Pequenas ações cotidianas, como ajudar alguém na rua, fazer uma caminhada ou oferecer um café para o vizinho, podem fazer uma diferença enorme não apenas para os outros, mas também para a nossa própria saúde mental.
É o que comprovou um estudo feito na Universidade Curtin, na Austrália, ao analisar os efeitos de uma campanha de promoção de saúde mental chamada “Act Belong Commit” (“Aja, Pertença e Comprometa-se”, em tradução livre).
Lançada na Austrália Ocidental em 2008, essa campanha tem servido de referência para o mundo por se basear em evidências científicas, e envolve governos locais, clubes, escolas, ambientes de trabalho e centros de saúde.
Os pesquisadores descobriram que adultos que frequentemente se envolviam em comportamentos específicos — como praticar exercícios físicos, ajudar outras pessoas ou simplesmente socializar — relataram taxas muito mais altas de boa saúde mental.
A autora principal do estudo, a professora Christina Pollard, da Escola de Saúde da População da universidade, afirma que o que sua equipe encontrou é uma evidência clara de que ações acessíveis e de baixo custo podem ter um impacto desproporcionalmente positivo.
“Não se trata de programas caros ou intervenções clínicas. São comportamentos que já fazem parte da vida de muitas pessoas e que podem ser facilmente incentivados por meio de mensagens de saúde pública”, explicou Pollard.
“Conectar-se regularmente com outras pessoas, mesmo que seja uma conversa diária, pode fazer uma diferença mensurável na forma como as pessoas se sentem. Da mesma forma, passar tempo ao ar livre ou fazer algo que exija raciocínio e concentração, como palavras cruzadas, leitura ou aprender um novo idioma, proporciona um importante ‘reset’ mental.”
Conduzido em meio à pandemia, o estudo transversal incluiu mais de 600 adultos daquele país. A equipe entrevistou os participantes sobre sua saúde mental, hábitos de vida e a frequência com que se envolviam em mais de uma dúzia de comportamentos associados ao bem-estar mental.
Foram feitas perguntas sobre atividades diárias com reflexo no bem-estar, como passar tempo na natureza, envolver-se em práticas espirituais, reunir-se com familiares e amigos e fazer trabalho voluntário. Também foram incluídas atividades menos recreativas, que exigiam maior concentração ou esforço mental.
Os pesquisadores descobriram que quase 93% dos participantes não apresentavam sinais de sofrimento psicológico significativo, segundo a Escala de Sofrimento Psicológico de Kessler, usada por especialistas em saúde mental.
Além disso, o bem-estar — avaliado pelos autores com base na Escala de Bem-Estar Mental de Warwick-Edimburgo — teve uma média de 52,6 de um total de 70 pontos. Esse resultado está alinhado com as médias pré-pandemia de países como o Reino Unido.
“O mais importante é que essas são coisas que a maioria das pessoas pode acessar sem gastar dinheiro”, ressaltou a pesquisadora. Em última instância, funciona como uma política pública em que todo mundo sai ganhando.
Mesmo no auge das restrições de confinamento durante a pandemia, os participantes do estudo ainda relataram altos níveis de envolvimento com os comportamentos mais simples, como manter contato com outras pessoas e passar tempo ao ar livre.
O estudo também identificou diferenças comportamentais entre gêneros. As mulheres foram mais propensas a priorizar a saúde mental por meio do voluntariado, enquanto os homens relataram com mais frequência o envolvimento em atividades que exigem esforço mental ou concentração (como ler ou fazer palavras cruzadas).
Os pesquisadores sugerem que governos e outros órgãos de saúde pública ajudem a promover esses comportamentos protetivos e a criar ambientes que facilitem a participação de mais pessoas, especialmente no que se refere a trabalho voluntário — o estudo mostrou que pouca gente faz isso com regularidade.
A campanha australiana foi citada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como um modelo de boas práticas em sua revisão de 2023 sobre políticas para o bem-estar social.
Pesquisas anteriores mostraram que mais de 80% dos australianos conhecem a campanha, com um aumento significativo no número de pessoas que procuram apoio em saúde mental ou ajuda profissional.
A lição que fica — pelo menos para formuladores de políticas públicas — é clara: a prevenção é possível. É acessível e está ao nosso alcance.
“Esta pesquisa confirma que, quando as pessoas são apoiadas e incentivadas a adotar comportamentos mentalmente saudáveis, os benefícios são sentidos por toda a comunidade”, concluiu Pollard.
Trata-se de prevenção, não apenas de tratamento — é ajudar as pessoas a manterem-se bem mentalmente antes que cheguem a um ponto de crise.”
Fonte:Psychiatrist.com
Referência:
The association between participation in mental health protective behaviours and mental well-being: cross sectional survey among Western Australian adults. Christina Mary Pollard, Rosa Alati, David Lawrence, Meg Clary, Andrew Walton, Jennifer Dunne, Sharyn Burns, Lynne Millar. SSM Mental Health (2025).
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin