86% dos incels relatam ter sofrido alguma forma de bullying

Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema desafia alguns estereótipos comuns

Redação Publicado em 06/06/2025, às 10h00

Os incels costumam ser estereotipados como jovens, brancos e de direita - iStock

Um estudo publicado este mês traz detalhes sem precedentes sobre a comunidade incel, com fatos que desafiam os estereótipos sobre essa subcultura controversa.

Incels são um subgrupo de homens que lutam para estabelecer relacionamentos sexuais ou românticos, muitas vezes criando um senso de identidade em torno dessa incapacidade percebida.

Nos últimos anos, houve um número pequeno, mas crescente, de ataques violentos atribuídos a indivíduos que se identificam como incels. E o fenômeno ganhou visibilidade com a série Adolescência, da Netflix.

Amostra mais abrangente até agora

Liderado por pesquisadores da Universidade de Swansea e da Universidade do Texas em Austin, este estudo é, segundo os mesmos, o mais abrangente até o momento. A equipe entrevistou 561 participantes no Reino Unido e nos EUA, em colaboração com a Comissão de Combate ao Extremismo (CCE) do Reino Unido.

“Recentemente, os incels passaram a ser o centro das discussões públicas – em parte, por causa da série Adolescência, da Netflix, que se tornou um fenômeno global. Embora o drama possa ser uma ferramenta útil para facilitar o debate público, também é importante ter uma pesquisa acadêmica rigorosa para embasá-lo. Nosso estudo é um dos primeiros a analisar profundamente uma grande amostra de incels. Isso significa que conseguimos fazer comparações importantes entre subgrupos”, explicou o pesquisador Joe Whittaker, professor sênior de Criminologia na Universidade de Swansea, no Reino Unido.

Problemas de saúde mental

O estudo, publicado no periódico Archives of Sexual Behavior, revela um retrato mais detalhado dos incels, mostrando que eles vêm de origens diversas, com convicções políticas variadas e uma alta prevalência de problemas de saúde mental.

Embora muitos associem incels a ideologias de extrema direita e comportamento violento, esta pesquisa sugere um conjunto mais amplo e complexo de fatores que contribuem para atitudes e crenças prejudiciais.

Estereótipos desafiados

Outro pesquisador, Andrew Thomas, professor de psicologia na Swansea, comentou que os incels são frequentemente estereotipados na mídia como homens jovens, brancos e de direita que não trabalham, não estudam nem recebem treinamento.

“Quando testamos a precisão desses estereótipos usando coleta de dados primários, descobrimos concepções equivocadas. A comunidade celibatária involuntária continha homens com uma ampla gama de características. Se tivéssemos que apontar suas características mais consistentes, seriam a saúde mental extremamente precária e seus sentimentos de amargura, frustração e desprezo pelas mulheres – embora mesmo estes apresentem variações dentro da amostra.”

Principais características

Veja, a seguir, as principais descobertas dos pesquisadores:

Saúde mental: uma parcela substancial dos participantes relatou ter pensamentos suicidas, sendo que 37% dos incels indicaram ter pensamentos suicidas diariamente.

Neurodiversidade: este estudo é o primeiro a utilizar o Quociente do Espectro Autista-10 (AQ-10), uma ferramenta de triagem validada que avalia se alguém deve ser encaminhado para uma avaliação formal de autismo. Ele mostrou que 30% dos participantes atingiram o limite clínico para encaminhamento, o que supera a taxa básica de 1% da população em geral.

Solidão: 48% dos participantes selecionaram a resposta mais alta para os três itens da escala utilizada na pesquisa, indicando níveis muito altos de solidão entre os incels.

Bullying: 86% dos incels relataram ter sofrido alguma forma de bullying, em comparação com 33% da população em geral.

Diversidade étnica: o estudo incluiu uma representação diversa, com 58% brancos e 42% se identificando como pessoas de cor.

Orientação política: em média, os incels se posicionaram ligeiramente à esquerda do centro politicamente. Isso desafia a suposição comum de que os incels são predominantemente alinhados a ideologias de extrema direita.

Origens socioeconômicas: os participantes eram provenientes de diversas origens socioeconômicas, com 40,6% se identificando como classe média e 27,1% como classe média-baixa, desafiando a noção de que os incels são predominantemente de origens socioeconômicas mais baixas.

Emprego e educação: 42,4% trabalhavam em tempo integral e 16,4% estudavam em tempo integral.

Idade: a média de idade dos participantes do estudo era de 26 anos (18% dos incels tinham 30 anos ou mais, e o mais velho da amostra tinha 73 anos).

Subgrupos diferentes

O estudo também revela dois fatores-chave que contribuem para o desenvolvimento de atitudes e crenças prejudiciais entre os incels. Um está ligado a altos níveis de traços autistas, histórico de bullying e abuso e baixa autoestima; o outro está associado a traços de personalidade antissocial, como psicopatia, narcisismo e maquiavelismo, além de visões de extrema direita.

De acordo com Thomas, as descobertas destacam que pode haver subgrupos entre os incels que acabam na comunidade por diferentes razões. Essa é uma informação importante, pois esses caminhos podem levar a diferentes intervenções. Além disso, pode explicar porque entidades que vêm tentando atuar nessa questão às vezes têm dificuldade em estabelecer quem está em melhor posição para intervir.

“Nossas descobertas ajudarão a informar políticas e práticas na esfera do contraextremismo e ajudarão as partes interessadas a desenvolver respostas eficazes e apropriadas”, acrescentou Joe Whittaker.

“Os incels são tipicamente enquadrados em termos da ameaça que representam para os outros, mas nossas descobertas sugerem que eles podem ser tão perigosos, se não mais, para si mesmos. As taxas extraordinariamente altas de ideação suicida em nossa amostra estavam entre as descobertas mais alarmantes e exigem atenção urgente. Da mesma forma, a prevalência de traços de autismo foi muito maior do que na população em geral, apontando para a necessidade de maior atenção clínica à neurodiversidade nesse grupo”, finalizou o pesquisador William Costello, também da equipe.

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