Estudo mostra ligação muito forte entre solidão e dor física

Descobertas levantam questões sobre como fatores culturais e sociais podem moldar essa experiência

Redação Publicado em 10/09/2025, às 10h00

Mulheres foram mais propensas do que os homens a relatar solidão, dor e sofrimento durante a pesquisa - iStock

Um novo estudo global sugere que a solidão está fortemente associada à dor física, e essa ligação parece ser amplamente explicada pelo sofrimento psicológico. Publicadas na Scientific Reports, as descobertas destacam o potencial impacto da solidão na saúde ao longo da vida adulta e levantam questões sobre como fatores culturais e sociais podem moldar essa experiência.

A solidão já foi associada em pesquisas anteriores a uma série de problemas de saúde, desde depressão e ansiedade até doenças cardiovasculares e mortalidade precoce. No entanto, ainda não está claro como a solidão se relaciona com a dor física em particular, e se essa conexão difere por idade, sexo ou contexto cultural.

Alguns cientistas propuseram que a solidão pode atuar como um tipo de dor psicológica, sinalizando necessidades sociais não atendidas. Outros argumentaram que a solidão pode desencadear dor física indiretamente, por meio de estresse, sono interrompido ou alterações no sistema imunológico.

Apesar dessas teorias, poucos estudos examinaram a relação entre solidão e dor física em escala global. Também há pesquisas limitadas sobre como o sofrimento psicológico e os problemas de saúde física podem explicar — ou justificar estatisticamente — a associação entre solidão e dor. O estudo atual foi elaborado para abordar essas lacunas usando um amplo conjunto de dados transculturais.

Problema de saúde pública

“Observamos uma crescente preocupação mundial com a solidão como um problema de saúde pública e nos perguntamos como ela poderia contribuir para a dor física”, disse a autora do estudo, Lucía Macchia, professora de psicologia na City St George's, Universidade de Londres. “A literatura existente destacou a ligação entre solidão e problemas de saúde mental, mas poucos estudos examinaram como a solidão se relaciona com a dor física em diversos contextos culturais. Isso nos levou a investigar dados globais de 256.760 participantes em 139 países para compreender essas relações e os mecanismos subjacentes", acrescentou.

Os pesquisadores utilizaram dados da Pesquisa Mundial Gallup coletados em 2023 e 2024. Este conjunto de dados inclui respostas de 256.760 pessoas com idades entre 15 e 100 anos em 139 países. Os participantes responderam a uma série de perguntas sobre sua saúde física e mental, relacionamentos sociais e sentimentos vivenciados no dia anterior.

A solidão foi avaliada com uma única pergunta: se a pessoa se sentiu sozinha durante grande parte do dia anterior. Cerca de 22,7% dos entrevistados responderam que sim. A dor física foi mensurada perguntando se a pessoa havia sentido dor física durante grande parte do dia anterior. Problemas de saúde foram definidos como quaisquer condições que limitassem o funcionamento diário, e o sofrimento psicológico foi calculado com base no relato de tristeza, raiva, estresse ou preocupação da pessoa.

Sofrimento psicológico

Em modelos estatísticos totalmente ajustados, os pesquisadores descobriram que indivíduos que relataram sentir-se sozinhos tinham maior probabilidade de sentir dor física, eram mais propensos a relatar problemas de saúde e enfrentavam maior probabilidade de passar por sofrimento psicológico em comparação com aqueles que não relataram sentir-se sozinhos. Análises transculturais revelaram variações consideráveis ​​na forma como a solidão, a dor e o sofrimento eram vivenciados ao redor do mundo. Embora níveis elevados tenham sido observados em alguns países de baixa renda, o padrão não seguiu linhas simples de desenvolvimento econômico. Em alguns países, a ligação entre solidão e dor era quase inexistente, enquanto em outros era mais pronunciada.

"Também foi convincente a variabilidade global dessas associações, ressaltando a forte influência dos contextos culturais", observou Lucía.

Embora o tamanho da amostra e a cobertura global do estudo tenham sido extensos, os pesquisadores enfatizaram que seus resultados não podem estabelecer causa e efeito. Como os dados foram transversais, não está claro se a solidão causa dor, se a dor leva à solidão ou se as duas se reforçam mutuamente. Estudos futuros utilizando dados longitudinais serão necessários para examinar essas dinâmicas temporais mais de perto.

“Pessoas solitárias têm 2,1 vezes mais chances de sentir dor física, 1,8 vezes mais chances de ter problemas de saúde e 25,8% mais chances de passar por sofrimento psicológico”, disse Lucía ao PsyPost.

Essas associações se mantiveram mesmo após considerar fatores demográficos como idade, sexo, educação, renda, estado civil e situação profissional, bem como indicadores de apoio social, como se o entrevistado tinha amigos ou parentes com quem contar ou se sentia satisfeito com as oportunidades de conhecer pessoas.

O fator sofrimento

Quando os pesquisadores exploraram por que a solidão estava ligada à dor, descobriram que o sofrimento era responsável pela maior parte dessa relação. “Foi impressionante a extensão em que o sofrimento psicológico media a ligação entre solidão e dor”, disse a pesquisadora. “O sofrimento psicológico foi responsável por 60,2% da ligação entre solidão e dor, com a saúde física respondendo por outros 18,9%. O fato de o sofrimento ser um mecanismo mais forte da ligação entre solidão e dor do que a saúde física é uma descoberta importante.

As mulheres na amostra foram mais propensas do que os homens a relatar solidão, dor e sofrimento. A associação entre solidão e dor também foi ligeiramente mais forte entre as mulheres. Em contraste, a relação entre solidão e dor não variou muito entre as diferentes faixas etárias. Sejam jovens ou idosas, as pessoas que relataram sentir-se solitárias foram mais propensas a relatar dor.

Indivíduos solitários também tendiam a vivenciar mais desvantagens sociais. Eles eram mais propensos a ser solteiros, divorciados, viúvos, desempregados, subempregados ou a viver com renda mais baixa. Também eram menos propensos a ter concluído níveis mais altos de educação. Embora muitas pessoas solitárias relatassem ter alguém com quem contar, ainda eram significativamente menos propensas do que indivíduos não solitários a dizer que tinham forte apoio social ou oportunidades de se conectar com outras pessoas.

Limitações da pesquisa

Outra limitação é que todas as medidas foram baseadas em autorrelato, e a pesquisa utilizou perguntas de item único para avaliar experiências complexas como solidão e dor. Embora comum em pesquisas de larga escala, essa abordagem pode introduzir viés ou erro de mensuração. Pessoas que se sentem solitárias também podem ser mais propensas a avaliar sua saúde ou dor de forma mais negativa, o que pode exagerar algumas das associações.

Ainda assim, os resultados apontam para várias direções promissoras para pesquisas futuras. Os autores esperam conduzir estudos de acompanhamento que monitorem os participantes ao longo do tempo para melhor compreender os caminhos causais que ligam a solidão e a dor. Eles também pretendem explorar intervenções que visem o sofrimento psicológico para verificar se a redução do sofrimento também pode reduzir a dor física.

Por fim, eles planejam investigar mais detalhadamente por que essas relações variam entre os países, visando identificar políticas culturais ou sociais que possam proteger contra a solidão e seus efeitos. “A solidão não é apenas um fardo emocional — ela tem consequências físicas reais, em escala global”, explicou Lucía. Lidar com a solidão social pode ter benefícios inesperados na redução da dor física e na melhoria do bem-estar geral. E a escala deste estudo (quase 250 mil participantes em 139 países) reforça a urgência de combater a desconexão social como prioridade de saúde.

Fonte: PsyPost

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