O cérebro não apenas encolhe com a idade, ele faz algo mais estranho

Estudo aponta que ele também muda de forma de maneiras consistentes e mensuráveis

Redação Publicado em 22/10/2025, às 10h00

A pesquisa tinha como objetivo compreender como o envelhecimento afeta a geometria de todo o cérebro - iStock

Um novo estudo publicado na Nature Communications forneceu evidências de que o cérebro humano não apenas encolhe com a idade, mas também muda de forma de maneiras consistentes e mensuráveis. A pesquisa sugere que essas mudanças de forma estão intimamente ligadas ao declínio cognitivo relacionado à idade e podem oferecer uma nova maneira de detectar o risco de demência antes que os sintomas apareçam.  

A maioria das pesquisas sobre envelhecimento cerebral tem enfatizado a perda de volume em regiões específicas, como o hipocampo, que desempenha um papel fundamental na memória. Esses estudos revelaram que certas áreas do cérebro são mais vulneráveis ao envelhecimento do que outras, apresentando um encolhimento acentuado à medida que as pessoas envelhecem.

No entanto, o cérebro não é composto por partes isoladas. Suas regiões estão conectadas e interagem de maneiras complexas. O novo estudo se concentrou nesses padrões mais amplos, com o objetivo de compreender como o envelhecimento afeta a geometria de todo o cérebro, e não apenas o tamanho de partes individuais.  

A pesquisa foi motivada por evidências crescentes de que o formato do cérebro afeta seu funcionamento. Estudos demonstraram que a estrutura física do cérebro pode impor restrições à comunicação entre diferentes regiões. Mudanças sutis na posição, formato ou espaçamento entre regiões podem prejudicar a coordenação interna do cérebro. Apesar dessa possibilidade, métodos anteriores normalmente não examinavam a geometria do layout espacial do cérebro. Este estudo se propôs a preencher essa lacuna.  

O formato também é afetado

Niels Janssen, autor do estudo e professor assistente de psicologia na Universidade de La Laguna, na Espanha afirmou que já é sabido que o cérebro muda com o envelhecimento, mas a maioria das pesquisas se concentra em regiões individuais, como o hipocampo, que se sabe que encolhem com o tempo:

“Em nosso estudo, observamos como o envelhecimento afeta o formato de todo o cérebro. Descobrimos que o cérebro não apenas diminui de tamanho — ele cede, quase como se estivesse se acomodando lentamente sob o próprio peso. As partes inferiores dos hemisférios se expandem para fora, enquanto as superiores se aproximam, produzindo uma leve curvatura para baixo no formato geral do cérebro”. 

A equipe de pesquisa analisou 2.603 exames cerebrais de adultos entre 30 e 97 anos. Esses exames foram provenientes de dois conjuntos de dados amplos e independentes: a análise primária utilizou 2.039 exames do Open Access Series of Imaging Studies - Série de Estudos de Imagem de Acesso Aberto (OASIS) é um projeto dos EUA que visa disponibilizar gratuitamente à comunidade científica conjuntos de dados de neuroimagem do cérebro. E os resultados foram confirmados em um conjunto separado de 564 exames do Cambridge Centre for Ageing and Neuroscience. Todos os participantes foram submetidos a ressonância magnética de alta resolução, permitindo aos pesquisadores observar características estruturais de granulação fina. 

 Para medir as mudanças na forma do cérebro, a equipe utilizou um método que calcula a distância entre pontos na superfície cerebral e entre regiões correspondentes nos hemisférios esquerdo e direito. Por exemplo, eles avaliaram a distância entre os hipocampos esquerdo e direito e se essa distância mudava com a idade. Essa abordagem permitiu aos pesquisadores identificar padrões de "expansão", onde as regiões pareciam se afastar, e de "compressão", onde elas se aproximavam. 

Padrão consistente

Eles encontraram um padrão consistente em todas as amostras. À medida que as pessoas envelheciam, as partes frontais inferiores do cérebro tendiam a se mover para fora, criando um efeito sutil de protuberância. Ao mesmo tempo, as partes posteriores superiores do cérebro se retraíam para dentro. Isso produzia um efeito de inclinação ou flacidez, quase como se o cérebro estivesse se acomodando lentamente para baixo. Esses padrões se tornaram mais pronunciados com o aumento da idade.  

Além de analisar a forma geral, o estudo examinou como as distâncias entre regiões cerebrais pareadas nos hemisférios cerebrais mudaram ao longo do tempo. Muitas dessas distâncias, especialmente entre as áreas temporais e subcorticais, aumentaram com a idade. Essas mudanças não foram meros subprodutos do encolhimento cerebral. Mesmo após considerar as mudanças de volume, as mudanças espaciais permaneceram significativas.  

O estudo também relacionou essas mudanças de forma ao desempenho cognitivo. Participantes com pior desempenho em testes de memória e função executiva tenderam a apresentar padrões mais extremos de expansão e compressão. Por exemplo, indivíduos com memória mais fraca apresentaram maior separação entre partes do lobo temporal e maior compressão nas regiões parietais. Essas associações foram encontradas mesmo após a idade ser considerada, sugerindo que as mudanças de forma podem estar mais relacionadas à função cognitiva do que apenas a idade. 

“Compreender como o cérebro envelhece é um desafio complexo que exige uma análise de vários ângulos. A maioria dos estudos se concentra no nível microscópico — em moléculas e células —, mas nossas descobertas mostram que o formato do próprio cérebro também muda de maneira significativa. Observar o cérebro nessa escala mais ampla pode fornecer novos insights sobre os mecanismos do envelhecimento saudável e as mudanças que ocorrem em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer”, disse Janssen ao PsyPost

Descobertas com limitações

Embora os resultados sejam consistentes e apoiados por dois conjuntos de dados independentes, existem várias limitações. Uma delas é que a maioria dos dados veio de amostras transversais, o que significa que pessoas diferentes foram comparadas em idades diferentes. Isso dificulta o acompanhamento das mudanças cerebrais de um indivíduo ao longo do tempo. O estudo incluiu um grupo menor de participantes examinados mais de uma vez, e seus resultados corroboraram as tendências mais amplas. Ainda assim, mais estudos de longo prazo são necessários para confirmar esses padrões.  

Outra limitação é que o método utilizado no estudo mede distâncias entre pontos no espaço, mas não os mecanismos biológicos que impulsionam essas mudanças. Por exemplo, ainda não está claro se a expansão e a compressão observadas se devem a mudanças na composição dos tecidos, no equilíbrio de fluidos ou em outros fatores, como gravidade e posicionamento da cabeça.  

Estudos no futuro

Pesquisas futuras poderão investigar se o estresse mecânico, como a mudança gradual da função cerebral para baixo, contribui para os danos relacionados à idade. Isso poderá abrir novos caminhos para a compreensão de como as mudanças estruturais levam ao declínio funcional. Também poderá ser possível desenvolver sistemas de alerta precoce com base no formato do cérebro, identificando aqueles com maior risco de comprometimento cognitivo antes do aparecimento dos sintomas.  

Apesar dessas limitações, o estudo apresenta uma nova maneira de pensar o envelhecimento cerebral. Ele sugere que a forma como o cérebro é moldado pode ser tão importante quanto a quantidade de tecido cerebral perdido. Mudanças sutis na geometria podem afetar a forma como diferentes partes do cérebro se comunicam e a eficiência com que trabalham juntas. Algumas regiões, como o córtex entorrinal, ficam próximas a estruturas rígidas como a base do crânio e podem ser particularmente vulneráveis à pressão do tecido circundante.  

Para o coautor do estudo Michael Yassa, diretor do Centro de Neurobiologia da Aprendizagem e da Memória da Universidade da Califórnia, nos EUA, isso pode ajudar a explicar por que o córtex entorrinal é o marco zero da patologia do Alzheimer. Ele explica que se o cérebro em envelhecimento estiver se transformando gradualmente de forma a comprimir essa região frágil contra uma fronteira rígida, isso pode criar a tempestade perfeita para que os danos se instalem. Compreender esse processo nos dá uma maneira totalmente nova de pensar sobre os mecanismos da doença de Alzheimer e a possibilidade de detecção precoce. 

 Para a equipe de pesquisa, esses resultados apenas começam a desvendar como a geometria do cérebro molda as doenças e que as respostas podem estar escondidas à vista de todos – no próprio formato do cérebro. 

Fonte: PsyPost

 

 

 

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