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MODE: novo tipo de transtorno alimentar é ligado à obsessão por músculos

O MODE é um transtorno alimentar com foco em hipertrofia muscular - iStock
O MODE é um transtorno alimentar com foco em hipertrofia muscular - iStock
Fausto Fagioli Fonseca

por Fausto Fagioli Fonseca

faustoffonseca@gmail.com

Publicado em 07/07/2025, às 09h00

Uma nova forma de transtorno alimentar vem ganhando atenção da comunidade científica e de profissionais da saúde: o MODE (Muscle-Oriented Disordered Eating).

Diferente dos distúrbios clássicos, como anorexia ou bulimia, o MODE está relacionado à busca obsessiva por músculos. Embora, à primeira vista, o desejo de ganhar massa muscular possa parecer saudável, os comportamentos envolvidos nesse transtorno têm demonstrado impactos negativos concretos na saúde física, emocional e social dos indivíduos.

Segundo dados recentes, 1 em cada 5 homens entre 18 e 24 anos já apresenta sinais de MODE. E esse número pode ser ainda maior, considerando que a pressão estética para alcançar o chamado "corpo ideal" tem crescido entre mulheres também.

O que é o MODE?

O MODE é caracterizado por um padrão alimentar e comportamental desordenado voltado para a hipertrofia muscular. Entre os principais sintomas estão:

  • Dietas hiper-restritivas e rigidamente calculadas em calorias e macronutrientes
  • Consumo exagerado de proteínas e suplementos alimentares
  • Alimentação forçada, mesmo sem fome, para cumprir metas de ingestão
  • Uso de anabolizantes e outros compostos perigosos sem prescrição médica
  • Priorização do plano alimentar e do treino em detrimento da vida social, familiar ou acadêmica

De acordo com o estudo publicado neste ano, o MODE mostra-se como um fator independente de sofrimento psíquico, sendo associado a sintomas de depressão, ansiedade e prejuízos funcionais importantes.

Como o culto à musculatura contribui para o problema

O aumento da prevalência do MODE está ligado à valorização crescente de corpos musculosos como sinônimo de saúde, sucesso e atratividade. A pesquisa destaca que 22% dos homens e 5% das mulheres relatam comportamentos alimentares orientados para o ganho de massa muscular.

As redes sociais e a cultura fitness contemporânea têm um papel central nessa mudança. Conteúdos como o chamado "fitspiration" (mistura de fitness com inspiração) mostram rotinas extremas de treinos e dietas como aspiracionais. Isso contribui para a ideia de que ter um corpo musculoso e definido é uma obrigação moral, algo que vai além da estética e se mistura com noções distorcidas de saúde e disciplina.

Além disso, a prática do “bulking e cutting” (ciclos de ganho de massa com superávit calórico seguidos de fases de restrição para reduzir gordura corporal) é cada vez mais comum, inclusive entre adolescentes e jovens adultos, o que reforça a cultura do MODE.

MODE e transtornos alimentares

Apesar de haver sobreposição entre o MODE e transtornos alimentares tradicionais (como anorexia ou bulimia), os pesquisadores destacam que se trata de um fenômeno distinto.

A diferença principal está no foco da distorção corporal: enquanto os transtornos clássicos geralmente estão centrados no medo de engordar e no desejo de emagrecer, o MODE se baseia no medo de ser "pequeno demais" ou "não suficientemente musculoso".

Essa preocupação extrema com a aparência muscular é um dos critérios da dismorfia muscular, uma condição que muitos especialistas argumentam que deveria ser reconhecida formalmente como um transtorno alimentar por conta de sua relação direta com comportamentos como o MODE.

Impactos do MODE na saúde mental e na vida cotidiana

O MODE não é apenas uma questão estética ou de estilo de vida. O estudo mais recente mostra que o transtorno pode causar interferência direta na vida: relações sociais comprometidas, queda no rendimento escolar ou profissional, sofrimento emocional e até comportamentos compulsivos.

Aspectos como controle obsessivo de macronutrientes, evitação de eventos sociais com comida e persistência no treino mesmo com dor ou lesão são sinais de que o comportamento cruzou a linha entre o saudável e o patológico.

O levantamento também aponta que, embora os homens sejam os mais afetados, mulheres que se engajam em comportamentos voltados à hipertrofia muscular podem sofrer até mais com os impactos negativos, já que enfrentam pressões estéticas contraditórias: ser magra, mas curvilínea e definida ao mesmo tempo.

Como identificar e tratar o MODE

Por ainda ser uma condição pouco conhecida, o MODE costuma passar despercebido até mesmo entre profissionais de saúde. Alguns sinais de alerta incluem:

  • Obsessão por ganhar massa muscular
  • Sentimento de culpa ou ansiedade ao “furar” a dieta
  • Abandono de compromissos sociais por causa do treino ou da alimentação
  • Uso não supervisionado de anabolizantes
  • Prejuízo em outras áreas da vida por conta da rotina de dieta e treino

O tratamento deve ser multidisciplinar, envolvendo psicólogos, nutricionistas, médicos e, se necessário, psiquiatras. É fundamental que os profissionais reconheçam que nem todo comportamento fitness é saudável — e que disciplina alimentar extrema pode ser um sintoma de sofrimento psíquico.

Precisamos falar sobre o MODE

O estudo reforça que o MODE não deve ser visto apenas como “exagero” ou vaidade.

Trata-se de um problema real, com impactos na saúde mental, física e social, que afeta um número crescente de jovens. Ao mesmo tempo, revela o quanto ainda é necessário ampliar o entendimento sobre o que significa, de fato, ter uma relação saudável com o corpo, o treino e a alimentação.

Em um mundo que normaliza dietas restritivas e hiperfoco em performance, o reconhecimento do MODE como transtorno alimentar pode ajudar a prevenir sofrimentos silenciosos e evitar que condutas autodestrutivas sejam confundidas com força de vontade.

Fausto Fagioli Fonseca

Fausto Fagioli Fonseca

Formado em jornalismo e pós-graduado em jornalismo esportivo, atua na área de esportes e saúde desde 2008. @faustoffonseca