Como é que assistir vídeos pornográficos afeta a mente e as emoções de um jovem adulto? E será que esse impacto é diferente para quem faz uso pesado de pornografia, um problema bastante relatado desde que a internet facilitou o acesso a esse tipo de conteúdo?
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Chengdu, na China, decidiram investigar as questões acima. Para isso, eles realizaram um estudo detalhado, embora pequeno, dada a dificuldade de encontrar usuários pesados de pornografia que admitissem a situação e aceitassem participar de uma pesquisa em laboratório sobre o tema.
Os resultados, embora limitados pelo tamanho da amostra, podem dar uma ideia de como o uso frequente de pornografia afeta o funcionamento do cérebro, as respostas emocionais e a performance cognitiva, ou seja, em tarefas que exigem atenção e controle mental.
Embora muitos pesquisadores já tenham especulado que o uso problemático de pornografia compartilha semelhanças com outros tipos de dependência, os mecanismos cerebrais envolvidos nisso ainda não eram totalmente compreendidos. Esse foi outro incentivo para fazer o estudo.
Um dos diferenciais do trabalho é que os pesquisadores utilizaram uma técnica de captura de imagem não invasiva, chamada espectroscopia funcional por infravermelho próximo, ou fNIRS. Ao contrário da ressonância magnética, esse equipamento é portátil, silencioso e permite um comportamento mais natural de quem está sendo examinado.
O fNIRS mede a atividade cerebral rastreando alterações nos níveis de oxigênio no sangue. Essas mudanças refletem a atividade dos neurônios, permitindo aos pesquisadores monitorar como diferentes regiões do cérebro funcionam durante tarefas ou estímulos, como assistir a vídeos ou resolver problemas.
A pesquisa contou com 16 estudantes universitários saudáveis que relataram baixo uso de pornografia e cinco estudantes que atendiam aos critérios de uso problemático. Todos eles eram heterossexuais, não apresentavam transtorno por uso de substâncias, nem outras condições que poderiam interferir na atividade cérebral durante os testes.
Todos foram orientados a se abster da masturbação durante período experimental, que envolveu várias etapas. Primeiro, os participantes fizeram um teste cognitivo comum. Depois, assistiram a um vídeo pornográfico de dez minutos, escolhido pelo alto número de visualizações.
Enquanto assistiam ao vídeo, os pesquisadores usaram o fNIRS para medir mudanças na conectividade cerebral. Além disso, medidas como frequência frequência cardíaca, pressão arterial e saturação de oxigênio, foram registradas juntamente com expressões faciais, usando um software automatizado.
Após assistir ao vídeo, os participantes realizaram novamente o teste cognitivo e preencheram três questionários psicológicos que avaliam o uso de pornografia, ansiedade e depressão.
Os dados, publicados recentemente no periódico Frontiers in Human Neuroscience, trazem informações relevantes sobre como o consumo frequente de pornografia na internet pode afetar o funcionamento do cérebro, as respostas emocionais e o desempenho cognitivo.
Os resultados mostraram diferenças notáveis entre os dois grupos. Veja os principais deles:
- Os usuários menos frequentes de pornografia apresentaram maior conectividade em áreas cerebrais relacionadas ao processamento da linguagem, coordenação de movimentos e percepção sensorial.
- Em contraste, os usuários de alta frequência exibiram maior conectividade em regiões ligadas a funções executivas, frequentemente associadas tanto à dependência quanto à regulação emocional.
- Os participantes do grupo de alta frequência também demonstraram sinais mais fortes de excitação fisiológica e emocional. Suas expressões faciais indicaram níveis mais altos de prazer e felicidade, mas também maior variação emocional, incluindo sinais de raiva e tristeza.
O grupo de baixa frequência apresentou expressões emnocionais mais diversas e reativas — incluindo surpresa, medo e nojo — enquanto o grupo de alta frequência mostrou-se mais emocionalmente apático, com expressões mais vazias ou neutras. Esse achado reforça a ideia de que a exposição repetida a conteúdo explícito pode diminuir a sensibilidade emocional.
- Após assistirem ao vídeo, o desempenho cognitivo caiu nos dois grupos — mas a queda foi mais acentuada no grupo de alta frequência. Esses estudantes tiveram tempos de reação mais lentos, tanto em comparação com os próprios resultados antes de ver o vídeo, quanto em relação ao outro grupo.
- Os resultados acima sugerem que o uso intenso de pornografia faz com que, após a exposição, há um prejuízo (ainda que temporário) à capacidade de regular a atenção e lidar com informações conflitantes.
- O grupo de alta frequência obteve pontuações significativamente mais altas nos questionários que medem ansiedade e depressão.
- O resultado acima ecoa pesquisas anteriores que associam o consumo excessivo de pornografia ao sofrimento emocional, embora seja difícil apontar o que vem primeiro.
- Certos padrões de atividade cerebral observados no grupo de alta frequência se assemelham aos vistos em indivíduos com transtornos por uso de substâncias. Isso sugere que o uso pesado de pornografia pode causar alterações no cérebro parecidas com quem tem outros tipos de dependência.
- A atividade do sistema nervoso parassimpático (aquele que a gente não controla) foi elevada durante o vídeo, refletida por medidas como menor frequência cardíaca e maior variabilidade da frequência cardíaca. Essas mudanças são semelhantes aos padrões observados em indivíduos que usam drogas opioides, conhecidas por gerar sensações de euforia, calma e diminuição da percepção.
Em resumo, os estudantes que relataram uso mais frequente de pornografia apresentaram padrões alterados de conectividade cerebral ao assistir a material explícito, respostas fisiológicas e emocionais intensificadas, além de um desempenho pior em uma tarefa de controle cognitivo, em comparação com aqueles que usavam pornografia com menos frequência.
A psicoterapia é considerada o principal tratamento para o uso problemático de pornografia. Mas outras intervenções têm sido propostas, como uso de medicamentos hormonais e drogas normalmente usadas para tratar comportamentos obsessivo-compulsivos.
Os resultados desse estudo levantam a possibilidade de que tratamentos desenvolvidos para dependência química também possam ser relevantes no manejo do uso excessivo de pornografia, embora esse ainda seja um tema em debate.
Como em toda pesquisa, porém, há limitações que devem ser consideradas, como o tamanho pequeno da amostra. Mais estudos são necessários para confirmar os resutltados.
De qualquer forma, quem sente que o consumo de pornografia está atrapalhando sua vida deve procurar ajuda de um profissional especializado em saúde mental.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin