianças menos ansiosas ou o contrário? Elas teriam receio de sair de casa? Thalita diz que isso é algo muito singular, ou seja, cada criança reagirá de acordo com a leitura que fez do cenário de confinamento. A adaptação pode ser mais difícil para algumas e mais fácil para outras: “Fato é que o retorno pode ser um desafio para os pais e educadores. Então, ficar atento ao comportamento das crianças e dar todo apoio necessário é fundamental. Se é difícil para os adultos, imagine para as crianças que não têm o mesmo repertório psíquico para lidar com tantos fatores estressantes”.

Pets ajudam

Estudos já demonstraram que animais de estimação podem trazer muitos benefícios às crianças, e nesta fase de isolamento e volta gradual ao ritmo de antes, não seria exceção. "Entre os benefícios de se ter um pet, estão a socialização, regras de convívio, noções de companheirismo e cuidado com o outro. Além disso, eles podem ajudar muito durante esse período de isolamento como uma companhia para as crianças na ausência do contato externo", admite Thalita. 

Daniela completa: "Ter um animal de estimação ajuda, sim, nesse processo com a criança. E não somente a criança, mas com os adultos também. Esse contato com a vida, com a maciez, com as emoções que os animais vão trazendo para nós ajuda muito nos processos de ansiedade".

Lidando com o problema

A seguir, Thalita faz outras recomendações que podem ajudar a lidar com os pequenos neste momento delicado. Confira:

Fale sempre a verdade: nunca saia escondido. Diga onde está indo, explique o motivo de sua ausência e tente estimar a hora em que estará de volta. Mas, lembre-se que poderá haver atrasos, afinal, imprevistos acontecem.

Mostre segurança: pais e mães não devem reforçar o comportamento da criança, mostrando-se hesitantes diante da separação. Tenha atitudes positivas na hora de se despedir. Quando os pais estão tranquilos, a criança tem mais facilidade de entender a separação.

Tranquilize sobre a pandemia, mas sem exageros: é importante que pais e mães reforcem que estão tomando todos os cuidados para não serem contaminados. Mas não deem garantias de que nada vai acontecer porque, caso aconteça algum problema, a criança pode perder a confiança em suas palavras.

Dê tempo ao seu filho: com a pandemia, os pequenos já foram submetidos a uma ruptura muito grande e inesperada com o mundo que conheciam. Agora, na hora da retomada à escola, vá com calma. Pode ser que eles precisem de tempo para se readaptar. Converse com o colégio e veja se é possível que eles comecem com algumas horas ou dias alternados.

Incentive a criança a ocupar o tempo para driblar a ansiedade de separação: seu filho gosta de artes? Ofereça papel, lápis de cor, tintas e pincéis para que ele produza durante sua ausência. Se ele preferir esportes ou música, permita que ele faça estas atividades.

Nunca diga que o que a criança sente é bobagem: não repreenda o choro e nem diga que a ansiedade é uma bobagem. Pergunte como ele está, peça para falar sobre a angústia e nunca julgue o sentimento.

E se não passar?

Se os pais identificarem a mudança de comportamento e excessos, é preciso procurar ajuda de um psicólogo. Além de causar sofrimento, a ansiedade de separação pode ser um fator de risco para outros transtornos, como síndrome do pânico. “Sentir angústia nesse contexto atual é natural e é necessário que as crianças também tenham um espaço de fala, para que possam expressá--la. Pois a impossibilidade de falar sobre angústia pode torná-la insuportável, fazendo com que a criança desenvolva outros sintomas mais graves, sim, como a síndrome do pânico”, finaliza Thalita.