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A saída do armário e a segunda adolescência das pessoas homossexuais

Maior aceitação da sociedade fez idade média para "sair do armário" cair - iStock
Maior aceitação da sociedade fez idade média para "sair do armário" cair - iStock

Bruno Branquinho* Publicado em 19/07/2022, às 11h00

O processo de “saída do armário”, expressão que marca o momento em que uma pessoa homossexual consegue se reconhecer e se mostrar aos outros como tal, é individual e específico. Cada pessoa o faz (quando o faz) do jeito que quer e consegue.

Quando sair do armário?

Tem gente que sai do armário na adolescência; tem gente que apenas na vida adulta; tem gente que é forçada a sair do armário por outras pessoas (nota: isso NUNCA deve ser feito por outros, a revelação da orientação sexual deve ser feita pela própria pessoa quando e se ela quiser e se sentir pronta); e muitas pessoas passam a vida sem conseguir viver sua verdadeira orientação sexual de forma livre, muito por conta do preconceito e do medo de julgamentos e violências.

De acordo com uma pesquisa da Stonewall, uma organização americana de defesa dos direitos LGBTQIA+, a idade média em que as pessoas saem do armário caiu drasticamente nas últimas décadas. Para as pessoas que têm entre 18 e 30 anos hoje, a idade média de se reconhecer e dizer aos outros que é homossexual é entre 17 e 21 anos, enquanto para as pessoas com mais de 60 anos, a idade média é de 37 anos. Isso se deve provavelmente aos avanços na discussão em relação à população LGBTQIA+ e seus direitos e à maior aceitação da sociedade hoje em dia em relação a orientações sexuais diferentes da heterossexualidade.

E para as pessoas que já são adultas/mais velhas e ainda não saíram do armário, isso pode ser mais complicado. Muitas vezes essas pessoas já tiveram relacionamentos longos com pessoas do outro sexo, podem até ter tido filhos, já não se sentem mais jovens pra frequentar baladas ou mesmo se sentem menos atraentes em relação às pessoas mais jovens. Tudo isso pode dificultar ainda mais o processo de saída do armário e a vivência de sua sexualidade.

Segunda adolescência

Após saírem do armário, gays e lésbicas podem viver um fenômeno interessante, às vezes chamado de “segunda adolescência”.

A adolescência é uma fase de experimentação e de formação. É nela que o indivíduo vai fazer descobertas em relação a seus gostos, sua identidade, viver experiências com relações de amizade, amorosas e também descobrir e entender formas de viver sua sexualidade.

No entanto, muitos gays e lésbicas sentem que não viveram suas adolescências de forma a conseguir fazer tudo isso. Como não entendiam ou tinham que esconder seus sentimentos e gostos, não viveram as experiências que pessoas cis e heterossexuais vivem corriqueiramente nesse período - o primeiro beijo com alguém por quem você realmente está atraído, o primeiro namoro, a primeira relação sexual, apresentar parceiros pra família e amigos. E as experiências não se resumem à parte amorosa e sexual - muitas vezes sofreram retaliações por gostar ou querer coisas que não correspondem ao ideal heteronormativo, desde roupas a programas de TV e ídolos. Não é incomum ouvir coisas do tipo “não pode, isso é coisa de viado”, inclusive no âmbito familiar.

Então, após se sentirem mais confortáveis com sua sexualidade e saírem do armário, não é difícil de entender que gays e lésbicas queiram viver, na idade adulta, tudo que não pôde ser vivido durante sua primeira adolescência, no maior estilo “agora vou recuperar tudo que eu perdi lá atrás”.

No entanto, duas coisas precisam ser levadas em conta: primeiramente que, junto com todo processo de descobertas e experimentações, também pode haver a outra parte do comportamento adolescente - riscos e inconsequências. Além disso, mesmo que não tenham vivido isso na “idade certa”, essas pessoas já estão na vida adulta, com empregos e responsabilidades, e esse processo pode acabar trazendo repercussões negativas a alguns campos da vida dessa pessoa.

Sair várias vezes na semana, atrasar para compromissos, dormir pouco ou gastar além da conta pode não ter impactos tão negativos na vida de um adolescente, até por ser uma fase em que se espera mais comportamentos impulsivos e irresponsáveis e os pais estão lá para supervisionar e amparar, mas para uma pessoa adulta isso já pode trazer impactos negativos mais importantes.

O que fazer?

É importante ressaltar que esse sentimento de que perdeu muitas coisas que poderiam ter sido vividas lá atrás é super justo e válido, não há nada de errado em lamentar e pensar que as coisas poderiam ter sido melhores e mais fáceis.

Frequentar ambientes LGBTQIA+, conhecer novas pessoas, entender quais são seus gostos e preferências, celebrar sua diversidade e sua identidade são pontos super positivos e que podem ajudar você a viver mais feliz e satisfeito.

Entretanto, vale lembrar sempre que as atitudes e experiências não precisam seguir o padrão da adolescência com irresponsabilidade e se pondo em risco. A vantagem de ser adulto também é essa - saber estabelecer mais precisamente seus limites e pesar melhor suas decisões.

*Bruno Branquinho é médico psiquiatra