Um estudo realizado com indivíduos com transtorno do uso de álcool, na França, descobriu que o impacto negativo do consumo problemático de álcool na qualidade de vida é maior para pessoas que têm transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) do que naqueles sem a condição.
Os efeitos adversos na qualidade de vida parecem ser amplificados pelos esforços para lidar com desregulação emocional associada ao TDAH sob a influência do álcool, segundo os resultados, publicados no periódicoJournal of Psychiatric Research.
O transtorno do uso de álcool é uma condição crônica caracterizada pela incapacidade de controlar o consumo de bebida alcoólica, apesar das consequências prejudiciais, resultando em sofrimento ou prejuízo significativo.
A condição envolve um padrão de consumo excessivo, fortes desejos e perda de controle sobre a ingestão de álcool. Indivíduos com esse transtorno frequentemente experimentam sintomas de abstinência, como tremores, ansiedade e náuseas quando não estão bebendo.
A gravidade do transtorno do uso de álcool pode variar de leve a severa, dependendo do número de sintomas presentes. Com o tempo, pode levar a problemas de saúde graves, como doenças hepáticas, complicações cardiovasculares e declínio cognitivo (ou seja, problemas de atenção e memória). Além disso, pode afetar o trabalho e os relacionamentos.
A autora do estudo, Amandine Luquiens, e seus colegas buscaram examinar como o uso de álcool afeta a qualidade de vida em indivíduos com TDAH. Em particular, os pesquisadores focaram nos papéis da impulsividade, da desregulação emocional e de estratégias desadaptativas (ou seja, não adequadas) de regulação emocional.
O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade que interferem na vida diária. Normalmente começa na infância, mas pode continuar na vida adulta, afetando o funcionamento acadêmico, ocupacional e social.
Vale mencionar que, de acordo com diversos estudos, indivíduos com TDAH são mais propensos ao uso de substâncias, até como uma espécie de tentativa de se automedicar para lidar com as emoções que surgem ao se lidar com os sintomas.
Os pesquisadores analisaram dados do início do estudo Train, um ensaio clínico realizado na França para investigar a eficácia de um programa de treinamento cognitivo para pacientes com transtorno do uso de álcool. A amostra incluiu 206 indivíduos diagnosticados com o transtorno, sendo que 40 também tinham TDAH.
Todos os participantes foram classificados como de alto risco devido aos seus níveis de consumo — definidos como mais de 60 gramas de álcool por dia para homens e mais de 40 gramas por dia para mulheres durante o período de quatro semanas anterior (para se ter uma ideia, um shot de destilado tem cerca de 14 gramas). No momento do estudo, os participantes estavam abstinentes por um período de 7 a 30 dias.
Os participantes responderam a uma série de avaliações que mediram os sintomas de TDAH, qualidade de vida relacionada ao transtorno do uso de álcool, impulsividade, estratégias e dificuldades ligadas à regulação emocional, além de prejuízos cognitivos relacionados ao álcool.
Os resultados mostraram que o uso de álcool teve um impacto negativo maior na qualidade de vida de indivíduos com TDAH, em comparação com aqueles sem o transtorno. Participantes altamente impulsivos ou com dificuldades de regulação emocional também relataram qualidade de vida mais baixa.
Os pesquisadores notaram que indivíduos com TDAH tinham maior tendência a suprimir a expressão emocional, o que se associava a quedas adicionais na qualidade de vida.
No geral, os pesquisadores concluíram que esforços disfuncionais para lidar com a desregulação emocional contribuíam significativamente para a redução do bem-estar em pessoas com TDAH e transtorno do uso de álcool.
Segundo os pesquisadores, as descobertas podem ter implicações importantes no tratamento do transtorno do uso de álcool em pessoas com TDAH.
Mas também servem de aviso para que indivíduos diagnosticados sejam ainda mais cautelosos ao consumir bebida alcoólica, a fim de evitarem o risco de complicações pelo uso frequente da substância.
Referência:
“ADHD and alcohol: Emotional regulation efforts pay off in quality of life points”. Amandine Luquiens, Thibault Mura, Alexandra Dereux, Patrice Louville, Helene Donnadieu, Marie Bronnec, Amine Benyamina, Pascal Perney, and Arnaud Carre. Journal of Psychiatric Research (2025).
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin