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Aquendar ou não aquendar, eis a questão

Esconder os genitais é até uma questão de saúde mental para pessoas com disforia de gênero - iStock
Esconder os genitais é até uma questão de saúde mental para pessoas com disforia de gênero - iStock

Marcelo Magalhães* Publicado em 09/11/2021, às 14h51

Pequenos mestres da anatomia genital: esta é uma das qualidades de uma pessoa com pênis que precisa aquendar, esconder os genitais. Uma das artes mais usadas para isto, em resumo, trata-se da técnica em que os testículos são colocados no canal inguinal (dentro da virilha), enquanto o pênis e a bolsa escrotal são puxados e fixados para trás, entre as nádegas, com uma fita adesiva. Embora aquendar possa ser considerada até uma questão de saúde mental para pessoas com disforia de gênero, por exemplo, alguns riscos podem estar envolvidos neste processo, por isso ficam os seguintes alertas:

1) Dor, trauma ou torção testicular. Sabia que os testículos se desenvolvem dentro do abdome e descem para seu devido lugar à época do nascimento? O caminho por onde ocorre esta passagem é o que chamamos de canal inguinal, um espaço que persiste a vida inteira e onde é possível esconder os testículos para aquendar. Mas por ser um caminho estreito e de difícil acesso, o risco, aqui, é o de acabar machucando ou mesmo causando uma torção do órgão, situações que pode causar dor, hematomas ou mesmo a necessidade de uma cirurgia de emergência. O posicionamento dentro canal deve ser feito de forma bastante cuidadosa, mas com o tempo e a prática, estes riscos diminuem de forma considerável;

2) Irritações e infecções de pele. Permanecer com o pênis e o saco entre as nádegas causa atrito entre as partes, enquanto usar fita adesiva pode levar à irritação, alergia e microtraumas quando a mesma é retirada. Tudo isto favorece o surgimento de inflamações ou mesmo infecções da pele. Para tanto, deixar a área sempre limpa, seca e depilada e o uso de fitas menos traumáticas e hipoalergênicas podem minimizar tais questões. Além disso, desaquendar de tempos em tempos para liberar a circulação sanguínea e arejar a região ajuda na prevenção destes problemas;

3) Infecções e problemas urinários: aquendar e desaquendar parece dar um trabalhão, não é? E dá mesmo. Por este motivo, beber menos líquidos e segurar a urina são medidas comuns, o que pode levar à desidratação e à urina parada nestes órgãos, favorecendo infecções e problemas no funcionamento da bexiga e rins. A proximidade do canal urinário com o ânus, pela posição aquendada, também favorece a entrada de bactérias que causam não apenas infecção urinária, mas infecções na glande, prepúcio, próstata e testículos, as chamadas balanopostites, prostatites e orquiepididimites. Manter o pênis sempre limpo e seco evita infecções na glande e prepúcio. Não segurar a urina e não deixar a bexiga cheia por mais de 2 a 3 horas pode evitar os demais transtornos: lembre-se que o próprio fluxo de urina lava internamente a bexiga e nossos canais internos de micro-organismos diversos;

4) Infertilidade. Pode ser uma questão para quem tem o desejo de ter filhos biológicos. Lembra da história que os testículos se desenvolvem dentro do abdome, mas vão para fora no nascimento? Então, isto acontece porque a nossa temperatura interna é mais alta e os testículos não funcionam bem em temperaturas quentes. Aquendar deixa os testículos com a temperatura maior por ficarem mais próximos do corpo e isto pode comprometer o funcionamento tanto para a produção hormonal, quanto para a produção de espermatozoides. Infelizmente não existe uma regra do tempo máximo “permitido” ou quantos anos são necessários para que ocorra tal comprometimento; o recomendado aqui é o acompanhamento médico regular ou mesmo o congelamento de esperma, para quem a fertilidade é importante.

Aquendar ou não aquendar? Aquende!! Em especial num país onde ainda é muito difícil conseguir a cirurgia de afirmação de gênero, aquendar é uma questão de bem-estar emocional. No entanto, lembre-se de sua saúde física também: conheça o teu corpo, siga tais cuidados e respeite alguns limites, ok?

*Marcelo Magalhães

Médico Urologista – CRM/SP 202.111