Doutor Jairo
Leia » Saúde mental

Por que procrastinamos? Especialistas tentam responder

Estima-se que 20% dos adultos no mundo sejam procrastinadores crônicos - iStock
Estima-se que 20% dos adultos no mundo sejam procrastinadores crônicos - iStock

Redação Publicado em 25/10/2022, às 12h00

Muitas pessoas procrastinam, alguns de nós cronicamente, mas por que fazemos isso? Existe uma maneira de combater a procrastinação, e esse hábito traz benefícios? O que acontece no cérebro e na mente? Podemos mudar isso? Certo, todo mundo procrastina em algum momento de suas vidas. Seja para pagar uma conta, marcar uma consulta médica, concluir um projeto escolar ou cumprir um prazo de trabalho, às vezes é mais fácil adiar tarefas importantes que não gostamos totalmente e preferimos realizar em outro momento.

Enquanto para a maioria das pessoas o ato de procrastinação pode acontecer apenas de vez em quando, para outras torna-se uma ocorrência constante. Estima-se que 20% dos adultos no mundo sejam procrastinadores crônicos, embora pesquisas mostrem que altos níveis de procrastinação no local de trabalho podem ter efeitos negativos na performance e na renda do empregado.

Estudos sugerem que 75% dos estudantes universitários sejam procrastinadores habituais, levando a problemas como estresse, ansiedade e dificuldade em dormir. Por que mais pessoas procrastinam do que outras? A procrastinação é uma condição de saúde mental? E a procrastinação oferece algo positivo ou é apenas um hábito negativo que precisamos abandonar?

A seguir, especialistas respondem a essas perguntas e outras sobre a tática de atraso com a qual todos estamos familiarizados.

O que acontece no cérebro?

De acordo com Sharon Greene, especializada no tratamento de ansiedade e depressão para crianças, adolescentes e adultos no Centro de Desenvolvimento Infantil e Familiar de Providence Saint John na Califórnia (EUA), a procrastinação resulta de uma luta entre o sistema límbico de uma pessoa e o córtex pré-frontal do cérebro.

Ela explica que o sistema límbico é uma parte mais primitiva do cérebro, que busca prazer instantâneo e/ou evita coisas que causem angústia. O córtex pré-frontal é uma parte mais recente do cérebro (em termos evolutivos) que ajuda no planejamento, tomada de decisões e objetivos de longo prazo. Todos nós sofremos às vezes de procrastinação devido à "luta" entre essas estruturas em nossos cérebros.

O psicólogo Bill Hudenko, pesquisador e professor da Escola de Medicina Geisel de Dartmouth, e chefe global de saúde mental na plataforma de cuidados digitais K Health, citou um estudo que mostra que as pessoas que costumam procrastinar têm uma amígdala maior – a parte do cérebro responsável pelas emoções, principalmente as negativas.

Ele conta que os autores também descobriram que os procrastinadores têm uma conexão menos funcional com o córtex cingulado anterior dorsal – uma parte do cérebro que assimila informações e está implicada na tomada de decisões. Embora intrigante, este estudo destaca que a procrastinação não é tão simples e não ocorre em apenas uma região do cérebro.

Um estudo de pesquisadores do Instituto do Cérebro de Paris, publicado em setembro de 2022, encontrou evidências sugerindo que o córtex cingulado anterior é onde a decisão de procrastinar é tomada. Eles também desenvolveram um algoritmo para prever a tendência de uma pessoa procrastinar ou não.

O psiquiatra Alex Wills, autor de "Give a F*ck, Actually: Reclaim Yourself with the 5 Steps of Radical Emotional Acceptance" (Dê a mínima, na verdade: recupere-se com os 5 passos da aceitação emocional radical, em tradução livre), disse que outros problemas que uma pessoa pode estar enfrentando podem afetar o processo da procrastinação. No caso de transtornos de ansiedade, uma pessoa pode ficar paralisada com muita atividade na amígdala – medo, desespero, perfeccionismo ou paralisia por análise (quando não conseguimos chegar em nenhum lugar por pensarmos em excesso). Com a depressão, o processamento de informações pode se tornar muito lento quando os pacientes se sentem desamparados ou indecisos.

[Colocar ALT]
No caso do TDAH pode haver uma falta neurológica de foco cognitivo devido à falta de dopamina enviada ao córtex pré-frontal -  iStock

Ele acrescenta que no caso do TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), pode haver uma falta neurológica de foco cognitivo devido à falta de dopamina enviada ao córtex pré-frontal em que a pessoa pode, de forma subjetiva, simplesmente ficar inconsciente de um prazo iminente – até que seja tarde demais.

A procrastinação é um problema de saúde mental?

Segundo os especialistas, a procrastinação em si não é uma condição de saúde mental. No entanto, pode ser um comportamento problemático caso se torne rotineiro e cause angústia. Por exemplo, se alguém está procrastinando devido a um transtorno de ansiedade, esta pode levar a outros resultados negativos. Tratar a ansiedade subjacente que afeta a procrastinação pode ajudar alguém que está evitando tarefas necessárias e também pode melhorar outros aspectos de sua vida.

Wills afirma que a procrastinação é com frequência considerada um sintoma comumente encontrado em vários distúrbios: sob o espectro de ansiedade em pessoas com transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TOC), acumulação ou TEPT (transtorno de estresse pós-traumático) devido a medos relacionados a traumas passados. No TDAH, que ele considera uma condição neurológica, a procrastinação pode ser resultado de uma incapacidade de priorizar, permanecer na tarefa ou manter o foco.

Além disso, o psiquiatra acredita que a procrastinação também pode ser um indicador de tendências viciantes – o ponto alto de ‘salvar o dia’ da calamidade ao terminar uma tarefa importante pouco antes do prazo. Se alguém faz isso o tempo todo ou não, pode ser um indicador de uma dessas condições de saúde mental subjacentes.

Existem benefícios?

De um modo geral, a maioria das pessoas considera a procrastinação um hábito negativo. No entanto, existem pontos positivos para isso? Hudenko afirma que há muitos casos em que a procrastinação pode ser benéfica, mesmo quando a pessoa não pretende que seja. Ele conta que todo mundo pode se relacionar com a procrastinação em uma tarefa porque é de baixo impacto ou baixo valor, o que mostra um bom julgamento sobre gerenciamento de tempo e priorização de tarefas.

Ele acrescenta que a procrastinação também pode ajudar as pessoas a priorizar o envolvimento em aspectos de sua vida que trazem alegria. Talvez seja melhor para sua saúde mental se você for jogar aquela partida de tênis em vez de fazer aquele projeto em sua lista. Além disso, você pode voltar a esse projeto com mais energia e novos insights porque se afastou para fazer outra coisa.

Por fim, o psicólogo afirma que algumas pessoas trabalham melhor sob pressão e têm melhor desempenho quando têm um prazo rigoroso, mesmo que não tenham a intenção de esperar até o último minuto. Já Wills disse que ver a procrastinação como algo “negativo” ou um “sintoma” de outros diagnósticos de saúde mental pode ser miopia. “No meu livro, Give a F*ck, Really, eu celebro as chamadas emoções ‘negativas’ e pergunto como essas emoções podem estar tentando ajudar. Podemos perguntar: 'o que a procrastinação está me ensinando sobre minha realidade emocional?”, declarou ao site MedicalNewsToday.

Como parar de procrastinar

Para aqueles que desejam parar de procrastinar, Sharon sugere que, quando perceberem que estão começando a procrastinar, imaginem visualmente como será fazer a tarefa no último minuto, incluindo o estresse, a exaustão e a possibilidade de não concluí-la a tempo ou entregar um produto abaixo da média. Para algumas pessoas, essa visualização negativa pode ser suficiente para ajudá-las a iniciar a tarefa.

Além disso, ela disse que dar a si mesmo uma recompensa depois de concluir cada etapa pode ser útil. Isso porque algumas pessoas também se beneficiam ao recrutar outras para responsabilizá-las por completar cada pequeno passo. Definir prazos pode ser uma ferramenta útil contra a procrastinação quando definido corretamente. Um estudo de novembro de 2021 conduzido por Stephen Knowles, professor do Departamento de Economia da Universidade de Otago na Nova Zelândia e sua equipe descobriu que as pessoas eram mais propensas a concluir uma tarefa com prazo de uma semana ou sem prazo, em comparação a quando era dado um prazo de um mês.

O professor lembrou que, segundo pesquisas anteriores, para tarefas em que haja benefícios, nenhum prazo leva à resposta mais baixa. Ele comentou que a pesquisa se concentrou em uma tarefa que beneficiava outras pessoas – como preencher uma pesquisa ou fazer uma doação de caridade. Os pesquisadores suspeitaram que, naquele contexto, dar às pessoas um prazo de um mês lhes deu permissão para levar esse tempo, enquanto não ter prazo fez com que parecesse mais urgente.

Com base em suas descobertas, Knowles sugeriu que as pessoas que tendem a procrastinar deveriam estabelecer prazos mais curtos em vez de mais longos. Para ele, se você está definindo um prazo para outra pessoa, você deve mantê-lo curto ou não mencionar um prazo.

Já Hudenko disse que se a raiz da procrastinação é o prazo longo, tente o método de “segmentação”: dividir as coisas em partes gerenciáveis e fazê-las ao longo do tempo. Por exemplo, em vez de limpar toda a sua casa, o que pode parecer cansativo, apenas se comprometa a limpar a pia hoje e o chão amanhã. Muitas vezes, quando você começa uma subtarefa, também fica muito mais fácil concluir a coisa toda, porque você prova a si mesmo que a tarefa que adia não é tão ruim quanto você imaginava.

Fonte: MedicalNewsToday

Veja também: