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TDAH: para quem é desatento, música é mais que um prazer

Adultos jovens com TDAH costumam ouvir música de fundo com mais frequência, segundo estudo - iStock
Adultos jovens com TDAH costumam ouvir música de fundo com mais frequência, segundo estudo - iStock

Redação Publicado em 07/08/2025, às 10h00

Jovens adultos com sintomas de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) costumam ouvir música de fundo com mais frequência do que seus colegas neurotípicos — tanto em tarefas que exigem concentração quanto nas mais simples.

Além disso, eles demonstram uma preferência maior por músicas mais agitadas, mesmo quando estão envolvidos em uma atividade que exige um estado de alerta.

Essas são as principais conclusões de um estudo recente publicado na revista científica Frontiers in Psychology.

Características do TDAH

O TDAH é uma condição neurológica que costuma começar na infância e pode continuar na vida adulta. Ele é caracterizado por sintomas como desatenção, impulsividade e/ou hiperatividade.

Adultos com esse transtorno, principalmente na forma desatenta, muitas vezes têm dificuldades para manter o foco, se organizar e concluir tarefas. Também é comum lidarem com ansiedade e depressão.

Embora medicamentos estimulantes sejam bastante usados para regular a atividade cerebral e melhorar o desempenho, pesquisadores vêm investigando outras estratégias para ajudar quem tem dificuldades de atenção — e uma delas é o uso da música ambiente.

Aliada no dia a dia

Foi pensando nisso que Kelly-Ann Lachance e Pénélope Pelland-Goulet, doutorandas da Universidade de Montreal, junto com a neuropsicóloga Nathalie Gosselin, resolveram investigar como jovens adultos usam a música em suas rotinas, e se aqueles com sintomas de TDAH se diferenciam nesse hábito.

“Queríamos entender como os jovens com e sem TDAH usam música de fundo em atividades do dia a dia, principalmente nas que exigem mais do cérebro. A maioria dos estudos anteriores foi feita em laboratório, então pouca coisa se sabe sobre como isso acontece na vida real”, explicaram as pesquisadoras.

A ideia do estudo surgiu quando uma mãe perguntou a Gosselin se deixar o filho estudar ouvindo música era uma boa ideia. A dúvida ficou com ela por anos — até agora.

Música como ferramenta

A equipe entrevistou 434 jovens de 17 a 30 anos por meio de um questionário online. Os participantes falaram sobre seus hábitos musicais, preferências e como a música influencia seu humor e concentração. Também responderam a uma ferramenta de triagem de sintomas de TDAH.

Os resultados mostraram que a maioria dos jovens ouve música de fundo tanto em atividades mais exigentes, como estudar, resolver problemas ou ler, quanto em tarefas mais simples, como limpar a casa, cozinhar ou se exercitar.

Mas quem apresentou sintomas de TDAH relatou usar música de fundo com mais frequência durante os estudos e também enquanto se exercitava.

Além disso, esse grupo ouvia mais música em geral, mesmo em tarefas fáceis, e preferia músicas mais estimulantes, cheias de energia — o oposto do grupo neurotípico, que geralmente optava por músicas mais calmas nas atividades que exigem mais foco, deixando os sons mais animados para os momentos mais leves.

Ou seja, enquanto para uns a música serve para relaxar, para outros ela ajuda a manter o cérebro "ligado".

Busca por estímulos externos

Segundo os pesquisadores, isso faz sentido. Existe uma teoria chamada Modelo de Ativação Cerebral Moderada, que diz que pessoas com TDAH costumam ter um nível de ativação cerebral mais baixo do que o ideal. Por isso, elas buscam estímulos externos — como música — para atingir esse “nível ótimo” e conseguir se concentrar melhor.

Músicas estimulantes podem ativar o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina (o famoso “hormônio do prazer”), ajudando a manter o foco e a evitar distrações. Já quem não tem TDAH normalmente não precisa de tanto estímulo, e prefere músicas mais suaves durante tarefas difíceis.

Música para regular o humor

O estudo também investigou se os participantes achavam que a música ajudava na concentração ou no humor. No geral, a maioria disse que sim: que ouvir música os fazia se sentir mais focados e bem emocionalmente — mesmo para quem não tinha sintomas de TDAH.

Curiosamente, mesmo ouvindo música com mais frequência, os jovens com sintomas de TDAH não relataram sentir um efeito mais forte do que os outros. Ou seja, o benefício percebido foi semelhante nos dois grupos.

Mesmo considerando outros fatores, como formação musical e sintomas de ansiedade ou depressão, a diferença entre os grupos continuou clara: os jovens com sintomas de TDAH continuaram relatando maior uso da música, especialmente em atividades simples como se exercitar. Isso sugere que o hábito pode não ser apenas uma forma de lidar com emoções, mas também uma estratégia para manter a atenção e regular o estado de alerta.

Dados baseados em autoavaliação

Claro que o estudo tem algumas limitações. Por exemplo, os dados foram baseados em autoavaliação, o que pode ser influenciado pela memória ou pelo desejo de “responder certo”. E o diagnóstico de TDAH foi feito com base em um questionário de triagem, não em avaliação clínica.

Mesmo assim, o estudo reforça a ideia de que a música pode ser uma aliada real para quem precisa lidar com desafios de atenção e regulação emocional no dia a dia.

Estratégias personalizadas

O grupo de pesquisa já lançou uma nova pesquisa voltada para adolescentes de 12 a 17 anos, para entender como eles usam música em suas rotinas.

Eles também querem, no futuro, investigar como diferentes características da música — como o ritmo, a letra ou a familiaridade com a canção — influenciam a atenção e o humor em tempo real. A ideia é desenvolver estratégias musicais personalizadas para apoiar quem tem dificuldades de concentração, seja na escola ou no trabalho.

No fim das contas, o estudo confirma algo que muita gente já sente na prática: ouvir música não é só um prazer — isso pode influenciar diretamente como lidamos com atenção, motivação e emoções no dia a dia.