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Visibilidade Trans: o que você pode fazer (mesmo sendo cisgênero)

Diogo Almeida é o convidado especial da coluna de hoje (Dia Nacional da Visibilidade Trans) - Arquivo Pessoal
Diogo Almeida é o convidado especial da coluna de hoje (Dia Nacional da Visibilidade Trans) - Arquivo Pessoal

Diogo Almeida (convidado especial) Publicado em 29/01/2021, às 09h00

Neste Dia Nacional da Visibilidade Trans, ninguém melhor para escrever esta coluna do que um trans. Por isso eu abro este espaço para um convidado muito especial, o Diogo Almeida:

Em 29 de janeiro 2004 foi lançada a campanha “Travesti e Respeito”, na qual um grupo formado por 27 ativistas travestis, mulheres e homens trans adentraram o Congresso Nacional e distribuíram panfletos de conscientização com a mensagem “Travesti e respeito: já está na hora de os dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida.”

A campanha foi promovida pelo Ministério da Saúde e elaborada por militantes do movimento social organizado de travestis e transexuais. O foco da campanha era atingir 4 grandes frentes: escolas, serviços de saúde, comunidade e clientes das travestis e transexuais profissionais do sexo. 

É importante ressaltar que essa foi a primeira campanha nacional voltada para a população transgênero e que foi articulada pela mesma, por isso hoje esta data tão importante ficou marcada como o dia da visibilidade trans no Brasil.

Desde então, a realidade vivenciada pelas identidades trans passou por algumas mudanças. Conquistamos espaço na mídia, o que traz à tona pontos positivos que a visibilidade e a representatividade proporcionam. Corpos trans sendo exibidos em filmes, novelas e séries nos apresentam à sociedade da forma que somos, trazendo naturalidade à nossa existência.

Conquistas a serem celebradas

Existem outros pontos que precisamos celebrar neste momento, reconhecendo a luta das travestis e pessoas trans que estiveram à frente dos movimentos sociais nos últimos anos, enfrentando diversas barreiras para que hoje possamos ter mais cidadania.

Algumas das conquistas que pudemos celebrar nos últimos anos foram:

  • Desde 2018 é possível realizar a alteração de nome e gênero no registro civil sem autorização judicial. O processo, que antes era feito por intermédio de ume advogade e ficava aguardando pela aprovação de ume juize, agora é feito diretamente no cartório de registro civil.
  • O Processo Transexualizador do SUS tem muito espaço para melhorias, mas ninguém pode negar que é uma grande conquista. O Processo foi instituído em 2008 e passou por uma ampliação importante em 2013, quando passou a abranger o público das travestis e os homens trans. Nele é ofertado aos usuários da saúde pública um serviço multiprofissional, com atendimentos terapêuticos, hormonais e cirúrgicos.
  • As candidaturas políticas de travestis e pessoas trans estão ganhando volume e potência. Em 2020 foram 294 candidaturas e 30 pessoas foram eleitas. Quando temos pessoas que representam a real sociedade brasileira atuando nos órgãos públicos, passamos a ter mais políticas públicas atingindo diretamente nossa população, esta é uma teoria  denominada burocracia representativa.

País líder em transfobia

Acreditem ou não, se eu pudesse, gostaria que todo este texto fosse uma grande lista de conquistas recheada de motivos para que o dia da visibilidade trans seja um grande dia de festas e celebrações. Mas, vivemos no país que lidera o ranking como o país que mais mata travestis e pessoas trans.

Para entender melhor ao que está sujeita nossa população, precisamos visualizar os resultados da transfobia:

  • 82% da população trans sofre com a evasão escolar, de acordo com pesquisa conduzida pelo defensor público João Paulo Carvalho Dias, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
  • Apenas 0,1% de 424 mil estudantes matriculados nas universidades federais se declara trans, de acordo com pesquisa realizada pela Andifes.
  • 0,02% das pessoas trans têm acesso ao ensino superior, de acordo com dados do Projeto Além do Arco-Íris criado pelo grupo cultural Afroreggae.
  • 4% dos transgêneros possuem trabalho formal, conforme matéria apresentada no Jornal Globo News.
  • 90% das travestis e mulheres trans estão na prostituição de acordo com dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
  • Estima-se que entre 42% e 46% da população trans já tentou suicídio, contra 4,6% da população em geral, de acordo com dados divulgados pela Antra. Para homens trans, o índice é de 66,4% de acordo com a pesquisa “Os Homens Trans no Brasil: as políticas públicas e a luta pela afirmação de suas identidades”, de Roberto Cezar Maia de Souza.

O que você pode fazer?

É comum que diante dessas informações você se questione: tá, e o que eu posso fazer sobre isso? 

Se isso passou pela sua cabeça, boa! Já temos um grande caminho andado por aí, isso demonstra que você se colocou no lugar de uma pessoa que está sujeita a todos os dados aí em cima e outras coisas mais.

Vamos lá, vou trazer aqui algumas dicas e reflexões que podem te levar a colocar a mão na massa e aproveitar o dia da visibilidade trans para trazer mais cidadania para nós.

  • Existem pessoas abertamente trans no seu ambiente de trabalho? Se não, por que você acredita que elas não ocupam esse espaço atualmente? O que você pode fazer para mudar isso?
  • Sua organização já se posicionou abertamente sobre alguma pauta LGBT+?
  • Existe envolvimento de diretores ou pessoas de ocupações estratégicas na temática de diversidade ou o assunto fica restrito a alguma área?
  • Busque disseminar e introduzir o tema da diversidade. Sabe aquele quadro de avisos que anda um pouco abandonado? Que tal colocar um comunicado sobre o Decreto 8.727 de 2016 que dispõe sobre respeito ao uso do nome social? O que acha de colocar placas inclusivas nos banheiros? Aliás, já pensou se os banheiros precisam mesmo ser divididos por gênero?
  • Traga o olhar da naturalidade. Que tal citar pessoas trans como exemplos em reuniões, usar seus corpos em fotos, utilizar pesquisas realizadas por pessoas trans, usar o termo cisgênero para representar pessoas que não são transgênero? (encontre aqui uma lista de produções teóricas e literárias redigidas por pessoas trans)
  • Você também pode atuar com mais praticidade, trazendo workshops, palestras, eventos sobre diversidade. Convide pessoas trans para facilitarem e participarem desses espaços.
  • Vamos lá, eu duvido que você não tenha algum conhecimento que possa compartilhar. Que tal aulas de inglês online para pessoas trans? E aquele curso que você fez, se você colocar o que aprendeu num documento e compartilhar na internet?
  • Aquele seu hobby, o que acha de criar um workshop sobre jardinagem? Costura, crochê, desenho, culinária, dança… Tudo isso pode ser inspirador na vida de uma pessoa transgênero.
  • Se você dá aulas ou tem acesso à alguma instituição de ensino, o que acha de sugerir a criação de vagas gratuitas para pessoas trans?
  • O formato de acesso à saúde para pessoas trans pode acontecer de forma diferente, já que esses corpos fogem dos padrões de gênero. Um homem trans, por exemplo, pode ser atendido por ginecologistas. Se  você é ou conhece algum profissional da saúde é importante garantir que a pessoa esteja alinhada sobre o uso de pronomes e diversidades corporais.
  • Grande parte do sofrimento psíquico vivenciado por transgêneros não vem de um sentimento de desconforto com o próprio corpo, que pode ou não acontecer, mas sim da transfobia experienciada por nossas identidades que reflete diretamente na nossa saúde, trazendo fobias sociais e diversos quadros depressivos.
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Ccampanha de 2004 promovida pelo Ministério da Saúde e elaborada por militantes do movimento social organizado de travestis e transexuais (Crédito: Ministério da Saúde)

Vá em busca de pessoas que você conhece e sabe que são próximas da diversidade e da causa LGBT+, elas podem te indicar instituições regionais, coletivos, grupos de apoio e associações que estão próximas da população trans. Esses locais podem ser ótimas opções para que você entre em contato e descubra quais são as necessidades atuais e como pode apoiar.

Se você não conhece ninguém que seja próximo de pautas de diversidade e causas LGBT+ (tá na hora de rever as pessoas próximas, ein) não tem problema. Existem alguns links que podem te dar um empurrãozinho:

Casa 1

Rede Cidadã

Transcendemos

Transempregos

Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais

Casa Florescer

Violência estrutural

A transfobia é um ato de violência estrutural, ou seja, ela acontece em camadas. Isso significa que para chegarmos ao ponto de uma pessoa trans ser assassinada por ser quem ela é, existiram camadas de transfobia anteriores à este momento, onde por exemplo, foi naturalizado que a existência da nossa população é motivo de piada.

Se você é uma pessoa cisgênero é muito provável que frequente espaços onde poucas ou nenhuma pessoa trans está presente, pode ser o seu trabalho, uma instituição de ensino ou até mesmo encontros familiares. Provavelmente, em algum momento, você vai presenciar casos de transfobia nesses espaços. 

É muito importante que você se posicione nessas situações, conscientizando outras pessoas de que essas microviolências, que muitas vezes podem estar disfarçadas de piadas, desumanizam, causam sofrimento, perpetuando dores que podem levar à suicídios e assassinatos.

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* Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo