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Jovem ajuda a combater estigma sobre doença de pele nas redes sociais

Dai compartilha sua rotina nas redes sociais com humor e resiliência - Arquivo Pessoal
Dai compartilha sua rotina nas redes sociais com humor e resiliência - Arquivo Pessoal

Dai Cruz é uma jovem de 29 anos moradora da cidade de Jequié, interior da Bahia, no nordeste do Brasil. Ela acumula mais de dois milhões de visualizações no TikTok e tem mais de 128 mil seguidores no Instagram. O motivo? Dai compartilha sua rotina com tanta leveza, humor e tanta resiliência, que a epidermólise bolhosa, doença de pele que ela tem desde que nasceu, vira um detalhe.

A epidermólise bolhosa (EB) é uma doença genética e não contagiosa caracterizada por formar bolhas e erosões na pele e mucosas após mínimos traumas. A doença se manifesta desde o nascimento de crianças diagnosticadas com o quadro e se estendem por toda a vida, já que ainda não há cura para essa condição nem tratamento específico de alta resolutividade, tendo em vista que é uma doença rara e, por isso, há poucas pesquisas e arsenal terapêutico para tratá-la. É uma doença que afeta tanto homens como mulheres e dados da Associação de Epidermólise Bolhosa no Brasil (Debra), até 2020, 802 pessoas haviam sido diagnosticadas com a doença no país.

É nítido que viver com EB é altamente desafiador pelas condições impostas pela doença, seja pela formação de lesões ou até perda de membros pela falta de produção de colágeno. Aliás, fazer trabalhos manuais e tarefas do dia a dia são as principais limitações de Dai.

“Consigo fazer pouca coisa eu mesma porque tenho muita dificuldade com as mãos que são atrofiadas. Eu sinto falta de poder fazer algumas coisas que me dão prazer como cozinhar, por exemplo. Eu gostaria muito de cozinhar se eu pudesse. Apesar disso, consigo me alimentar e ir ao banheiro sozinha, mas são poucas coisas. Minha prima e minha irmã me ajudam e me auxiliam em tarefas do dia a dia, mas às vezes incomoda por eu querer fazer mais coisas e não conseguir.”

Características da epidermólise bolhosa

A EB possui diferentes tipos e formas de apresentação de sinais e sintomas, a depender de onde ocorre a mutação genética e a manifestação na pele. Entre os diferentes tipos, existem quatro principais:

  • Epidermólise Bolhosa Simples (EBS): que decorre de uma mutação autossômica dominante, causando desordem nos queratinócitos da pele. Nesta forma, as lesões são mais superficiais, não deixa cicatrizes e o surgimento de bolhas diminui com a idade. É o tipo mais comum e mais leve da EB, representando cerca de 80% dos casos diagnosticados.
  • Epidermólise Bolhosa Juncional (EBJ): a separação da camada lúcida de outras camadas da pele resultam no quadro. As bolhas são mais profundas, acometem a maior parte da superfície corporal além de envolver mucosas e causar queda de cabelo (alopecia) e anoníquia (ausência de unhas) entre outras características.
  • Epidermólise Bolhosa Distrófica (EBD): o gene que codifica o colágeno é afetado e causa, entre outras características, bolhas entre a derme e a epiderme, o que leva a formação de cicatrizes. Essa é a forma que mais deixa sequelas, sendo uma delas, inclusive, a perda dos membros como mãos e pés.
  • Síndrome de Kindler: é uma mistura das outras formas anteriores e a bolha se forma entre a epiderme e a derme. Apresenta bolhas, sensibilidade ao sol, atrofia de pele, inflamação no intestino e estenose de mucosas.

A falta de conhecimento e o preconceito

PubMed é uma ferramenta de busca de informações e artigos científicos e reúne atualizações e pesquisas sobre saúde e medicina. Como a EB é uma doença rara, além de não haver tratamento específico, ainda há pouca produção científica acerca da doença, quando comparada a outras como, por exemplo, câncer de pele.

De 1909, quando foram descritos os primeiros casos, a 2022 foram encontrados 6647 resultados sobre EB no banco de dados do PubMed. Em contrapartida, no mesmo período, foram publicadas 213.337 artigos e estudos sobre câncer de pele. A escassez de recursos em pesquisas e projetos que envolvam a EB impactam de maneira contumaz no acesso à saúde daqueles que têm o diagnóstico, mas também contribuem para a falta de informação sobre essa doença. Muitas vezes, o desconhecimento e a ignorância  são campo fértil para a criação de conceitos equivocados que levam ao preconceito e, infelizmente, pessoas com EB são alvo de situações constrangedoras. 

“Uma vez eu e minha mãe estávamos na feira e uma mulher chegou e questionou com toda brutalidade “por que sua mão é assim?” Eu tentei esconder, pois eu era mais nova e escondia para que ninguém visse minhas mãos atrofiadas. De repente, essa mulher puxou a minha mão com força sem que eu desse permissão para ela fazer isso apenas para matar sua curiosidade e me expor. Isso me machucou muito”, relata Dai.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico da EB ocorre através de biópsia da pele e análise do material através de imunofluorescência, microscopia eletrônica e testes de genética molecular para triagem de mutações em genes causadores da doença.

Como não há medicamento específico para tratar a EB, o tratamento é sintomático, ou seja, realizado de acordo com o que o paciente apresenta de sinais e sintomas. Os pacientes devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar, no sentido de auxiliá-los nos cuidados e na busca por qualidade de vida, e quanto mais cedo isso ocorrer, melhor o prognóstico.

O tratamento consiste em suporte clínico, nutricional, prevenção contra infecções, manejo da dor e das lesões cutâneas. Para isso são utilizados desde antibióticos, pomadas e cremes, até curativos e bandagens que protegem a pele dos traumas responsáveis por causar as bolhas.

A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia fornece curativos especiais para Dai Cruz e os envia até sua cidade. Ela também é assistida por uma ONG chamada Jardim das Borboletas, que ajuda dezenas de pessoas com diagnóstico de EB no Brasil.

O Jardim das Borboletas

Aline Teixeira é presidente da ONG Jardim das Borboletas, fundada em 2016, e que tem como objetivos principais amparar e oferecer suporte de cuidados a pessoas que vivem com EB, principalmente crianças, em diferentes localidades do Brasil.  A ONG vive apenas de doações de pessoas físicas, seja através de dinheiro, presentes para as crianças com o diagnóstico e também material médico como pomadas e curativos, que são muito importantes para evitar lesões na pele dos pacientes.

Atualmente, a ONG atende 102 pacientes, mas já chegou a atender cerca de 150. Porém, dada a gravidade de alguns quadros da doença, alguns vão a óbito em decorrência dela. São atendidos pacientes de todos os estados, incluindo o Distrito Federal, sendo São Paulo e Minas Gerais as unidades da federação com mais pessoas assistidas. Segundo Aline, a maior dificuldade da ONG é de manter o tratamento dessas crianças e adolescentes com EB, já que o custo pode ir de 2 até 40 mil reais por mês a depender do quadro clínico desses pacientes.

Mas por que o nome “Jardim das Borboletas”? Aline explica:

“A vida de uma criança com EB é marcada por muitos desafios e dores e, entre muitas outras coisas, elas precisam de paz no sentido mais amplo. Então, um jardim florido representa este lugar de paz às crianças com EB. E as crianças são chamadas de borboletas porque a característica da pele delas se assemelha às asas de borboletas. Nosso sonho é abrir a porta para aqueles que nos procuram pedindo ajuda.”

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Dai gostaria de ser tratada com mais respeito e atenção 

São Paulo é o estado que concentra a maior quantidade de serviços que oferecem tratamento da epidermólise bolhosa e, por isso, a ONG está viabilizando uma casa de apoio às crianças e suas famílias que vão ao estado realizar algum tipo de tratamento. Aline também quer estruturar salas de curativos especiais que ajudam muito no tratamento das crianças e a expectativa é atender, em média, 300 crianças mensalmente.

A Dai Cruz pediu para deixar uma mensagem a você que leu o texto e chegou até aqui:

Eu gostaria muito que as pessoas tivessem mais conhecimento sobre a EB e que através disso nos tratassem com mais respeito e atenção principalmente se sentirem a necessidade de virem perguntar algo relacionado ao meu diagnóstico. Com respeito, se dá respeito. E quero terminar dizendo que a felicidade está na gente. Não devemos esperar nada para ser feliz, apesar dos desafios e dificuldades que a vida nos traz. Eu sou feliz! 🦋

Você pode seguir tanto a Dai como a o Jardim das Borboletas no Instagram. O perfil da Dai é o @daicruzoficial e do Jardim é @jardimdasborboletas_

Anderson José

Anderson José

Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao