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Maconha melhora a criatividade? Veja o que dizem alguns estudos

Existe uma crença generalizada de que a cannabis pode ajudar as pessoas a serem mais criativas; será? - iStock
Existe uma crença generalizada de que a cannabis pode ajudar as pessoas a serem mais criativas; será? - iStock

Muita gente associa o uso da cannabis, planta que dá origem à maconha, à melhora da criatividade, embora não exista comprovação científica desse efeito. A planta foi legalizada em diversos estados norte-americanos nos últimos anos, e por isso um grupo de pesquisadores daquele país decidiu investigar a fundo essa noção que é bastante difundida por usuários e até por quem não usa nenhum derivado da planta. 

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Em um conjunto de estudos, publicado no Journal of Applied Psychology, uma equipe coordenada por Christopher Barnes, da Universidade de Washington, mostrou que a cannabis gera nos usuários uma sensação de alegria e jovialidade. E isso é o que faz com que as pessoas percebam suas próprias ideias ou a de outros como mais criativas.

A conclusão, portanto, é que utilizar a cannabis pode levar os usuários a se sentirem mais criativos, sem, necessariamente, torná-los mais criativos. Em outras palavras, a substância pode não interferir nessa habilidade específica, e sim no viés de quem a utiliza. 

Testes de criatividade

Em um dos estudos, os pesquisadores recrutaram usuários ocasionais de cannabis do estado de Washington (onde o consumo foi legalizado há alguns anos). Eles foram convidados a completar uma tarefa conhecida por exigir criatividade – um exercício de “pensamento divergente” (como pensar em diferentes soluções para um problema).

A amostra contou com 191 participantes, aleatoriamente recrutados, sendo que uma parte iniciou a tarefa 15 minutos após usar cannabis, e a outra tinha que realizar o teste de criatividade sem ter utilizado cannabis nas 12 horas anteriores ao exercício.

Os participantes primeiro tiveram que relatar se estavam “felizes” e “alegres” um pouco antes de iniciar a tarefa, que consistia em pensar em diferentes utilidades para um tijolo em apenas quatro minutos. Depois disso, todos tinham que fazer uma autoavaliação de sua produção criativa.

Uma equipe que não estava envolvida na pesquisa e uma amostra separada de 430 indivíduos (recrutados aleatoriamente, também) conferiram e classificaram as 2.141 ideias geradas pelos participantes da pesquisa. Os avaliadores não tinham nenhuma informação sobre as condições ou os objetivos do estudo.

Mais alegres e felizes

Como esperado, os participantes que usaram cannabis foram mais propensos a se sentir “felizes” e “alegres” do que os que não usaram a substância. Os usuários também classificaram suas próprias ideias como mais criativas do que o grupo controle – um efeito que pode ser associado à melhora do humor.

No entanto, esse estado de bem-estar não se traduziu em aumento da criatividade. Ou melhor: as ideias dos usuários de cannabis não foram consideradas mais criativas do que as do grupo de não usuários.

Em um segundo experimento, que incluiu 140 participantes, os pesquisadores procuraram replicar e estender suas descobertas. Os integrantes foram novamente divididos de forma aleatória, sendo que uma parte era convidada a utilizar a cannabis e a outra não podia usar a substância nas 12 horas anteriores ao teste.

Os participantes tiveram que completar uma tarefa conhecida como “varredura de memória de Sternberg”, desenvolvida para avaliar o funcionamento cognitivo (de memória e raciocínio). Em vez de pensar em usos alternativos para um objeto, eles tiveram que completar um exercício de criatividade focado no trabalho.

A ideia era se imaginar atuando em uma empresa de consultoria, e ser abordado por uma banda de música local a fim de ajudar o grupo a aumentar suas fontes de receita. Os participantes tinham que gerar o maior número possível de ideias criativas em cinco minutos. No fim do teste, todos também tiveram que avaliar suas próprias ideias e a de outras pessoas.

Novamente, o uso de cannabis não gerou diferenças significativa nos resultados, mas os usuários apresentaram avaliações mais favoráveis para os outros em comparação com não usuários.

As descobertas recentes reforçam os resultados de um estudo anterior, publicado na revista Psychopharmacology, que não encontrou evidências de que o consumo de cannabis aumentasse a criatividade dos usuários.

Então, por que há uma crença generalizada de que a cannabis pode ajudar as pessoas a serem mais criativas? Provavelmente pelo efeito da substância no humor e, como resultado, nas avaliações e autoavaliações.

Observações importantes

Os autores também ponderam uma outra hipótese para explicar a crença comum: é possível que pessoas criativas sejam mais atraídas pela cannabis. Um estudo publicado em 2017 descobriu que os usuários da planta tendiam a ser mais extrovertidos e abertos à experiência. Eles também tiveram um desempenho melhor do que não usuários em um teste de pensamento convergente – ou seja, o processo criativo de restringir soluções potenciais para encontrar uma única resposta. De acordo com os resultados, a criatividade aprimorada foi  explicada pela maior abertura à experiência, e não ao uso da substância.

Outro ponto a ser considerado é que a cannabis talvez aumente a criatividade, mas não os tipos de criatividade avaliados nestas pesquisas. Ou, ainda, é possível que a substância seja útil apenas em contextos específicos, como na produção musical e artística, por exemplo.

Para os pesquisadores, os resultados são consistentes, mas esta ainda é uma ciência nova e em desenvolvimento, por isso não dá para considerá-los como “palavra final” sobre o tema.

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Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin