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O paciente LGBTQIA+ no pronto atendimento

Pessoas LGBTQIA+ vivem com receio de sofrerem discriminação, por já terem vivenciado isso antes - iStock
Pessoas LGBTQIA+ vivem com receio de sofrerem discriminação, por já terem vivenciado isso antes - iStock

O pronto atendimento costuma ser um lugar bastante hostil e estressante para qualquer pessoa. Longos períodos de espera, dores, enjoos, ansiedade pela condição que te fez procurar o atendimento ou de algum familiar contribuem para que essa experiência seja bastante traumatizante no geral. Sendo LGBTQIA+, essa experiência pode se tornar ainda pior, motivo pelo qual muitas dessas pessoas hesitam em procurar atendimento quando realmente precisam.

Desrespeito ao nome social e aos pronomes logo no cadastro ou na triagem, brincadeiras, piadas e hostilização por profissionais ou por outras pessoas na fila de espera, presunção de heterocisgeneridade, estigmatização durante o atendimento com a solicitação de exames (sorologias para HIV e outras IST) ou especialidades (infectologistas) sem a real necessidade são alguns exemplos de violência que o paciente LGBTQIA+ pode sofrer no pronto atendimento.

Como podemos agir para tentar minimizar essas agressões, além de educar profissionais para que haja uma mudança na atitude frente a esse perfil de paciente?

Exigência do nome social e pronomes corretos

O uso do nome social é obrigatório desde a regulamentação da Portaria Nacional de Saúde Integral LGBT em 2011 no Brasil. Mesmo que ainda não tenha sido feita a retificação dos nomes em cartório. Basta comunicar o profissional responsável pelo seu cadastro nos prontuários e documentos da instituição. Corrigir o profissional que não te chama pelo nome ou pronomes corretos (eu sei que ficar fazendo isso todo o tempo cansa…) também ajuda a educá-los. Caso esse desrespeito continue, denuncie. Normalmente há algum canal de atendimento ao paciente para que sejam feitas essas denúncias.

Questione exames e procedimentos que julgar desnecessários

Muitas pessoas LGBTQIA+ podem vivenciar algum tipo de exposição desnecessária durante o atendimento. Muitas vezes um exame mais íntimo de partes do corpo que não estão relacionadas à queixa que te levou ao atendimento deve ser justificado pelo profissional e caso não se sinta confortável, negue ou questione tal atitude. Você não precisa aceitar qualquer conduta por ser um médico ou outro profissional de saúde. É um direito à privacidade e que não pode ser violado. Questione também a solicitação de exames que julgar improcedente, como sorologias para infecções sexualmente transmissíveis e HIV, sem a sua prévia autorização e com uma justificativa plausível para que tais exames sejam solicitados no pronto atendimento.

A saída do armário deve ser uma opção sua e não do profissional

Assumir sua orientação sexual ou identidade de gênero durante uma consulta é sempre desejável, mas não obrigatório. Muitos médicos e outros profissionais costumam presumir a heterocisgenereidade e evitam tocar nesse assunto por considerá-los “sensíveis” ou “constrangedores”. A partir do momento que você deixa claro que você é casado ou namora, você deve exigir que chamem a pessoa que está com você de namorado(a) ou esposo(a), e não de “companheiro”, “amigo” ou “parceiro”. Se você estiver levando seu filho, é importante dizer que vocês são homoparentais, ou seja, dois papais ou duas mamães. Caso não seja do seu desejo que sua orientação sexual seja revelada, o profissional de saúde não está autorizado a fazer, por exemplo quando for dar uma notícia a algum familiar ou amigo sobre sua condição de saúde. Se isso ocorrer, também é passível de denúncia ou reclamação.

Não deixe que experiências prévias afetem o cuidado com a sua saúde

Mesmo com todos esses cuidados, as agressões vão continuar ocorrendo. As pessoas LGBTQIA+ vivem sob um constante receio de sofrerem algum tipo de discriminação, tendo em vista já terem vivenciado isso em outros atendimentos, na rua, no trabalho e em nossas casas. Esse receio acaba por afastar e retardar a procura pelo atendimento quando mais precisam, prejudicando ainda mais um agravo à sua saúde.

Profissionais também precisam deixar de lado esse discurso do não: “NÃO perguntar sobre sexualidade ou identidade”, “NÃO respeitar nomes e pronomes”, “paciente NÃO procurou atendimento porque NÃO quis”. Isso equivale a fechar os olhos para os reais problemas e para o universo em que essas pessoas vivem e contribui em muito para perpetuar o preconceito.

Quando procuramos um pronto atendimento já estamos suficientemente fragilizados e sofrer violência e LGBTfobia nesse momento deveria ser algo inadmissível. Não é obrigação do paciente educar, mas certas atitudes podem, sim, contribuir para que haja essa mudança no respeito e na empatia com os profissionais que trabalham nesses locais ao atender esse perfil de paciente.

Vinícius Lacerda (cirurgião do aparelho digestivo)

Vinícius Lacerda (cirurgião do aparelho digestivo)

Médico cirurgião do aparelho digestivo. Instagram e Twitter: @drvinilacerda