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Pets também podem ser tratados com cannabis medicinal

O uso de derivados da cannabis em pets só não é mais amplo devido à falta de regulamentação - iStock
O uso de derivados da cannabis em pets só não é mais amplo devido à falta de regulamentação - iStock

Cármen Guaresemin Publicado em 06/05/2022, às 12h00

Estudos sobre o uso de maconha medicinal por seres humanos têm trazido resultados positivos para diversas doenças. Se a cannabis possui propriedades que ajudam a combater problemas de saúde, como dores crônicas e epilepsia, ela também pode auxiliar no controle desses e de outros males em animais de estimação? Tudo indica que sim.

Segundo a médica-veterinária Juliana Andrade, professora do curso de medicina veterinária do Centro Universitário da Serra Gaúcha-FSG, há relatos promissores do uso dessa planta medicinal em tratamentos de doenças em animais.

“Em outros países há diversos estudos que comprovam os benefícios da utilização dos fármacos derivados de Cannabis sativa em animais, sendo uma alternativa totalmente viável. Porém, o tabu e preconceito que regem sua produção e comercialização complicam essa acessibilidade”, admite.

“No Brasil, o uso de canabidiol (CBD) ainda não é legalizado, o Projeto de Lei 369/21 que tramita na Câmara dos Deputados, desde 2015, tem o propósito de legalizar os produtos derivados da Cannabis sativa que, então, poderão ser prescritos somente por médicos-veterinários habilitados. Os produtos para esta prescrição deverão ser previamente autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ou, caso sejam importados, por autoridades competentes no país de fabricação”, afirma Juliana.

Pressão para liberar

“Embora ainda não haja uma previsão legal para o uso por médicos-veterinários, muitos já estão adotando a prática em suas clínicas com sucesso, enquanto pressionam o conselho da categoria e o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - órgão que regulamenta a utilização de substâncias controladas nos animais) para que seja aprovada alguma regulamentação específica para este fim. O uso só não é mais amplo devido a essa falta de regulamentação”, explica o biotecnólogo Gabriel Barbosa, supervisor de assuntos regulatórios da HempMeds.

Dalton Marquez, executivo de desenvolvimento de negócios e co-fundador da Remederi, farmacêutica brasileira que promove o acesso a produtos, serviços e educação sobre a cannabis medicinal, acrescenta que já existem registros do uso da cannabis medicinal na veterinária desde 2008 aqui no Brasil: "Esse uso é completamente desregulamentado, pois o Ministério da Agricultura ainda não atualizou o rol de substâncias sujeitas a controle especial que poderiam ser utilizadas no Brasil, assim como já fez a Anvisa".

Barbosa conta que há alguns grupos ligados a universidades brasileiras que têm avançado nessa frente: “De maneira geral, é possível encontrar estudos, principalmente em condições como osteoartrite e epilepsia, bem como aqueles que avaliam a segurança desses componentes em animais de estimação”.

Segundo Marquez, apesar de existirem muitas pesquisas, todas são feitas por veterinários isoladamente: "Não temos nenhum conhecimento de um estudo oficial sendo feito sobre o uso do canabidiol para pets no Brasil atualmente. A USP começou o tratamento de um animal há alguns anos, mas como o tratamento chegou muito tarde, o animal acabou falecendo. A falta de regulamentação impede que os veterinários consigam fazer esses estudos mesmo que dentro das faculdades".

Juliana diz que vários países estão empenhados nos estudos para o uso medicinal do canabidiol em animais, acreditando no potencial e aplicabilidade na terapêutica. Segundo ela, estudos ao redor do mundo já comprovam que os efeitos da substância para os animais são diferentes dos efeitos causados nos humanos, e esses efeitos benéficos já foram inúmeras vezes comprovados em animais de laboratório. “Espera-se que o avanço nas pesquisas e liberação para a aplicação em saúde pública possam abrir portas para o uso desse recurso também na saúde animal, pois na Medicina Veterinária ainda são poucos os estudos que comprovam os benefícios do uso dos fármacos derivados da Cannabis sativa”.

"Existem pesquisas e estudos de uso da cannabis medicinal na veterinária em vários países do mundo, mas em pouquíssimos lugares existe já uma regulamentação em que os veterinários são livres para poder prescrever", explica Marquez, que completa: "A grande questão é que no Brasil as agências regulatórias enxergam o canabidiol como medicamento específico, e no exterior o óleo de cannabis ele é simplesmente regulado como um suplemento alimentar, sendo muito mais simples e rápido o acesso".

Dores, câncer e inflamações

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Epilepsia é uma das doenças em que o canabidiol é mais utilizado - iStock

E quais doenças ou problemas de saúde, ou comportamentais, podem ser tratados com esta substância? Juliana explica que na medicina veterinária, o uso do canabidiol é observado no tratamento da dor, distúrbios cardiovasculares e do sistema respiratório, câncer, distúrbios metabólicos, doenças neurológicas, como epilepsia, inflamações, entre outros. Porém, a aplicação mais frequente em animais de companhia é a tópica, no glaucoma, reduzindo a pressão intraocular, no tratamento da dor e em aplicações dermatológicas e oncológicas.

O biotecnólogo completa: “O racional é basicamente o mesmo aplicado nas indicações para seres humanos. Com potencial efeito anti-inflamatório, analgésico e anticonvulsivante, o canabidiol tem sido utilizado em quadros de dor, inflamação, convulsões e outras doenças neurológicas. A condição mais suportada por estudos no momento é a osteoartrite”.

E como a substância funciona no organismo dos animais? Barbosa diz que é sabido que, assim como em seres humanos, outros mamíferos também apresentam sistema endocanabinoide, um importante aliado da regulação e equilíbrio de uma série de processos fisiológicos no corpo humano. Ele oferece as condições naturais para que o organismo, entre outras funções, se favoreça das propriedades terapêuticas da cannabis no enfrentamento de uma série de doenças. E é principalmente por meio desse sistema que o canabidiol exerce seu efeito potencial anti-inflamatório, analgésico e anticonvulsivante.

"O sistema endocanabinoide, ao regular o organismo no nível celular, acaba gerando benefícios ao corpo como um todo, regulando os outros sistemas e gerando o que chamamos de homeostase, que é o harmônico funcionamento dos sistemas do organismo. Então, quando você usa a cannabis medicinal para tratar uma doença específica, acaba tendo diversos efeitos positivos devido a esse potencial de melhorar e regular o todo", diz Marquez.

Problemas psicológicos e comportamentais dos animais também poderiam ser tratados: "A gente já viu tratamentos de animais com epilepsia, mas também com muita ansiedade, agressividade, com dor, com câncer e outras diversas patologias que podem ser tratadas com o óleo à base de cannabis, e as aplicações são muito parecidas com às da medicina humana", exemplifica Marquez.

Contraindicações

Como qualquer substância utilizada, Juliana lembra que o emprego do canabidiol deve ser bem avaliado por profissional habilitado, uma vez que seu uso sem o conhecimento prévio adequado de doses pode gerar intoxicações no animal, uma vez que se trata de uma substância derivada de uma planta, e algumas delas usadas sem critério têm um potencial tóxico.

Barbosa afirma que, assim como para nós, seres humanos, os canabinoides não estão livres de efeitos colaterais. “As indicações clínicas ainda não são sustentadas por estudos clínicos robustos, portanto as contraindicações também não são claras”, adverte.

Segundo Marquez, o canabidiol é contraindicado quando o paciente tem algum problema nos rins. Se for esse o caso, é preciso fazer um acompanhamento antes de iniciar o tratamento, com exames específicos e, depois disso, o médico vai decidir se pode dar uma concentração mais alta ou mais baixa do medicamento para o seu caso. 

Questão regulamentar

Marquez faz questão de frisar que o Mapa, não regulou e não atualizou as instruções normativas em que deveriam constar os canabinoides. "O órgão está sendo cobrado, notificado por diversos veterinários e a resposta que dá é padrão, jogando a responsabilidade para a Anvisa, que deve regulamentar o tema. Porém, na realidade, o único órgão que regulamenta a atividade veterinária é o próprio Mapa. Então, hoje existe aí uma lacuna jurídica em que os veterinários estão, sim, utilizando o medicamento, no entanto, a forma pela qual os tutores dos animais fazem a aquisição ainda está desregulamentada".

Segundo ele, atualmente a Anvisa permite que o paciente humano entre no site do Governo, faça um cadastro e consiga autorização de compra e importação deste medicamento, porém, nesse rol de prescritores, em que já constam os médicos e os dentistas, a entidade simplesmente deixou de fora os veterinários, o que é, na opinião dele, completamente irregular.

"Não existe nenhuma lei que distingue o poder de prescrição entre médicos e veterinários e que fale que o segundo não pode prescrever qualquer tipo de medicamento. O código de ética da Medicina Veterinária é muito específico, bem claro no sentido de que o veterinário é livre para tomar as decisões, fazer prescrições e indicar terapias de acordo com a sua convicção. Então, a decisão de prescrever qualquer tipo de terapia ou medicamento é dele", argumenta.

Marquez ainda acrescenta que, por lei, todos veterinários têm o direito de prescrever, tanto que já o estão fazendo há muitos e muitos anos, com os primeiros registros já em 2008.

"Hoje a gente tem, dentro dos conselhos de Medicina Veterinária regionais, grupos de trabalho para estudo e definição sobre a posição desses conselhos sobre a cannabis medicinal, inclusive com alguns já indicando a prescrição e a forma de aquisição. Porém, ainda falta a última regulamentação, que seria a possibilidade de prescrição do veterinário e a possibilidade do tutor adquirir esse produto", finaliza.

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