Doutor Jairo
Leia » Câncer

Antônio Fagundes e o toque retal: quando fazer o exame?

Antônio Fagundes trouxe dados oficiais sobre o câncer de próstata em vídeo do Porta dos Fundos - iStock
Antônio Fagundes trouxe dados oficiais sobre o câncer de próstata em vídeo do Porta dos Fundos - iStock

“Quando é que você vai liberar esse c... aí?”, diz o ator Antônio Fagundes num vídeo do Porta dos Fundos que viralizou nesta segunda-feira (6). Após apresentar dados sobre o câncer de próstata, que afeta 1 em cada 7 pessoas, o ator famoso por seus papéis sérios em novelas usa as mais diversas metáforas para convencer o público sobre a importância do toque retal, um dos exames que ajuda a detectar precocemente a doença.

Em apenas dois dias, o “Novembro Azul Sincero” obteve mais de 1 milhão de visualizações e foi para o Trending Topics do YouTube, uma repercussão difícil de ser alcançada quando o assunto é cuidado com a saúde. Ao pegar carona no tema, muita gente, nas redes sociais, lembrou que o Ministério da Saúde e o Inca (Instituto Nacional de Câncer) não defendem que o toque retal, um dos exames para identificar o câncer de próstata, seja feito por “todo homem” com caráter preventivo, como Fagundes sugere.

O que diz o Ministério da Saúde

Explico melhor: o Ministério da Saúde e o Inca não recomendam os exames para detecção do câncer de próstata em pessoas sem sintomas, o chamado “rastreamento”. Em uma nota técnica divulgada no fim de outubro, com assinatura do Inca, a pasta “reafirma que a prática provoca danos à saúde do homem”. Isso porque nem sempre, num diagnóstico precoce, seria possível afirmar se o tumor é agressivo ou de crescimento lento, o que levaria ao sobretratamento.

“O sobretratamento é o tratamento de cânceres que não evoluiriam a um ponto ameaçador e pode gerar importante impacto na qualidade de vida dos homens, como as disfunções sexual e urinária”, diz a nota, referindo-se a condições que podem ocorrer após a cirurgia do câncer de próstata.

O que diz a Sociedade Brasileira de Urologia

Já a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), entre outras sociedades médicas, defende o rastreamento como essencial para se diagnosticar tumores em estágios iniciais, que na maioria das vezes são assintomáticos. Após a divulgação do Ministério, a entidade também divulgou uma nota técnica em que comenta os dados apresentados pela pasta.

A SBU esclarece que ferramentas modernas têm ajudado a selecionar melhor o paciente que se beneficiará do tratamento – muitos deles podem entrar no que os médicos chamam de “vigilância ativa”: eles podem apenas passar por exames periódicos, e a cirurgia pode ser dispensada ou adiada. Por outro lado, descobrir um câncer avançado diminui muito as chances de cura, além de demandar tratamentos mais complexos e com mais efeitos colaterais.

Como é nos EUA?

A polêmica sobre o rastreamento de câncer de próstata não é nenhuma novidade entre os médicos, e também existe em outros países. Nos EUA, por exemplo, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) sugere que a decisão sobre realizar o exame em pessoas assintomáticas seja tomada entre médico e paciente, após esclarecimento de todos os riscos e benefícios. Já a American Cancer Society preconiza o rastreamento a partir dos 50 anos para os homens em geral, e a partir de 40 ou 45 anos para homens com alto risco, como afrodescendentes e pessoas que tiveram parentes em primeiro grau com a doença diagnosticada antes dos 65 anos.

Qual decisão tomar?

As pessoas que têm próstata (o que inclui mulheres trans) devem decidir, em conjunto com o urologista, quando fazer os exames para detecção precoce do tumor de próstata. O problema é que muita gente só vai ao médico quando têm algum tipo de sintoma, e nesse caso não dá nem para se discutir a possibilidade de adiar, ou não, os exames.

Uma pesquisa recente da SBU mostra que 46% dos homens acima dos 40 anos só vão ao médico quando sentem algo, e esse número aumenta para 58% para quem utiliza apenas o SUS. “Só quem está engajado na saúde e que busca esses cuidados é que consegue se beneficiar. Por isso o Novembro Azul segue com sua vocação primordial, a de esclarecimento e de educação da população”, comenta a urologista Karin Anzolch, diretora de comunicação da SBU.

Fatos para levar em consideração

Veja, a seguir, algumas informações sobre o câncer de próstata que podem ajudar na decisão sobre o rastreamento:

- O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais incidente na população masculina em todas as regiões do país, atrás apenas dos tumores de pele não melanoma. No Brasil, estima-se que haja 71.730 novos casos de câncer de próstata por ano, sendo que essa é a segunda causa de morte por câncer na população masculina, segundo o Inca.

- A idade é o principal fator associado ao aumento da incidência do câncer de próstata, que tem seu pico na sexta década de vida. O histórico familiar de câncer de próstata, principalmente antes dos 60 anos, também eleva o risco (mas apenas 12% de todos os casos têm relação com mutações genéticas herdadas dos pais). A obesidade e a síndrome metabólica também estão associados a uma maior incidência, bem como fatores associados a etnia (homens negros têm risco maior) e a exposição a agentes químicos no trabalho.

- O rastreamento do câncer consiste no toque retal, um exame rápido e indolor feito no consultório médico, sempre acompanhado da dosagem do PSA (um exame de sangue). 

- Grande parte dos tumores de próstata tem crescimento lento e não ameaça a vida. Alguns deles, porém, são agressivos e podem avançar em pouco tempo para outras estruturas e outros órgãos (metástase), reduzindo as chances de cura

- O tratamento do câncer de próstata envolve taxas de até 60% para disfunção erétil e de até 20% para incontinência urinária, proporções que podem ser diminuídas com avanços tecnológicos e a adoção da vigilância ativa. 

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin