Redação Publicado em 17/09/2025, às 10h00
Uma nova revisão abrangente publicada na revista Science China Life Sciences sintetiza décadas de pesquisa para explicar como a ansiedade e a depressão surgem de uma interação complexa de vulnerabilidades genéticas, estresse ambiental e mudanças generalizadas na biologia cerebral. Os autores fornecem um roteiro detalhado dos mecanismos subjacentes, desde o mau funcionamento dos circuitos cerebrais até a influência das bactérias intestinais, oferecendo uma visão mais clara do porquê essas condições são tão prevalentes e apontando para tratamentos mais personalizados e eficazes.
Os transtornos de ansiedade e a depressão representam um desafio global significativo para a saúde, afetando o bem-estar individual e impondo um pesado fardo à sociedade. A revisão destaca a escala impressionante do problema e a necessidade urgente de uma compreensão mais profunda dessas condições.
Segundo a professora Weihua Yue, reitora do Sexto Hospital da Universidade de Pequim e autora correspondente da revisão, o resultado mostra que, nas últimas duas décadas, a prevalência de ansiedade e depressão continuou a aumentar: “Só em 2021, quase 700 milhões de pessoas foram afetadas globalmente. Juntos, esses transtornos são responsáveis por mais de 90 milhões de anos de vida saudável perdidos a cada ano. A pandemia de Covid-19 impulsionou ainda mais essa tendência, adicionando dezenas de milhões de novos casos em 2020. Os números são realmente alarmantes”.
A professora também destacou que os tratamentos existentes, embora benéficos para muitos, não são uma solução completa. Isso porque nem todos os pacientes respondem bem. Efeitos colaterais como ganho de peso e embotamento emocional são comuns, e as opções eficazes para casos resistentes ao tratamento ou em idosos são limitadas. "Essa realidade torna essencial explorar os mecanismos biológicos subjacentes a esses transtornos, o que será fundamental para o avanço da psiquiatria de precisão e a adaptação das intervenções às necessidades individuais", acrescentou ela.
Um dos avanços mais significativos discutidos na revisão é a mudança em direção à compreensão de como redes inteiras de células cerebrais, conhecidas como circuitos neurais, se tornam disfuncionais. Essa abordagem vai além da análise de regiões cerebrais isoladas e, em vez disso, examina como elas se comunicam e trabalham juntas para regular o humor e as emoções.
O professor Bing-Xing Pan, da Universidade de Nanchang, pesquisador principal do estudo afirmou que a equipe considerou os circuitos neurais como o intrincado sistema de conexões do cérebro, redes de neurônios que se comunicam para regular funções específicas, como processar emoções ou tomar decisões. Em vez de estudar regiões do cérebro isoladamente, a abordagem examinou como diferentes regiões se conectam e trabalham juntas dinamicamente, como uma rede elétrica que fornece energia a uma cidade.
O trabalho do professor Pan ajudou a identificar falhas específicas de circuitos relacionadas aos sintomas. "Por exemplo, recentemente identificamos que a hiperatividade no circuito pré-frontal da amígdala está fortemente ligada a comportamentos semelhantes à ansiedade, enquanto a função reduzida no circuito hipocampo-núcleo accumbens está associada à anedonia, um sintoma central da depressão, em que a pessoa perde a capacidade de sentir prazer. A hiperativação da habênula lateral, frequentemente chamada de 'centro antirrecompensa' do cérebro, pode impulsionar significativamente comportamentos semelhantes à depressão. Esses insights não apenas expandem nossa compreensão dos transtornos emocionais, mas também destacam novos alvos para neuromodulação e terapias baseadas em circuitos."
A revisão fornece uma análise completa dos múltiplos sistemas biológicos que entram em colapso na ansiedade e na depressão. Por muitos anos, a teoria predominante foi a "hipótese da monoamina", que sugeria que essas condições eram causadas por uma simples deficiência de neurotransmissores como serotonina, norepinefrina e dopamina.
Embora medicamentos que aumentam esses compostos químicos possam ser eficazes, eles geralmente levam semanas para fazer efeito e não ajudam a todos, sugerindo um quadro mais complexo. A revisão explica que esses medicamentos provavelmente iniciam uma cascata de mudanças subsequentes, incluindo a promoção do crescimento de novas células cerebrais e a alteração das vias de sinalização, responsáveis por seus efeitos terapêuticos.
Além da serotonina, a revisão detalha a disfunção dos principais sistemas excitatórios e inibitórios do cérebro, governados pelos neurotransmissores glutamato e GABA. O estresse crônico pode levar a um excesso de glutamato em regiões do cérebro responsáveis pelo controle emocional, como o córtex pré-frontal, causando um estado de superexcitação que danifica os neurônios. Ao mesmo tempo, o principal sistema inibitório do cérebro, que depende do GABA para acalmar a atividade neural, pode ficar enfraquecido. Esse desequilíbrio entre excitação e inibição é considerado uma característica central desses transtornos.
Os autores também sintetizam evidências sobre o papel do sistema de resposta ao estresse do corpo, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Esse sistema libera o hormônio do estresse cortisol. Em muitas pessoas com depressão, o eixo HPA torna-se cronicamente hiperativo, levando a níveis elevados e sustentados de cortisol que podem danificar o hipocampo, uma área do cérebro vital para a memória e a regulação do humor.
Outra área de foco é a neuroinflamação, a resposta inflamatória no cérebro. A revisão descreve como o estresse crônico pode ativar as células imunológicas residentes no cérebro, chamadas microglia. Quando superativadas, essas células liberam moléculas inflamatórias que podem interferir nos sistemas neurotransmissores e contribuir para a morte de neurônios, promovendo um ambiente cerebral propício à depressão e à ansiedade.
Expandindo-se para além do cérebro, a revisão explora o crescente campo do eixo corpo-cérebro, destacando como os sistemas periféricos influenciam a saúde mental. O eixo intestino-cérebro tem recebido atenção especial, visto que a comunidade de microrganismos no trato digestivo pode produzir compostos que se comunicam com o cérebro.
Um desequilíbrio na flora intestinal tem sido consistentemente associado à ansiedade e à depressão. Existem vias de comunicação semelhantes entre o cérebro e outros órgãos, incluindo o fígado, os pulmões e até os ossos, indicando que a saúde mental está profundamente interligada à fisiologia de todo o corpo.
Em última análise, a revisão serve como uma ponte entre a neurociência fundamental e a prática clínica. A compreensão detalhada desses mecanismos biológicos já está abrindo caminho para novas ferramentas de diagnóstico e tratamentos.
Para os pesquisadores, estudos futuros devem integrar tecnologias de ponta à prática clínica, acelerar a descoberta de biomarcadores confiáveis e apoiar o desenvolvimento de tratamentos de diagnóstico cruzado. Esses esforços serão vitais para a construção de estratégias mais precisas, eficazes e abrangentes para o manejo de transtornos de saúde mental.
Ao consolidar o que se sabe sobre os fundamentos biológicos da ansiedade e da depressão, os pesquisadores fornecem uma estrutura para a próxima geração de cuidados de saúde mental, que se distancia de um modelo único para todos e se volta para terapias personalizadas voltadas para a correção das disfunções biológicas específicas que impulsionam os sintomas de um indivíduo.
Fonte: PsyPost