A enxaqueca é uma doença neurológica crônica de origem genética que afeta cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), e é considerada a segunda principal causa de anos vividos com incapacidade.
“A doença é genética, com cerca de 180 loci (locais no código genético) que predispõem à doença, mas existe também uma questão hormonal”, explica o neurologista Tiago de Paula, integrante da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC).
Ele explica que hormônios como o estrogênio influenciam na sensibilidade e prevalência dos sintomas, por isso a enxaqueca é mais comum em mulheres.
Apesar dos fatores biológicos, fatores ligados ao ambiente também possuem impacto na evolução da doença, de acordo com o médico.
“Por exemplo, uma pessoa que tem uma vida muito intensa, está sempre exposta a estímulos, toma muito café, sofre com grande estresse e não dorme direto tende a sofrer com crises mais frequentes e mais graves”, ressalta o especialista.
A alimentação também pode favorecer uma piora da enxaqueca: “Principalmente aqueles alimentos que deixam o cérebro mais acelerado, pois trata-se de uma doença relacionada à hiperexcitabilidade cerebral. Por isso, é recomendado evitar estimulantes, como café, chocolate e energéticos, e termogênicos, incluindo gengibre e pimenta vermelha, por exemplo”, detalha o médico.
Para entender a relação entre enxaqueca e alimentação, ele ensina que existem basicamente duas classificações para alimentos que influenciam na enxaqueca: os que são gatilhos e aqueles considerados cronificadores.
“O vinho, por exemplo, é um gatilho. Além do álcool, ele tem taninos que podem causar a liberação de serotonina, um neurotransmissor que pode afetar a circulação sanguínea no cérebro, levando à dor de cabeça”, relata.
Alguns queijos também podem atuar como gatilhos. “Esses alimentos podem ser retirados em um primeiro momento, mas, com o tratamento adequado, eles podem ser reintroduzidos, pois perdem a força com o passar do tempo”, explica o neurologista.
O mesmo não ocorre com os cronificadores, como o chocolate, que entra na categoria dos alimentos com cafeína, apesar de oferecer menos que o café. “A cafeína, se consumida em quantidade excessiva, pode causar sintomas indesejáveis, entre eles a cefaleia. Além disso, algumas pessoas são sensíveis à cafeína e mesmo pequenas doses podem desencadear dores de cabeça. E pessoas habituadas a consumir café diariamente, se ficarem um dia sem tomar café, podem também ter cefaleia, pela falta”, destaca a nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia.
O neurologista esclarece que o cérebro de quem sofre com enxaqueca já apresenta uma tendência maior a reagir de forma intensa a estímulos sensoriais, como luzes fortes, ruídos ou variações hormonais. “Fatores cronificadores ampliam essa reatividade, modificando circuitos cerebrais relacionados à dor e dificultando o retorno ao padrão normal”, completa.
Quando há uma recomendação de redução no consumo, o café pode ser substituído por chás relaxantes, como o de erva-cidreira, camomila e hortelã, aconselha a nutróloga.
Além disso, ela sugere uma alimentação equilibrada e rica em certos nutrientes para ajudar no controle dos sintomas: “É interessante principalmente a inclusão de castanha-do-pará, atum, canela, vegetais verde-escuros e grão-de-bico, que podem ajudar a diminuir as crises de enxaqueca. Alimentos ricos em selênio e magnésio são importantes para diminuir o estresse”.
“Evitar fast-foods, frituras e alimentos gordurosos, que têm perfil mais inflamatório e liberam prostaglandina, também é fundamental, assim como diminuir o consumo de cafeinados, substâncias que alteram a circulação sanguínea e de bebidas alcoólicas, ligadas à vasodilatação”, acrescenta a médica.
Tratar a condição vai além do manejo dos gatilhos e cronificadores da enxaqueca, podendo incluir uma série de outras estratégias para melhorar a intensidade da dor e diminuir a frequência das crises.
“Além de mudanças na alimentação e no estilo de vida acompanhadas por nutricionistas e psicólogos, utilizamos tratamentos de primeira linha com evidência cientifica para a condição, como a toxina botulínica, que é aplicada em pontos nervosos específicos para reduzir a sensibilidade do cérebro a dor, ajudando, assim, no controle da enxaqueca”, diz o neurologista.
Outra opção entre os tratamentos de primeira linha são os medicamentos monoclonais anti-CGRP, primeiras drogas desenvolvidas, do início ao fim, para enxaqueca: “Eles bloqueiam o efeito do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), que contribui para a inflamação e transmissão de dor e está presente em maiores níveis em pacientes com enxaqueca”.
Em pacientes com enxaqueca crônica, a combinação da toxina botulínica com os anti-CGRPs tem se mostrado mais eficaz do que o uso isolado dessas terapias, de acordo com o especialista.
Além disso, ele diz que sessões de fisioterapia também podem ser indicadas, inclusive com o uso de dispositivos de neuroestimulação, que ajudam a aliviar as crises de enxaqueca.
“A avaliação individual é essencial para recomendação do plano de tratamento mais adequado para cada caso. O médico também poderá auxiliar na identificação de gatilhos e fatores cronificadores da doença, o que é fundamental para o controle das crises”, finaliza.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin