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Hipotermia: o perigo por trás das longas noites de inverno

O corpo trabalha entre as temperaturas de 35 ºC e 37,5 ºC. Abaixo disso, há hipotermia, que pode ser classificada em três graus - iStock
O corpo trabalha entre as temperaturas de 35 ºC e 37,5 ºC. Abaixo disso, há hipotermia, que pode ser classificada em três graus - iStock

Marcello Barduco Publicado em 26/07/2021, às 13h30

Não existe época do ano em que o crepúsculo e as noites que se seguem sejam mais bonitos: o céu limpo, salpicado de estrelas, é acompanhado pela intensa e rápida queda de temperatura após o pôr do sol.

Neste cenário surge uma condição que põe em risco pessoas mais suscetíveis: o frio, que leva à hipotermia!

Foi numa destas noites que a Sra. Antonieta, de 81 anos, que mora com sua filha, foi para o seu quarto decidida a dormir mais cedo. Portadora de déficit cognitivo leve (Alzheimer inicial), tomou seus medicamentos (entre eles o que usa para dormir) por volta das 19 horas, fechou sua porta, deitou-se sobre a cama sem se cobrir para acompanhar seu programa de TV preferido, deixando a janela aberta. Na manhã seguinte, como demorava para se levantar, sua filha foi chamá-la e, ao entrar no quarto, a encontrou fria, confusa e sonolenta. Estava hipotérmica!

A hipotermia é a queda da temperatura corporal a níveis inferiores a 35 ºC. Nessa situação, funções básicas do organismo começam a falhar, podendo resultar em morte quando níveis inferiores a 28 ºC são atingidos.

Nosso corpo trabalha, normalmente, entre as temperaturas de 35 ºC e 37,5 ºC. Nesse intervalo todos os processos metabólicos e cardiovasculares correm sem dificuldades. A febre, que é o inverso da hipotermia, acontece quando uma inflamação – infecções são as causas mais comuns – ativa mecanismos que fazem a temperatura subir como reação.

Causas da hipotermia

A causa mais comum da queda da temperatura a níveis indesejáveis é a exposição ao frio. Quando o organismo não consegue produzir mais calor do que está perdendo para o ambiente, ocorre a queda da temperatura corporal. 

Todos temos mecanismos de defesa: a própria sensação de frio nos motiva a procurar agasalhos, ambientes mais aquecidos, livrar-nos daquilo que rouba temperatura, como roupas molhadas e, até mesmo, nos aconchegarmos ao lado de outras pessoas.

Calafrios e arrepios são mecanismos naturais de nosso corpo para tentar produzir mais calor.

Existem grupos de pessoas que são muito mais suscetíveis à hipotermia: aquelas que perderam sua capacidade de reagir conscientemente ao frio ou as que têm maior dificuldade em perceber a queda da temperatura corporal. Assim, é possível concluir que os idosos têm maior risco porque:

  • Têm menor percepção de frio;
  • Seu tecido subcutâneo e pele são mais finos, o que facilita a perda de calor;
  • Apresentam problemas de locomoção ou outras limitações físicas, que os impedem de procurar agasalhos ou mudar de ambientes;
  • Se utilizam de medicamentos que causam sonolência ou alteram o controle da temperatura corporal;
  • Podem permanecer com fraldas úmidas, causando a queda da temperatura corporal.

A manifestação de hipotermia começa com a sensação de frio intenso, aparecimento de calafrios e arrepios e extremidades frias e pálidas (os vasos das extremidades se contraem para diminuir a perda de calor). 

A fala fica entrecortada. Segue-se a letargia (lentificação das atividades do cérebro), com consequente sonolência, confusão mental, alucinações e até coma. Os batimentos cardíacos diminuem sua frequência, assim como a respiração. Se o quadro de hipotermia não for revertido em algumas horas, existe a possibilidade de morte.

A hipotermia pode ser classificada em três níveis:

  1. De 35º C a 33º C – hipotermia leve
  2. De 33º C a 30º C – hipotermia moderada
  3. Abaixo de 30º C – hipotermia grave

Esta classificação é importante porque nos dá ideia do comprometimento do organismo e determina qual tipo de tratamento deve ser adotado.

Hipotermia leve

O aquecimento corporal com agasalhos, a troca de roupas molhadas e banhos quentes, assim como a ingestão de líquidos quentes, costumam ser suficientes para sua reversão. Bebidas alcoólicas não devem ser consideradas de forma alguma para este processo de aquecimento, pois aceleram de forma fugaz o metabolismo sem causar o aquecimento desejado e pioram a condição neurológica. 

Hipotermia moderada  

Pode requerer maiores recursos, com aquecimento ativo corporal com cobertores térmicos e hospitalização para infusão de soro aquecido intravenoso. Vale comentar que o aquecimento deve começar na região do tronco, porque se o iniciarmos pelos membros (braços e pernas) ocorre sobrecarga para o coração, que não está com sua capacidade normal para bombear sangue a essas regiões. 

Hipotermia grave

Pode ocorrer com comprometimentos neurológico e cardíaco importantes e necessita de tratamento em terapia intensiva, com intubação traqueal e assistência ventilatória e monitorização cardíaca e neurológica.

Uma curiosidade: no caso de parada cardiorrespiratória na vigência de hipotermia, o tempo de reanimação (massagem cardíaca) pode chegar a horas enquanto se aquece o paciente até pelo menos 32º C. 

Assim, sabendo que apesar de belas, as noites frias podem trazer perigos, devemos estar atentos. Aquecer o ambiente, agasalhar e oferecer líquidos quentes aos idosos são ações que garantirão o prazer de admirar o céu e as estrelas!

* Dr. Marcello Barduco - Cardiologista e Emergencista do Corpo Clínico do Hospital Sírio Libanês. Pós-graduação em Geriatria pelo IEP – Hospital Sírio Libanês. Gestor do Pronto Atendimento no Hospital Santa Cruz (2004 a 2009). Membro do comitê de ética do Hospital Sírio Libanês (desde 2014). Responsável técnico pela Clínica Barduco há 25 anos. Membro do Conselho Editorial da TREVOO (desde 2021). [email protected]