Para muitos corredores, especialmente os que começaram a levar os treinos mais a sério, o principal objetivo é evoluir: baixar tempos, aumentar distâncias e cruzar a linha de chegada de provas como meia-maratonas e maratonas com mais força e velocidade.
Nesse caminho, é comum imaginar que a única rota possível para o progresso é investir em treinos intensos, como tiros, intervalados e fartlek. No entanto, há uma estratégia muitas vezes subestimada, e cientificamente validada, que pode ser o diferencial para quem busca performance: correr devagar.
Treinar em ritmo leve significa correr em uma intensidade baixa, geralmente entre 60% e 70% da sua frequência cardíaca máxima. É uma zona de conforto em que o corredor consegue conversar tranquilamente sem ficar ofegante. A famosa “zona 2” da corrida.
Segundo estudos recentes e experiências de profissionais do esporte, treinar nessa zona oferece ganhos metabólicos e fisiológicos profundos. Um dos principais é a melhora na eficiência cardiorrespiratória: mesmo sem elevar tanto a frequência cardíaca, o corpo passa a bombear mais sangue e oxigênio por batimento, otimizando o uso de energia e retardando a fadiga.
Além disso, correr devagar estimula o organismo a utilizar gordura como principal fonte de energia, economizando glicogênio (a reserva rápida de carboidrato dos músculos), o que é especialmente útil em treinos e provas longas, como maratonas.
Leia mais: Entenda como funcionam as zonas de treinamento na corrida
Pense no seu condicionamento como uma pirâmide: quanto mais sólida e larga for a base, mais alto você pode construir. Essa base é justamente o que os treinos leves fortalecem. Segundo estudos, corredores que fazem a maior parte dos treinos em baixa intensidade (zona 2) têm ganhos aeróbicos maiores do que os que priorizam apenas treinos de alta intensidade.
Inclusive, atletas como Eliud Kipchoge, um dos maiores maratonistas da história, seguem essa lógica. Cerca de 80% do treinamento dele é feito em ritmo leve, enquanto apenas 20% é reservado para treinos mais pesados. Essa proporção 80/20 é usada como referência por muitos treinadores de corrida ao redor do mundo.
De acordo com Emídio Peres, educador físico especializado em fisiologia do exercício, os benefícios dos treinos leves valem para todos os níveis. No caso dos iniciantes, eles são ainda mais importantes para garantir adaptação segura ao impacto da corrida.
O iniciante não tem estrutura muscular e articular preparada, então precisa de mais descanso entre os treinos”, afirma.
Já corredores mais experientes conseguem treinar quase todos os dias, desde que os treinos sejam bem periodizados — e, nesse contexto, os dias de treino leve são fundamentais para a recuperação ativa. Eles ajudam a manter o corpo em movimento sem causar estresse excessivo, permitindo que os treinos de intensidade sejam feitos com mais qualidade.
Alguns dos principais benefícios de correr leve incluem:
Treinar em intensidade baixa também pode ser uma oportunidade de trabalhar aspectos técnicos da corrida, como a postura, a cadência e o apoio do pé. Sem a pressão do ritmo forte, o corredor tem mais consciência corporal e pode corrigir erros que, em alta velocidade, passam despercebidos.
A forma mais prática de controlar a intensidade é o teste da fala: se você consegue manter uma conversa durante a corrida sem ficar sem fôlego, está na zona certa. Caso tenha um monitor de frequência cardíaca, mantenha-se entre 60% e 70% da sua frequência máxima. Por exemplo, uma pessoa de 40 anos teria uma FCM estimada de 180 bpm. Assim, o treino leve deve ser feito entre 108 e 126 bpm.
Siga essas dicas para acertar na hora de "correr fofo"
Lembrando que além dos ganhos físicos, correr devagar também pode melhorar a relação com o esporte. A corrida em ritmo leve diminui o estresse, melhora o humor e aumenta o prazer durante a prática. Para muitos, isso representa um resgate do que motivou o início no esporte: correr por prazer, e não por obrigação.
Quem quer correr mais rápido precisa, paradoxalmente, aprender a correr mais devagar. Os treinos leves não são um obstáculo ao desempenho — são o alicerce sobre o qual se constrói a performance. Eles desenvolvem a base aeróbica, otimizam a capacidade metabólica, preservam o corpo de lesões e melhoram a qualidade dos treinos intensos.
Se você tem um objetivo ambicioso, abrace a ideia de “correr fofo”. No final das contas, é o equilíbrio entre esforço e leveza que transforma um corredor comum em um corredor consistente e duradouro.
Fausto Fagioli Fonseca
Formado em jornalismo e pós-graduado em jornalismo esportivo, atua na área de esportes e saúde desde 2008. @faustoffonseca