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Por que algumas pessoas adoram vídeos de estourar espinhas?

Para alguns, assistir a esses vídeos é semelhante a ver um filme de terror ou andar em uma montanha-russa - iStock
Para alguns, assistir a esses vídeos é semelhante a ver um filme de terror ou andar em uma montanha-russa - iStock

Redação Publicado em 16/03/2024, às 10h00

Não é nenhum segredo que vídeos nojentos de espinhas sendo estouradas, cistos sendo cortados e cravos sendo banidos da pele de pessoas reais são uma sensação na Internet. Sandra Lee – uma dermatologista americana mais conhecida online como Drª Pimple Popper – pode atestar isso com seus mais de três milhões de assinantes no YouTube e seu programa de televisão "Drª Sandra Lee - A rainha dos cravos".

Ela declarou achar que assistir a esses vídeos é semelhante a ver um filme de terror ou andar em uma montanha-russa para alguns. Isso porque a pessoa sente uma onda de euforia e excitação. Embora essa explicação possa não se aplicar a todos, a comparação da montanha-russa pode estar no caminho certo, segundo Daniel Kelly, professor de filosofia na Universidade de Purdue, em Indiana, Estados Unidos, e autor do livro "Yuck!: The Nature and Moral Significance of Disgust" (Eca!: A Natureza e o Significado Moral do Nojo – em tradução livre). A diferença é que, enquanto as montanhas-russas e os filmes de terror oferecem um espaço seguro para lidar com o medo, os vídeos de estourar espinhas oferecem um lugar seguro para interagir com outra emoção humana básica: o nojo.

Por que o nojento chama a atenção?

Assim como o medo, o professor afirma que o nojo é uma emoção humana universal que existe principalmente para nos proteger. Na opinião dele, existem duas diretrizes principais de repulsa. Uma delas é nos proteger de comer coisas que podem nos envenenar. Qualquer coisa que possa prejudicar o sistema gastrointestinal provavelmente vai te deixar enojado.

A segunda diretriz é evitar que adoeçamos de outras maneiras. Você pode pensar nisso como parte do seu sistema imunológico comportamental. Se você vê outra pessoa e ela está espirrando e há ranho escorrendo pelo nariz, isso é nojento. E parte da razão pela qual isso é nojento é que há um indicador observável e confiável de que essa pessoa está doente com algo que você não quer pegar. Então você quer ficar longe dela.

Em virtude dessas diretrizes, disse Kelly, é muito fácil se distrair com algo que desencadeia sua reação de repulsa. Um gatilho particularmente confiável são os fluidos corporais, que são “vetores de doenças bastante potentes”. Esta é uma das razões pelas quais as pessoas notam tão prontamente as imagens de estouros de espinhas - é da natureza de uma pessoa estar atenta a coisas que possam deixá-las doentes, e cistos gigantescos cheios de pus são adequados.

Espinhas enormes são uma anormalidade fenotípica o que significa que não são uma característica comum. São indicadores de que algo está errado e você pode achá-las nojentas e desejar ficar longe.

Nojento adora companhia

Devido a estes potenciais riscos para a saúde, ocorre um fenômeno estranho quando as pessoas reconhecem que algo é nojento: querem partilhá-lo. Provavelmente também existe uma explicação biológica para isso, segundo o professor. Se a repulsa é uma reação a algo que pode deixá-lo doente, então compartilhar a causa dessa repulsa torna-se uma forma valiosa de comunicar perigos potenciais em seu ambiente.

Se houver uma doença contaminante no meio ambiente, é do meu interesse não contraí-la, mas também é do meu interesse informar as pessoas, disse Kelly. Porque se elas conseguirem, e fizerem parte do meu grupo, eu posso aprender com elas.

Para ilustrar esse ponto, ele apontou para um estudo de 2001 realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford que acompanhou a disseminação de diversas lendas urbanas em vários sites. Em todos os casos, quanto mais repugnante era uma história, mais amplamente ela se espalhava pela Internet.

Impulso biológico

O apelo em massa dos vídeos de estourar espinhas pode resultar dos mesmos impulsos biológicos: um vídeo de um cisto escorrendo pode chamar sua atenção por causa de sua resposta inata de repulsa, você pode assisti-lo para experimentar aquele forte frisson emocional sem realmente correr o risco de infecção e então você pode compartilhá-la porque simplesmente não consegue resistir a comunicar o sentimento.

“Adicione a mídia social à mistura e voilà – temos esse fenômeno estranho”, afirmou Kelly ao site Live Science. Mas e quanto ao estouro em si? Provavelmente é acompanhado por uma liberação da dopamina, neurotransmissor conhecido como um dos hormônios da felicidade. Alguns pesquisadores atribuíram a satisfação de ver um poro grande e pegajoso esvaziado a um impulso biológico de cuidar de si mesmo (e uns dos outros).

Mas talvez um comentarista do YouTube, respondendo ao vídeo da médica Sandra Lee apelidado de "Um cravo gigante extraído em um homem de 85 anos acompanhado por sua filha", tenha resumido melhor o fenômeno: "Isso é realmente nojento. Eu adoro isso."

Algo instintivo

Marc LaFrance, professor associado de sociologia na Universidade Concórdia, em Montreal no Canadá, diz que a acne pode ser muito frustrante e que extraí-la pode ser fortalecedor. Isso permite a experiência momentânea e fugaz de ter algum controle sobre um fenômeno que você não escolheu e que terá muita dificuldade em erradicar, em muitos casos. Uma pesquisa feita por ele sobre a acne também o levou a outra teoria: os humanos têm um fascínio pelo que existe por baixo da nossa pele, pelos fluidos corporais e pelas partes que normalmente não vemos.

Ao estourar uma espinha, você rompe a barreira entre o exterior e o interior do seu corpo, o que pode ser atraente e até excitante. Para ele, há algo quase instintivo nisso. LaFrance também cita o conceito de ‘masoquismo benigno’, que ilustra como os humanos são atraídos por experiências que produzem emoções indesejáveis, como a repulsa. O masoquismo benigno também torna os filmes de terror atraentes, mostram pesquisas.

Estudo mostra cérebro das pessoas enquanto assistem ao vídeo

Um estudo neurocientífico focado em investigar o que acontece no cérebro enquanto as pessoas assistem a vídeos de espinhas estourando tentou esclarecer o motivo que faz com que umas adorem e outras evitem. O estudo, publicado em 2021 na revista científica Behavioral Brain Research utilizou uma técnica neurocientífica chamada fMRI (ressonância magnética funcional).

Os cérebros de 80 mulheres foram escaneados por meio ressonância magnética enquanto elas assistiam a três tipos diferentes de vídeos: estourando espinhas, fontes de água e limpeza a vapor. É importante ressaltar que havia dois grupos de participantes: mulheres que gostavam de assistir a vídeos de estourar espinhas e mulheres que não gostavam. Além de assistir aos vídeos no aparelho de ressonância magnética, as participantes também preencheram alguns questionários sobre suas emoções em geral e seus sentimentos em relação a esses vídeos, especificamente.

Dados do questionário revelaram que as que gostavam de assistir a vídeos de estourar espinhas ficavam menos enojadas do que as do outro grupo. A análise dos dados de neuroimagem revelou que essas mulheres apresentaram maior ativação cerebral na chamada área do córtex frontopolar do cérebro enquanto assistiam a vídeos em comparação com o outro grupo. Esta área do cérebro está envolvida na codificação de intenções de ação e na previsão dos resultados das decisões motoras. Cientistas sugerem que é altamente relevante assistir a vídeos de espinhas, já que começam com uma não tratada. Quem assiste a esses vídeos espera o momento em que a pressão é aplicada para que a espinha se abra e seja esvaziada.

Ao contrário do grupo que gostava de assistir aos vídeos de estourar espinhas, o outro grupo não apresentou desativação do núcleo accumbens. Esta área do cérebro está envolvida na experiência do prazer, mas também na prevenção de eventos não prazerosos. A desativação desta área do cérebro tem sido comumente associada a uma reação de repulsa. Assim, parece haver uma reação de repulsa mais forte neste grupo do que nas mulheres que gostaram de assistir aos vídeos.

Dois mecanismos diferentes

Com base em suas descobertas, os cientistas sugeriram dois mecanismos diferentes que explicam por que algumas pessoas gostam de assistir vídeos de estourar espinhas, enquanto outras acham isso nojento:

Diferenças na capacidade de regular o nojo: o nojo é uma emoção que nos ajuda a ficar longe de coisas que representam um perigo para a nossa saúde, pois podem causar envenenamento (como comida estragada) ou infecção (como uma ferida purulenta). Embora um vídeo de estourar espinhas seja nojento, ele não representa uma ameaça real à saúde das pessoas que o assistem, assim como alguém que assiste a um filme de terror não corre o risco de ser assassinado. Pessoas que gostam de assistir vídeos de estourar espinhas podem ter uma capacidade melhor de ajustar sua reação de nojo ao assistir a um vídeo (na verdade inofensivo) do que aquelas que ficam enojadas com ele. Isso pode ser semelhante à observação de que algumas pessoas gostam de assistir filmes de terror brutais, enquanto outras obtêm uma forte reação de ansiedade com esses filmes.

Alta curiosidade por conteúdo negativo: estudos anteriores mostraram que assistir a conteúdos negativos pode ativar o sistema de recompensa do cérebro em algumas pessoas, no sentido de uma “curiosidade mórbida”. Pessoas que gostam de assistir vídeos de estourar espinhas podem demonstrar uma curiosidade mórbida mais forte do que outras que não gostam.

Fontes: Live Science / Psychology Today