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Por que LGBTQIA+ podem ter problemas na hora do sexo?

Disfunções sexuais às vezes podem ter relação com certos bloqueios emocionais - iStock
Disfunções sexuais às vezes podem ter relação com certos bloqueios emocionais - iStock

Marcelo Magalhães* Publicado em 10/09/2021, às 10h00

É rotina no consultório médico, ainda mais o de Urologia, pacientes procurarem as causas e formas de melhorar questões como a disfunção erétil (dificuldade em ter ou manter uma ereção firme), ejaculação precoce ou tardia, anorgasmia (quando não chegamos ao orgasmo) e alterações do desejo sexual.

Podemos incluir, também, distúrbios em pessoas com vagina, como a anorgasmia e baixa libido, mas outros específicos como o vaginismo (contração involuntária e dolorosa de músculos vaginais, impedindo ou dificultando o relaxamento), dispareunia (dor à penetração) e fobia sexual (aversão ao ato sexual).

A presença destas alterações em qualquer pessoa, especialmente LGBTs, merece uma investigação de problemas físicos, mas também uma discussão mais profunda sobre o assunto.

Sabia que disfunções sexuais como estas podem estar relacionadas a certos “bloqueios emocionais”? Na prática médica, não devemos resumir a queda na libido à baixa de testosterona e tratar com a reposição dela. Na verdade, boa parte de casos como este apresentam taxas hormonais normais e ainda assim nos perguntamos: por que não sentimos mais tesão no sexo?

Após uma investigação clínica e exames nos mostrando que o corpo está funcionando bem, podemos concluir que a capacidade física existe e está intacta, então é hora de partir para causas emocionais ou neuro-funcionais.

Saúde mental

Por neuro-funcional entenda: se existe ansiedade, um medo ou trauma associado ao sexo, os impulsos nervosos vindos do cérebro não chegam até os órgãos genitais e não ocorre o relaxamento para a penetração ou o comando que mantém uma ereção firme.

O sexo é muito mais mental do que físico - são as associações que fazemos a ele que nos despertam o desejo e o prazer. Pensar que o sexo é um momento bom, íntimo, seja de amor ou de curtição entre duas pessoas que se gostam, faz com que ele seja bom. Ter medo do fracasso ou lembrar de uma experiência traumática tem o efeito contrário - bloqueia a excitação e transforma tudo em dor, seja física ou emocional.

Traumas religiosos

Imagine agora uma pessoa LGBT que foi criada num meio religioso. O sexo entre casais heterossexuais já é um enorme tabu, quem dirá falar sobre a relação entre pessoas do mesmo sexo. A associação ao pecado ou o que é “abominável perante os olhos de Deus” nos reprime e aprisiona em tristeza, falta de confiança e amor-próprio, culpa e medo. Conhecer alguém pode ser visto como algo imperdoável; fazer sexo, uma condenação.

Tal estigma carrega consigo a associação do sexo a algo impuro e sujo, como se não fosse possível o amor entre duas pessoas do mesmo sexo. Sentimentos assim podem refletir em quaisquer das dificuldades citadas acima.

Confira:

Bullying

E o bullying? Quantos não estão sendo discriminados e execrados diariamente por serem apenas quem são? Palavras de ódio e repressão são escutadas desde a mais tenra infância e acompanham uma vida inteira, ininterruptamente.

Conseguem ver o quanto se torna (ainda mais) difícil amar e aceitar a si mesmo quando todos à sua volta não te enxergam e aceitam? Como é possível relaxar e não se sentir julgado na hora do sexo também?

Outras vezes não nos encaixamos. Sabe aquela sensação de que você não pertence a lugar algum? Seja no trabalho onde os colegas fazem piadas; entre os amigos onde devemos seguir padrões sociais, de comportamento ou de beleza; e mesmo em casa, quando nem sempre somos bem acolhidos.

Buscamos, então, mudar quem somos para nos encaixar e, com isso, perdemos nossa individualidade e essência únicas. Quem nunca se sentiu um completo esquisito? Como não ficar tenso ou com medo quando, na intimidade do sexo, precisamos nos despir de nossas roupas e máscaras? Seremos aceitos do jeito que somos?

A homofobia internalizada gera sentimentos de auto rejeição, vergonha, isolamento, até quadros de depressão e ansiedade. Isto precisa ser reconhecido e tratado, da mesma forma que tratamos disfunção erétil com Viagra.

HIV/Aids

E a vulnerabilidade? É lamentável dizer, mas ainda sofremos com a falta de acesso à saúde, à informação e ao acolhimento. Não é à toa, pessoas LGBTs são população de risco e vulneráveis a infecções como o HIV. Viver com o vírus ainda é um estigma não apenas na sociedade, mas dentro da própria comunidade LGBTQIA+.

Uma das coisas que passa pela cabeça de quem acaba de receber o diagnóstico é: “como será minha vida sexual agora?” ou “será que vou encontrar alguém? Serei aceito?”. Disfunções sexuais também podem surgir por estas questões, pela falta de informação e pelo medo de ser julgado.

ChemSex

E as drogas? Já ouviram falar em ChemSex? Para quem não sabe, é o uso de substâncias psicoativas que, além de mudar percepções físicas, acabam influenciando o julgamento do indivíduo sobre o tema sexo e seus tabus.

Alguns usam este artifício para se desinibir, se livrar das amarras de preconceitos que carrega consigo, contra si mesmo. Talvez por ter crescido num meio onde é errado ser diferente e amar quem quer que seja.

Com isso, o indivíduo torna-se apático com o sexo, deixa de aproveitá-lo de forma saudável e coloca em risco a própria vida.

Gosto de dizer que o sexo nada mais é do que uma brincadeira de adultos. Digo isto para todos meus pacientes, LGBTs ou não. O sexo é parceria, cumplicidade e entrega. Tem seus dias bons, outros nem tanto. É também aceitação. Duas (ou mais) pessoas cheias de defeitos, mas que se gostam e se respeitam. Quando esquecemos desta essência básica é quando surgem tais “problemas na hora do sexo”. E surgirem esses problemas, procure seu médico de confiança, pois existe solução.

*Marcelo Magalhães é médico urologista