Uma nova forma de transtorno alimentar vem ganhando atenção da comunidade científica e de profissionais da saúde: o MODE (Muscle-Oriented Disordered Eating).
Diferente dos distúrbios clássicos, como anorexia ou bulimia, o MODE está relacionado à busca obsessiva por músculos. Embora, à primeira vista, o desejo de ganhar massa muscular possa parecer saudável, os comportamentos envolvidos nesse transtorno têm demonstrado impactos negativos concretos na saúde física, emocional e social dos indivíduos.
Segundo dados recentes, 1 em cada 5 homens entre 18 e 24 anos já apresenta sinais de MODE. E esse número pode ser ainda maior, considerando que a pressão estética para alcançar o chamado "corpo ideal" tem crescido entre mulheres também.
O MODE é caracterizado por um padrão alimentar e comportamental desordenado voltado para a hipertrofia muscular. Entre os principais sintomas estão:
De acordo com o estudo publicado neste ano, o MODE mostra-se como um fator independente de sofrimento psíquico, sendo associado a sintomas de depressão, ansiedade e prejuízos funcionais importantes.
O aumento da prevalência do MODE está ligado à valorização crescente de corpos musculosos como sinônimo de saúde, sucesso e atratividade. A pesquisa destaca que 22% dos homens e 5% das mulheres relatam comportamentos alimentares orientados para o ganho de massa muscular.
As redes sociais e a cultura fitness contemporânea têm um papel central nessa mudança. Conteúdos como o chamado "fitspiration" (mistura de fitness com inspiração) mostram rotinas extremas de treinos e dietas como aspiracionais. Isso contribui para a ideia de que ter um corpo musculoso e definido é uma obrigação moral, algo que vai além da estética e se mistura com noções distorcidas de saúde e disciplina.
Além disso, a prática do “bulking e cutting” (ciclos de ganho de massa com superávit calórico seguidos de fases de restrição para reduzir gordura corporal) é cada vez mais comum, inclusive entre adolescentes e jovens adultos, o que reforça a cultura do MODE.
Apesar de haver sobreposição entre o MODE e transtornos alimentares tradicionais (como anorexia ou bulimia), os pesquisadores destacam que se trata de um fenômeno distinto.
A diferença principal está no foco da distorção corporal: enquanto os transtornos clássicos geralmente estão centrados no medo de engordar e no desejo de emagrecer, o MODE se baseia no medo de ser "pequeno demais" ou "não suficientemente musculoso".
Essa preocupação extrema com a aparência muscular é um dos critérios da dismorfia muscular, uma condição que muitos especialistas argumentam que deveria ser reconhecida formalmente como um transtorno alimentar por conta de sua relação direta com comportamentos como o MODE.
O MODE não é apenas uma questão estética ou de estilo de vida. O estudo mais recente mostra que o transtorno pode causar interferência direta na vida: relações sociais comprometidas, queda no rendimento escolar ou profissional, sofrimento emocional e até comportamentos compulsivos.
Aspectos como controle obsessivo de macronutrientes, evitação de eventos sociais com comida e persistência no treino mesmo com dor ou lesão são sinais de que o comportamento cruzou a linha entre o saudável e o patológico.
O levantamento também aponta que, embora os homens sejam os mais afetados, mulheres que se engajam em comportamentos voltados à hipertrofia muscular podem sofrer até mais com os impactos negativos, já que enfrentam pressões estéticas contraditórias: ser magra, mas curvilínea e definida ao mesmo tempo.
Por ainda ser uma condição pouco conhecida, o MODE costuma passar despercebido até mesmo entre profissionais de saúde. Alguns sinais de alerta incluem:
O tratamento deve ser multidisciplinar, envolvendo psicólogos, nutricionistas, médicos e, se necessário, psiquiatras. É fundamental que os profissionais reconheçam que nem todo comportamento fitness é saudável — e que disciplina alimentar extrema pode ser um sintoma de sofrimento psíquico.
O estudo reforça que o MODE não deve ser visto apenas como “exagero” ou vaidade.
Trata-se de um problema real, com impactos na saúde mental, física e social, que afeta um número crescente de jovens. Ao mesmo tempo, revela o quanto ainda é necessário ampliar o entendimento sobre o que significa, de fato, ter uma relação saudável com o corpo, o treino e a alimentação.
Em um mundo que normaliza dietas restritivas e hiperfoco em performance, o reconhecimento do MODE como transtorno alimentar pode ajudar a prevenir sofrimentos silenciosos e evitar que condutas autodestrutivas sejam confundidas com força de vontade.
Fausto Fagioli Fonseca
Formado em jornalismo e pós-graduado em jornalismo esportivo, atua na área de esportes e saúde desde 2008. @faustoffonseca