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Semelhanças mínimas podem fazer você sentir atração por alguém

Será que pessoas com interesses em comum compartilham a mesma essência? - iStock
Será que pessoas com interesses em comum compartilham a mesma essência? - iStock

Muita gente acredita que os opostos se atraem, mas, na prática, são os interesses em comum que levam as pessoas a estabelecerem um relacionamento. Segundo pesquisadores, porém, a atração que sentimos por quem compartilha algo em comum conosco pode ser baseada em uma crença equivocada: a de que, no fundo, temos a mesma "essência".

A pesquisa, publicada pela American Psychological Association, sugere que o desejo de estar com quem possui atributos semelhantes aos nossos pode ser, basicamente, uma ilusão. O autor principal do estudo, Charles Chu, PhD e professor da Universidade de Boston, tenta explicar isso de maneira mais concreta:

Gostamos de alguém que concorda conosco em uma questão política, compartilha nossas preferências musicais ou simplesmente ri da mesma coisa que nos faz rir (...) porque essas semelhanças sugerem algo mais – essa pessoa é, na essência, como eu”.

Mania de colocar tudo em "caixinhas"

Chu explica que as pessoas tendem a “essencializar” muitas coisas: desde colocar espécies animais em uma mesma categoria, como agrupar as pessoas de acordo com raça e gênero, por exemplo. Isso é algo que pode ser observado em praticamente todas as culturas.

“Essencializar algo é definir esse algo por meio um conjunto de propriedades profundamente enraizadas e imutáveis, ou uma essência”, continua o pesquisador. Um lobo, por exemplo, compartilha uma essência com outros lobos: o focinho pontudo, os dentes afiados, as caudas peludas, a agressividade e a tendência a andar em grupo. Assim, mesmo que um filhote de lobo seja criado por ovelhas, ele vai continuar sendo um lobo e, em algum momento, vai exibir as características de seus semelhantes, ou seja, sua essência.

Meu "self", ou quem eu sou na essência

Psicólogos costumam se referir à essência que cada pessoa possui com o termo “self”. E, de acordo com a pesquisa de Chu e seus colegas, todos nós também temos a tendência a “essencializar o self”. Em outras palavras, ao tentar definir quem somos para alguém, pensamos num conjunto de características enraizadas e imutáveis. Achar alguém que compartilha esses mesmos atributos, portanto, equivale a achar alguém que compartilha a nossa essência. 

Para entender como esse fenômeno, chamado de "autoessencialismo",  pode determinar a atração que sentimos por outras pessoas, a equipe conduziu uma série de experimentos, descritos no trabalho publicado no Journal of Personality and Social Psychology.

Em um deles, 954 participantes foram questionados sobre sua posição em relação a determinadas questões sociais polêmicas, que foram atribuídas aleatoriamente: aborto, pena de morte, posse de armas, testes em animais ou suicídio assistido por médicos.

Metade dos participantes leu sobre outro indivíduo que concordou com sua posição, enquanto a outra metade leu sobre um indivíduo que discordou de sua posição. Todos os participantes, então, preencheram um questionário sobre o quanto julgavam compartilhar uma visão geral do mundo com o indivíduo fictício, seu nível de atração por essa pessoa e suas crenças gerais sobre sua própria essência.

Os pesquisadores descobriram que os participantes com pontuação alta no autoessencialismo eram mais propensos a expressar uma atração pelo indivíduo fictício que concordava com sua posição, e a relatar que ambos tinham uma mesma percepção geral da realidade.

Confira:

Preferência artística pode "dar match"?

Um experimento semelhante, envolvendo 464 participantes, encontrou os mesmos resultados para um atributo compartilhado muito simples: a propensão a superestimar ou subestimar o número de pontos coloridos em uma série de slides no computador. Ou seja, a crença em um “eu essencial” levou as pessoas a assumir que apenas uma única dimensão de similaridade – acertar ou errar na estimativa de pontos – pode indicar que duas pessoas veem o mundo da mesma forma. E isso, é claro, gerava mais atração.

Em outro experimento, 423 participantes viram oito pares de pinturas e tinham que dizer qual o par preferido. Com base nas respostas, eles foram identificados como fãs do artista suíço-alemão Paul Klee ou do pintor russo Wassily Kandinsky. Metade de cada grupo de fãs foi, então, informado de que a preferência artística fazia parte de sua essência; a outra metade foi informada de que essa conexão não existe. Depois disso, todo mundo foi exposto a dois indivíduos hipotéticos: um deles tinha a mesma preferência artística e o outro, uma preferência diferente.

Os participantes informados de que a preferência artística estava ligada à essência de cada um eram significativamente mais propensos a expressar uma atração pela pessoa fictícia que compartilhava sua própria preferência. Um experimento final parecido, com 449 participantes, reforçou essa descoberta.

Cuidado com generalizações...

Chu conta que ficou muito surpreso ao descobrir que detalhes tão específicos podem levar as pessoas a perceberem que outro indivíduo vê o mundo da mesma maneira que elas. “Acho que sempre que fazemos julgamentos rápidos ou 'primeiras impressões' com muito pouca informação, é provável que sejamos afetados pelo raciocínio autoessencialista”, afirma.

Embora essa tendência tenha um benefício inegável – estimular o interesse em estabelecer conexões, além de incentivar amizades, namoros e casamentos, o pesquisador lembra que seres humanos são muito mais complexos do que imaginamos. Ter isso em mente pode evitar decepções com parceiros românticos e até com amigos. 

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Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin