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Uso camisinha em todas as minhas relações; preciso tomar a PrEP?

Ensaio clínico recente avaliou eficácia e segurança do uso de determinado preservativo no sexo anal - iStock
Ensaio clínico recente avaliou eficácia e segurança do uso de determinado preservativo no sexo anal - iStock

Vinícius Lacerda Ribeiro* Publicado em 04/05/2022, às 11h00

O preservativo externo ou peniano é uma das formas mais antigas de prevenção a infecções sexualmente transmissíveis (IST) e de método anticoncepcional. Mas por incrível que pareça nenhum órgão regulamentador como a Anvisa (Brasil) ou o FDA (EUA) haviam aprovado o uso do preservativo durante o sexo anal. Todas as recomendações anteriores haviam considerado o preservativo peniano como seguro para uso no sexo vaginal, apenas. E qual a razão disso?

A justificativa era que havia um grande risco de falha, variando entre 1,8% a 8,0%, de o preservativo se romper ou deslizar nas relações anais. E, devido ao maior risco de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST) nesse tipo de relação, como o HIV, o uso da camisinha não era regulamentado por essas agências.

Eficácia e segurança

Recentemente, em um ensaio clínico que avaliou a eficácia e a segurança do uso de um determinado preservativo durante o sexo anal, foi demonstrado um risco de falha desse produto de apenas 0,7%. O risco de falha foi menor, inclusive, do que durante o sexo vaginal (1,9%). Com isso, o preservativo dessa marca "One condom" foi a primeira a ser liberada pelo FDA para uso nas relações anais e virou notícia em diversos portais recentemente.

Chegamos até aqui para levantar duas grandes questões: de forma alguma devemos pensar que o preservativo não é eficaz para as relações anais. Ele por muito tempo foi o único método disponível de prevenção de ISTs. Talvez não houve um esforço da comunidade científica em elaborar estudos para mostrar a segurança desses preservativos no sexo anal, que, por muitas vezes, é considerado como fator de risco para infecções sexualmente transmissíveis e para outras afecções do ânus e do reto, sem pensar que é possivel, sim, ter uma relação anal saudável, respeitando-se alguns cuidados. A aprovação desse produto pelo FDA pode inclusive encorajar os usuários a continuar usando o preservativo em suas relações, tendo maior confiança e segurança embasadas pela ciência.

Outro ponto é: tal marca americana ainda não tem previsão de chegar no Brasil. Enquanto isso, lidamos com marcas de preservativo com taxas de falha que podem chegar até 8% nas relações anais. Tais falhas podem expor os usuários a ISTs. Hoje temos alternativas que compõem um conjunto de medidas de prevenção a ISTs, que juntamente com o preservativo, são chamados métodos de prevenção combinada. Esses métodos podem incluir: o uso de lubrificantes, vacinas, testagens para IST, o tratamento de pessoas que vivem com HIV e não transmitem o vírus quando indetectável e as profilaxias pós (PEP) e pré-exposição (PrEP) ao HIV.

Confira:

PEP e PrEP

Portanto, você pode e deve continuar usando o preservativo nas suas relações e, em caso de falha, ainda dispomos de métodos para te proteger. Uma delas é a profilaxia pós-exposição (PEP), que deve ser iniciada em até 72 horas após a relação e deve ser usada durante 28 dias para prevenir o HIV. Um outro método, disponível desde 2018 no Brasil, é a profilaxia pré-exposição (PrEP), que consiste na tomada diária ou de acordo com as suas exposições sexuais (método sob demanda). Ela está indicada para pessoas com pênis que fazem sexo com pessoas com pênis, pessoas trans, profissionais do sexo, usuários de drogas e abuso de álcool e pessoas privadas de liberdade, que são populações-chave que estariam mais vulneráveis ao HIV.

Camisinha + PrEP

E uma pergunta muito comum era se quem usa o preservativo em todas as suas relações teria indicação de tomar a PrEP. E a resposta é sim! Estamos lidando com dois métodos igualmente eficazes de prevenção, mas que também têm sua margem de falha, como por exemplo: o preservativo se romper ou deslizar, a pessoa se esquecer do preservativo na empolgação do momento ou porque estava sob efeito de álcool ou drogas, e pode esquecer de tomar o comprimido da PrEP tanto na forma de tomada diária quanto sob demanda. Quando somamos dois ou mais métodos de prevenção estamos aumentando a eficácia do processo.

Por fim, é importante ressaltar que quem escolhe o melhor método de prevenção para si é você mesmo, em conjunto com a equipe multidisciplinar de saúde envolvida nesse processo. Cabe ao médico, enfermeiro ou farmacêutico orientar e apresentar os métodos disponíveis, seus riscos e benefícios, e ao paciente, decidir qual ou quais combinações seriam as mais adequadas para sua rotina e também para sua vontade.

Não se sinta pressionado a usar a PrEP, por exemplo, porque conhece algum amigo que esteja usando, mas entenda que é um método bastante eficaz e seguro e quem tem tido resultados expressivos nas taxas de novos casos de HIV pelo mundo.

*Vinícius Lacerda Ribeiro é cirurgião do aparelho digestivo

Referências:

SIEGLER, Aaron J. et al. Levels of clinical condom failure for anal sex: A randomized cross-over trial. EClinicalMedicine, v. 17, p. 100199, 2019.