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Linhas psicoterápicas, você sabe o que são e a quem servem?

Ser psicólogo vai muito além de ouvir questões e sofrimentos dos outros - iStock
Ser psicólogo vai muito além de ouvir questões e sofrimentos dos outros - iStock

Desirèe M. Cordeiro Publicado em 31/05/2021, às 18h27

Falei em uma coluna anterior sobre os porquês de se fazer terapia, e deixei em aberta a questão da escolha referente às linhas psicoterápicas. Esse ponto muitas vezes é usado tanto para quem está buscando um psicoterapeuta como para estudantes que querem fazer ou fazem psicologia. As linhas psicoterápicas tradicionais são aquelas estudadas nas faculdades de psicologia e reconhecidas pelos conselhos da profissão. Mas é importante dizer que a formação do profissional não é só isso. Envolve conhecimentos de psicologia organizacional (RH), psicologia escolar, psicologia social, testagens psicológicas, a psicologia clínica (o terapeuta em si)...

A psicologia não é uma profissão muito simples, embora popularmente algumas pessoas achem que sim, que qualquer um pode ser um terapeuta, basta ouvir questões e sofrimentos dos outros e ser um bom amigo. Mas ser psicólogo vai muito além disso. Precisamos de no mínimo cino anos de graduação com assuntos e temas diversos sobre psicologia, funcionamento da psique humana, do cérebro, dos hormônios, da fisiologia, do desenvolvimento infantil e adolescente até a fase adulta, da psicopatologia, da sociologia, filosofia, antropologia, entre outras matérias.

E depois que acaba a graduação, muitos profissionais vão se especializar em determinadas áreas do conhecimento, que é quando o psicólogo que vai trabalhar na clínica escolhe sobre qual teoria daquelas ele vai se embasar ao trabalhar com seus pacientes/ clientes.

Nesse texto vamos no deter às questões de seis linhas psicológicas da psicologia clínica, ou seja, dos teóricos que se aprofundam nos estudos da mente humana e como os psicólogos podem usar essas teorias/ ferramentas para atuarem no âmbito clínico. Mas é importante ressaltar que são teorias, visões de mundo, não constituem uma verdade em si, são mais um norte de como pensar e ver o mundo.

A intenção, aqui,  não é nos aprofundamos em cada linha, pois isso necessitaria de páginas e mais páginas além de anos e anos de estudo. A ideia é só iniciar pontos de curiosidade para que você possa buscar mais informações, caso se interesse.

As principais abordagens teóricas da psicologia:

Psicanálise

“De acordo com Sigmund Freud, psicanálise é o nome de:

Um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo;

Um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos;

Uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumulou numa "nova" disciplina científica.”

A psicanálise foi desenvolvida e divulgada por Sigmund Freud (Freiberg in Mähren, 6 de maio de 1856 – Londres, 23 de setembro de 1939), neurologista de Viena, Áustria. Ele desenvolveu sua teoria para descrever as causas dos transtornos mentais, o desenvolvimento humano, sua personalidade e motivações. E é a partir dessa busca por entender o humano nos meandros mais profundo que surge o jargão popular “Freud explica!”

Freud desenvolve toda a sua explicação pelos níveis de consciência, pelo modelo estrutural de personalidade, mecanismos de defesa e as fases do desenvolvimento psicossexual. Durante todo o século XX influenciou grande parte do pensamento psicoterapêutico, além de acentuar a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento do indivíduo.

Essa abordagem busca estimular o próprio paciente a ter seus insights, ou seja, que ele mesmo compreenda o que está acontecendo consigo e quais recursos ele pode usar para se modificar e sair desse problema.

As interpretações feitas pelo psicanalista durante a sessão buscam favorecer o autoconhecimento e transformação gradual dos sintomas psicanalíticos (que não necessariamente são iguais a sintomas psiquiátricos). É importante também salientar que essa é uma técnica não diretiva, ou seja, o analista não sugere que o paciente faça isto ou aquilo. A análise acontece a partir das associações do paciente. A terapia com essa abordagem parte da associação livre, ou seja, estimula que o paciente fale sobre o que quiser, sem muitas intervenções do psicólogo.

Principal estratégia:

- baseada na fala

- não é um tratamento diretivo.

Como são as sessões:

- o paciente fala, o psicanalista conduz através de perguntas e comentários, com cuidado com a profundidade das intervenções.

Duração da terapia:

- é avaliado caso a caso e não tem prazo definido, podem ser anos.

Indicada para:

- quem busca um autoconhecimento visando um processo profundo e, eventualmente, lento.

Psicologia Analítica de Jung ou Análise Junguiana

“Psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana ou psicologia complexa, é um ramo de conhecimento e prática da psicologia, iniciado por Carl Gustav Jung. Ela enfatiza a importância da psique, do inconsciente, dos arquétipos e do processo de individuação.”

Essa vertente foi criada por Carl Gustav Jung (Kesswil, na Turgóvia, Suiça, 26 de julho de 1875 – Küsnacht, em Zurique, Suiça, 06 de junho de 1961), médico psiquiatra, em 1911, discípulo de Freud a partir de uma dissidência com ele. Seu objeto principal de estudo são os sonhos e o psicoterapeuta busca manter a conversa sempre em torno dos problemas que o levaram até ali. Também parte da ideia do inconsciente, mas acredita que existe um inconsciente coletivo, símbolos que têm o mesmo significado para todas as pessoas.

Na terapia analítica, o profissional tenta interpretar como esses símbolos aparecem nos relatos do paciente, para que ele possa entender os processos que acontecem no seu inconsciente e levam ao sofrimento. Os símbolos frequentemente são discutidos a partir de arquétipos (conjuntos de crenças que apresentam características que reportam um conjunto de comportamentos que frequentemente são reproduzidos nas diversas sociedades). Daí muitas vezes os junguianos se utilizam da mitologia grega ou outros mitos para discutir elementos que transcendem o indivíduo.

Para estimular a imaginação são utilizadas técnicas geralmente ligadas às artes como pinturas, esculturas, desenhos, técnicas de escrita e a caixa de areia (Sandplay).

Principal estratégia:

- reestabelecer o equilíbrio emocional através do diálogo entre os conteúdos inconscientes e os arquétipos;

- anotar e discutir sonhos.

Como são as sessões:

- o paciente fala e o psicoterapeuta conduz através de perguntas e comentários.

Duração da terapia:

- é avaliado caso a caso e não tem prazo definido, podem ser anos.

Indicada para:

- quem busca um autoconhecimento visando um processo profundo e, eventualmente, lento.

Behaviorismo ou Psicologia Comportamental

“O behaviorismo (do inglês behavior = comportamento) é o conjunto de abordagens, nascidas nos séculos XIX e XX, que propõe o comportamento publicamente observável como objeto de estudo da psicologia.”

Esta linha é conhecida também por Psicologia Comportamental, o desenvolvimento do behaviorismo se deu, principalmente, dos teóricos John Broadus Watson (Greenville, 9 de janeiro de 1878 — Nova York, 25 de setembro de 1958 – psicólogo) e Burrhus Frederic Skinner, conhecido como B. F. Skinner (Susquehanna, 20 de março de 1904 – Cambridge, 18 de agosto de 1990 – psicólogo). Eles consideravam experimentos de comportamento animal para compreender como as pessoas reagiam ao que acontece em suas vidas. Dessa forma, construíram a teorias que busca explicar o comportamento humano a partir dos estímulos recebidos e das consequências geradas pelas ações. Acredita-se que nossas respostas a estímulos, moldam nossas ações.

O psicoterapeuta comportamental trabalha com a análise do comportamento da pessoa, sem uma grande preocupação com uma investigação da interioridade e do inconsciente. Se baseia na análise do comportamento do cliente e visa perceber e transformar aqueles que são prejudiciais/ disfuncionais, ou seja, que trazem dificuldades e sofrimento para a pessoa.

Frequentemente são passadas “tarefas de casa” que ajudam a ter contato com o que incomoda o cliente em pequenas doses, atitudes que mudam a forma de visão daquilo e aos poucos a superar os incômodos apresentados na sessão.

É considerada a linha de tratamento mais diretiva, pois foca no comportamento observável e tem o objetivo claro de modificar padrões de vida do cliente. A terapia não se baseia apenas na fala.

Principais características:

- referência que nossos comportamentos são resultados de experiências já vividas;

- para que aconteçam mudanças, devemos treinar nossas respostas através de novas vivências.

Como é a sessão:

- o cliente fala e o psicólogo ouve e conduz;

- usa exercícios de relaxamento e respiração;

- tarefas para casa, com preenchimento de formulários, leituras, exposições.

Duração da terapia:

- não tem prazo definido, mas é mais breve que terapias mais analíticas.

Indicado para:

- pessoas que apenas buscam o tratamento de doenças e problemas de aprendizagem.

- aqueles que buscam resultados mais rápidos; é um processo mais ativo.

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

“Terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma forma de psicoterapia que se baseia no conhecimento empírico da psicologia. Ela abrange métodos específicos e não-específicos (com relação aos transtornos mentais) que, com base em comprovado saber específico sobre os diferentes transtornos e em conhecimento psicológico a respeito da maneira como seres humanos modificam seus pensamentos, emoções e comportamentos, tem por fim uma melhoria sistemática dos problemas tratados.”

A TCC é um desdobramento do behaviorismo e foi desenvolvida por Aaron  Temkin Beck (Providence, 18 de julho de 1921) psiquiatra, e integra a base comportamental a conhecimentos das neurociências. Para os teóricos da TCC, os pensamentos estão intimamente relacionados ao modo como cada um vive e aos sofrimentos emocionais que elas têm. Por isso, o psicólogo da TCC não foca apenas na modificação de comportamentos, mas de padrões de pensamento que estão na origem deles. Com isso, é uma teoria que relaciona os pensamentos, as emoções e os comportamentos humanos, ampliando a terapia comportamental clássica.

Acredita-se que o que nos afetam emocionalmente não são os acontecimentos e que nos acontecem de fato, e sim a forma com que interpretamos e lidamos com cada um destes eventos. Por isso irá se trabalhar em esquemas construídos através da relação do psicoterapeuta e cliente.

O foco é mudar pensamentos disfuncionais, ou seja, aqueles que nos fazem “perder a fé” em nós mesmos, como o típico “eu nunca vou conseguir fazer isso” ou “eu não faço nada direito”. E amparar o cliente a voltar a ter uma visão de mundo diferente e mais adequada para enfrentar os estímulos externos. A ideia é mostrar que esses pensamentos podem ser modificados com muito treino e raciocínios funcionais.

Semelhante ao behaviorismo, essa também é uma terapia bastante diretiva. Ela funciona a partir de objetivos que são estabelecidos entre o psicólogo e o cliente.

Principais características:

- nossos comportamentos seriam resultados de experiências já vividas;

- para que aconteçam mudanças, basta treinar as respostas a situações através de novas vivências;

- as sessões são estruturadas em torno dessas metas e o profissional utiliza diversas técnicas e atividades para intervir nos problemas trazidos pela pessoa.

Como é a sessão:

- utiliza esquemas definidos;

- o profissional consegue fazer uma relação circular entre as ações e sentimentos do cliente, ele deve ser atualizado conforme a terapia for evoluindo;

- sempre foca em como a pessoa está naquele momento;

- muito colaborativa, onde a troca entre cliente e psicoterapeuta deve ser ativa em todo o processo, cada um com seu papel.

Duração da terapia:

- não tem prazo definido, mas é mais breve que terapias mais analíticas.

Indicado para:

- pessoas que apenas buscam o tratamento de doenças e problemas de aprendizagem;

- aqueles que buscam resultados mais rápidos; é um processo mais ativo.

Psicodrama

Psicodrama é uma psicoterapia em grupo em que a representação dramática improvisada é usada como núcleo de abordagem e exploração da psique humana e seus vínculos emocionais, visando à catarse e ao desenvolvimento da espontaneidade do indivíduo.”

Jacob Levy Moreno, foi um médico, psicólogo, filósofo, dramaturgo romeno-judeu nascido na Romênia, crescido na Áustria e naturalizado americano criador do psicodrama e pioneiro no estudo da terapia em grupo. Tem grandes contribuições no estudo dos grupos, em psicologia social e é o criador da sociometria. (Bucareste, Romênia, 18 de maio de 1889 – 14 de maio de 1974, Beacon, Nova York, EUA).

É uma terapia que pode ser feita individualmente ou em grupo, sua teoria é baseada em técnicas teatrais como por exemplo, a encenação improvisada dos conflitos.  É uma terapia baseada na relação, parte da ideia de que as questões são fruto das relações estabelecidas pela pessoa desde a infância e propõe uma retomada dessas experiências durante o processo terapêutico.

Trabalha no presente (aqui-agora) e daí parte para busca de fatores conflituosos pautados nas emoções que essas experiências podem suscitar, usando técnicas dramáticas para isso.

Nos atendimentos individuais o psicoterapeuta faz esse papel de trazer os personagens das cenas do cliente de forma espontânea. As cenas podem ser realizadas de maneira exteriorizada (de fato encenando e/ou usando materiais presentes no local de atendimento para facilitar a criação das cenas) ou interiorizada (montando cenas internas).

Nos atendimentos de grupo, pode-se trabalhar com temas escolhidos pelo grupo, ou que emergem no início da conversa (aquecimento), quando surge um protagonista (pode ser um cliente específico ou o grupo como um todo). Em seguida é feita a encenação, quando o protagonista contracena com os demais, que assumem os papeis coadjuvantes ligados ao tema. Por fim o grupo compartilha seus sentimentos em relação à cena. Quem conduz tudo e dirige a cena é o psicoterapeuta. Também pode se trabalhar com elementos comuns a cenas trazidas verbalmente, mas com o referencial das relações e dos elementos comuns aos diversos membros do grupo.

Principais características:

- trabalha as relações do presente para o passado e/ou futuro;

- as emoções revividas podem ser integrativas e catárticas;

- mudanças ocorrem a partir da vivência das emoções de maneira espontânea, livre e criativa.

Como é a sessão:

- o cliente fala e o psicoterapeuta conduz de maneira ativa e diretiva, fazendo observações;

- encenando sobre o que acontece ali (interna ou externamente).

Duração da terapia:

- é avaliado caso a caso e não tem prazo definido, podem ser anos.

Indicada para:

- quem prefere algo mais movimentado, gosta de trocas e de compartilhar vivencialmente e com outros.

Gestalt-terapia

“A Gestalt-terapia é um modelo psicoterápico com ênfase na responsabilidade de si mesmo, na experiência individual do momento atual (chamado também de aqui e agora), no relacionamento psicoterapeuta-cliente e na autorregulação e ajustamento criativos do indivíduo, levando em conta sempre o meio ambiente e o contexto social, que constituem o ser de um modo geral.”

Friederich Salomon Perls, mais conhecido como Fritz Perls foi um psicoterapeuta e psiquiatra de origem judaica que, junto com sua esposa Laura Perls, desenvolveu uma abordagem de psicoterapia que chamou de Gestalt-terapia. (Berlim, Alemanha, 8 de julho de 1893 – Chicago, Illinois, EUA).

Nesta abordagem é trabalhado o sujeito de forma global, não sendo feita a divisão entre corpo e mente. Sendo assim, pensamentos e ações são feitos de uma mesma forma e tudo está interligado, para que compreenda tudo o que está acontecendo dentro e fora dele.

Para isso, o ambiente em que está inserido, relações interpessoais, como funciona a sua estrutura mental, corporal e emocional, importam muito para que a terapia seja bem-sucedida.

Esse tipo de terapia procura entender a fala do cliente como um todo. Tem menos preocupação com os fatos em si e mais com a forma como o sujeito interpreta a vida, olhando para a maneira como ele organiza seu pensamento e o expressa. O foco é todo no momento exato da terapia, no aqui e agora, e na relação do cliente com o psicoterapeuta, com objetivo de que ele tome consciência do que diz e faz, para depois reproduzir essa tomada de consciência fora do consultório.

Principais características:

- busca experienciar as coisas ao invés de ter somente o entendimento racional;

- daí atingir um entendimento integral (pensar, sentir e agir - Gestalt).

Como é a sessão:

- o cliente fala e o psicoterapeuta conduz de maneira mais ativa, fazendo observações sobre o que acontece ali.

Duração da terapia:

- é avaliado caso a caso e não tem prazo definido, podem ser anos.

Indicada para:

- quem prefere uma percepção mais direta das relações que tem com o mundo ao seu redor.

Importante ressaltar que a escolha da linha teórica diz respeito a você e, talvez, muito mais ao seu psicoterapeuta. Algumas pessoas brincam que ela é a religião do terapeuta (e muitos tem muitos deuses psicoterápicos...). O fator mais importante em um processo terapêutico é a empatia entre cliente e psicoterapeuta, respeitando sempre as necessidades de cada um.

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas,

mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Carl Gustav Jung