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Doomscrolling: evite que esse hábito acabe com a sua saúde mental

Sentir o desejo de verificar as notícias repetidamente porque acha que perderá algo importante é um sinal do problema - iStock
Sentir o desejo de verificar as notícias repetidamente porque acha que perderá algo importante é um sinal do problema - iStock

Redação Publicado em 28/05/2022, às 12h00

São 23h30 e você sabe que deveria dormir. Mas pensa: "qual é o mal de verificar meu telefone rapidamente?" Ao fazer isso, uma notificação de notícia aparece e a manchete trágica faz você clicar e começar a ler na hora. Antes que perceba, está  clicando em um artigo “sugerido” após o próximo, incapaz de se afastar do que está lendo porque precisa de mais informações, por mais tristeza que elas causem. Se isso já aconteceu com você, experimentou algo chamado “doomscrolling”, que, apesar de ser um termo mais recente (apareceu no Twitter em 2018), é algo muito comum e que pode afetar sua saúde mental.

Como definir doomscrolling?

Doomscrolling ("doom" significa ruína ou condenação e "scrolling", rolar a página) é o hábito de percorrer uma quantidade excessiva de notícias na web e nas redes sociais, apesar de esse conteúdo causar emoções negativas. É diferente de apenas ler as notícias ou manter-se informado porque o comportamento pode se tornar um pouco persistente. Ler o jornal e depois passar o dia fazendo outras coisas é normal. Já alguém que se vê lendo notícias sem parar, e acha difícil se desvencilhar das emoções resultantes a ponto de isso afetar seu funcionamento diário é uma vítima de doomscrolling, alertam especialistas.

Sinais de doomscrolling:
-Verificar as notícias várias vezes ao dia;
-Passar longos períodos de tempo lendo notícias;
-Sentir o desejo de verificar as notícias repetidamente porque sente que perderá algo importante;
-Ler vários artigos sobre o mesmo tópico de notícias;
-Ter fixação por artigos com teor emocional negativo;
-Sentir-se no limite ou triste a maior parte do dia depois de ler as notícias;
-Negligenciar outras responsabilidades às custas de verificar repetidamente as manchetes, ou porque as notícias o afetam emocionalmente;
-Ter dificuldade para dormir depois de ler as notícias.

Por que fazemos isso?

Quando coisas assustadoras acontecem no mundo – pandemias, tiroteios em massa, guerra, injustiça racial ou social – as coisas parecem fora de controle e isso é assustador. Ler as notícias pode ser uma forma de buscar segurança. Inconscientemente, nossos cérebros podem pensar que, se continuarmos lendo, talvez vejamos algo que nos fará sentir melhor, conseguir uma resposta ou nos dizer como nos manter seguros.

O problema é que nem sempre há novas informações ou notícias positivas para fazer você se sentir melhor. Então, quando esse comportamento se torna compulsivo, tudo o que se pode fazer é apenas consumir mais e mais más notícias, repetidamente. E isso pode mantê-lo em um estado de hiperexcitação. 

Doomscrolling durante a pandemia de Covid-19

A Covid-19 tornou o doomscrolling mais um problema porque a pandemia evoluiu muito rapidamente. Contávamos com as constantes atualizações de notícias para nos mantermos informados. Isso provavelmente criou o hábito de verificar as notícias com mais frequência. E esse hábito tornou-se difícil de quebrar à medida em que a pandemia se estendia.

Também acabamos usando muito mais nossos telefones e computadores: uma pesquisa descobriu que o tempo de tela nos Estados Unidos aumentou 55% de 2019 a 2020, por exemplo. A pandemia também coincidiu com um aumento da desinformação, que alimentava emoções como raiva, medo e ansiedade, que, por sua vez, aumentava a necessidade de buscar informações. 

Condições pioradas por doomscrolling

Consumir grandes quantidades de notícias negativas pode levar ou piorar a saúde mental – principalmente se você já tiver um histórico de: depressão, TAG (transtorno de ansiedade generalizada), TOC  (transtorno obssessivo compulsivo), TEPT (transtorno de estresse pós-traumático).

Uma pesquisa de 2020 descobriu que o consumo excessivo de mídia sobre a Covid-19 levou ao aumento dos níveis de ansiedade, bem como estresse, tristeza e medo. Outro estudo alemão encontrou uma conexão entre a frequência, duração e diversidade do consumo de notícias com sintomas de depressão intensificados e ansiedade relacionada à pandemia.

Como isso afeta o cérebro?

Nossos cérebros são projetados para nos proteger e procurar ameaças. Doomscrolling é basicamente dizer ao seu cérebro que existem ameaças ilimitadas das quais devemos estar cientes. Portanto, seu cérebro permanece em alerta máximo, e estar continuamente exposto a altos níveis de hormônios do estresse, como o cortisol, pode causar hiperexcitação.

Novas pesquisas estão apenas começando a explorar como o doomscrolling pode causar o que a especialista em trauma Laura Khoudari se refere como hiperexcitação do doomscrolling. Em seu livro “Lifting Heavy Things: Healing Trauma One Rep at a Time (Levantando coisas pesadas: curando um trauma por vez, em tradução livre)”, ela explica como você pode ficar emocionalmente entorpecido, fisicamente “congelado” e perder a noção do tempo e até de necessidades corporais durante a rolagem das notícias.

Como parar o doomscrolling?

Como qualquer hábito, é difícil parar de parar o doomscrolling abruptamente, mas há coisas que você pode fazer para encontrar o equilíbrio:

Faça um cronograma

Você pode achar útil estabelecer uma rotina consigo mesmo para limitar o impulso de verificar as notícias. Uma pessoa que pratica o doomscrolling de manhã, antes de sair da cama, por exemplo, pode decidir não levar mais o celular para o quarto. Isso a força a consumir notícias em um horário diferente. Considere, também, desativar as notificações de notícias para ajudar a manter sua agenda.

Misture suas atividades

Se você sentir vontade de conferir as notícias novamente, mesmo que tenham se passado apenas alguns minutos, considere fazer outra atividade de que goste. Por exemplo, você pode pegar um livro, passear com seu animal de estimação ou ligar para um amigo e conversar.

Desafie os algoritmos

Quando você lê notícias ruins, principalmente nas redes sociais, seus algoritmos vão continuar recomendando outras histórias sobre os mesmos tópicos ou relacionados. Mas você pode mudar as coisas procurando as boas notícias. Psicólogos recomendam que as pessoas encontrem boas fontes de notícias ou sigam aquelas positivas em suas redes sociais.

Outras campanhas, como uma na Islândia, visam substituir o hábito de doomscrolling - ato de gastar uma quantidade excessiva de tempo de tela dedicado à absorção de notícias negativas pelo que está sendo chamado de joyscrolling: o Conselho de Turismo deste país lançou o Joyscroll.com, um site projetado para mudar a mentalidade dos usuários, oferecendo a oportunidade de usufruírem conteúdos edificantes. Outra iniciativa do gênero foi criada há alguns anos pelo músico David Byrne (ex-Talking Heads), e se chama Reasons to be Cheerful ("Razões para ficar alegre", em tradução livre). 

Estar ciente dos desenvolvimentos no mundo – bons e ruins – é uma grande parte de ser um adulto. Mas encontrar o equilíbrio pode ajudá-lo a se sentir melhor e manter sua saúde mental. Se passos simples para quebrar o hábito não estiverem funcionando, porém, você pode considerar entrar em contato com um profissional, como psiquiatra ou psicólogo.

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