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“Tô na correria”: como o capitalismo molda a nossa saúde mental?

Estamos tão preocupados em sermos produtivos que nos esquecemos de nós mesmos - iStock
Estamos tão preocupados em sermos produtivos que nos esquecemos de nós mesmos - iStock

Redação Publicado em 12/04/2022, às 16h00

Provavelmente você já falou ou ouviu alguém respondendo “Tô na correria” logo após receber a pergunta clichê “como você está?”. Parece que essa expressão já virou um status do dia a dia e que, se não estivermos nele, nos sentimos estagnados. 

Essa foi uma das reflexões presentes na live sobre ansiedade, depressão e cansaço da Pós-PUCPR Digital, que contou com a participação de Jairo Bouer. Durante o bate-papo, o psiquiatra e o mediador Matheus Pannerbecker abordaram diversos aspectos dessa sensação. 

Parece que o 'estar na correria' é o jeito de falarmos que estamos e somos funcionais. Estou produzindo e isso é o esperado”, pontua Jairo. 

Um dos nomes citados na live chama-se Byung-Chul Han, autor do livro “Sociedade do cansaço” que, segundo Jairo, fala exatamente sobre essa questão do capitalismo ter evoluído de forma a fazer com que as grandes corporações terceirizem as cobranças para nós mesmos.

Na verdade, o grande chefe da gente é a gente mesmo, ficamos o tempo inteiro nos cobrando, nos exigindo, fazendo demandas para nós mesmos”, explica.

Para o psiquiatra, essa é uma questão que já vinha acontecendo antes da pandemia, mas a chegada do isolamento social aumentou a complexidade do que é privado e público, trabalho e lazer e casa e escritório; tudo virou praticamente uma coisa só. 

Assim, não é incomum que comecemos a responder mensagens relacionadas ao trabalho antes mesmo de sairmos da cama e, ao retornar para dormir, não resistimos à tentação de ler um e-mail que chegou. 

Esse estar na correria é uma bola de neve. Nunca damos conta do recado e criamos esse ciclo de demanda e expectativa em que estamos sempre devendo e esse estado é um estado gerador de frustração e estresse. Talvez nós criemos uma espécie de autoexigência com nós mesmos que é difícil de lidar, porque está na gente e não está mais no outro”, comenta.  

Outro ponto discutido foi a questão de encaixar tempo para fazer coisas para nós mesmos. Parece que encontramos tempo para tudo na agenda, mas deixamos de permitir uma “brecha” para realizar algo que nós gostamos e, se ficamos “sem fazer nada”, talvez ainda nos sintamos culpados por isso. 

Confira:

Mudança de relação com o trabalho

Jairo explica que a pandemia fez muita gente rever suas relações com o trabalho, até em função de toda essa mistura de ambientes provocada pelo isolamento social:

Temos visto que muita gente foi trabalhar em casa e, quando a situação da pandemia deu indícios de melhora, começaram a repensar sobre o ambiente de trabalho. Será que a gente precisa ir mesmo para o escritório? Será que tem outras formas da gente produzir? Será que precisamos ser contratados por horário ou por missão?”, questiona. 

Uma pesquisa do Instituto Ipsos feita no mundo todo, por exemplo, mostrou que um terço da força de trabalho consideraria um novo emprego caso a empresa resolvesse voltar à modalidade 100% presencial. Ou seja, o remoto e o híbrido parecem que vieram para ficar e, para Jairo, a questão não é só “onde”, mas “quanto”. 

Posso trabalhar em casa e trabalhar 20h por dia, isso não vai melhorar meu cansaço e os sintomas psíquicos. Na verdade, como a gente organiza essas formas de produzir? Existem países em que as pessoas trabalham quatro vezes por semana, outros trabalham seis horas por dia. Se você tem os seus objetivos e consegue cumpri-los, ótimo. Se a demanda existir e você resolver, é o mais importante”, opina.