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Desculpe, mas é melhor não pedir seu café para viagem

Copos descartáveis para café podem liberar substâncias que afetam o meio ambiente e a saúde - iStock
Copos descartáveis para café podem liberar substâncias que afetam o meio ambiente e a saúde - iStock

Os brasileiros estão acostumados a tomar seu cafezinho em xícaras de cerâmica ou copos de vidro, pagar e ir embora. Mas, de uns tempos para cá, muita gente decidiu abraçar um costume típicos dos norte-americanos: carregar um copo grande e descartável com a bebida pelas ruas.

Afinal, se você jogar o copo num lixo reciclável o dano ao meio ambiente não vai ser tão grande assim, certo? Uhm, mais ou menos...

Um estudo recente mostra que os copos de papel de grandes redes de lanchonetes podem ser tão tóxicos quanto os plásticos convencionais, se forem parar no meio ambiente. É que, apesar de parecerem ecologicamente corretos, esses copos de papel são revestidos com uma fina camada de plástico para evitar que seu conteúdo penetre no papel, e esse revestimento pode liberar substâncias tóxicas.

Os pesquisadores, da Universidade de Gothemburgo, na Suécia, testaram os efeitos de copos de papel e plástico em larvas de mosquito, que são comumente usadas em testes de toxicidade. Resultado? Depois de quatro semanas, ficou claro que a água contaminada prejudicou seu desenvolvimento.

É difícil saber qual a fonte do problema

Os ecotoxicologistas não realizaram análises químicas para ver quais substâncias haviam se desprendido dos copos de papel, embora a equipe suspeite que uma mistura de produtos químicos tenha causado o dano. Mas é difícil dizer muito mais, já que os pesquisadores não sabem ao certo quais materiais estão presentes nos copos. "Tudo isso seria muito mais fácil se as empresas fossem obrigadas a nos dizer o que usam em seus produtos", afirmou a pesquisadora Bethanie Almroth, em reportagem sobre o estudo na revista Wired.  

Os copos de café são feitos de uma mistura complexa de materiais sintéticos e produtos químicos. Os fabricantes adicionam auxiliares de processamento, estabilizadores de calor e outras substâncias, muitas das quais são conhecidas por serem tóxicas.

Mesmo que sejam usados materiais de origem vegetal, como o ácido poliláctico, um material derivado de milho, mandioca ou cana-de-açúcar usado para revestir copos de papel, os fabricantes costumam adicionar uma série de outros produtos químicos durante o processamento. E a mistura dessas substâncias também poderia ter efeito prejudicial, segundo a toxicologista Jane Muncke, diretora da organização Food Packaging Forum, na Suíça.

Melhorar as práticas de reciclagem seria um passo lógico para tentar evitar que produtos químicos prejudiciais cheguem à natureza, mas os pesquisadores afirmam que o melhor, mesmo, seria aposentar os copos de papel descartáveis de uma vez por todas. É que, para a maioria dos centros de reciclagem, é difícil separar o revestimento de plástico do papel do copo. Muitas cafeterias os recolhem para reciclagem, mas ter que deixar os copos de papel em locais específicos retira a conveniência de um produto de uso único.

Ingestão de produtos químicos?

Além disso, a liberação de produtos químicos não é apenas um problema quando os copos de papel são jogados no lixo. Há indícios de que o dano pode começar quando um copo é usado, o que significa um possível risco para a saúde de quem consome a bebida.

Em 2019, um grupo de pesquisa da Índia encheu copos de papel com água quente para ver se partículas de plástico ou produtos químicos eram liberados. A equipe, do Instituto Indiano de Tecnologia de Kharagpur, ficou surpresa com o número de partículas de microplástico que se infiltraram na água quente em 15 minutos. Foram liberadas, em média, 25 mil partículas por 100 ml de copo.

Os pesquisadores também encontraram vestígios de produtos químicos prejudiciais e metais pesados na água e no revestimento de plástico, respectivamente.

Copos "reutilizáveis" não são necessariamente muito melhores em relação à liberação de produtos químicos, pois muitas vezes são feitos de plástico; o calor e o desgaste aceleram a liberação de produtos químicos, e bebidas ácidas como café absorvem produtos químicos com mais facilidade.

A pegada de carbono dos copos de plástico reutilizáveis também é discutível: estima-se que um copo reutilizável precise ser usado entre 20 e 100 vezes para compensar suas emissões de gases de efeito estufa em comparação com um descartável, segundo algumas estimativas.

A busca por soluções mais seguras e sustentáveis continua. Algumas empresas têm criado copos comestíveis, feitos de waffles ou biscoitos, ou têm usado uma técnica semelhante ao origami para dobrar papel em copos.

Vidro é melhor? 

O vidro, por exemplo, mantém as bebidas quentes por mais tempo e é quimicamente inerte, o que significa que não há liberação de produtos químicos (até mesmo o esmalte de uma xícara de cerâmica é ligeiramente solúvel e pode liberar produtos químicos em algum grau, segundo a reportagem!).

Mas, embora o vidro seja infinitamente reciclável, ele tem uma pegada ambiental maior do que o plástico. É feito de matérias-primas naturais, como areia, que precisam ser extraídas e derretidas a temperaturas muito altas.

O aço inoxidável, um metal comumente usado em garrafas de água reutilizáveis, é outra opção. No entanto, o café em copos de aço esfria mais rápido do que em copos de cerâmica e vidro.

Em outras palavras, não existe solução fácil para o problema. Mas, enquanto os especialistas tentam encontrar alternativas mais sustentáveis, e que sejam igualmente convenientes, talvez seja melhor deixar de lado o hábito de comprar café para viagem.

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin